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    Andorinha carnavalesca: os dois verões de um clássico das marchinhas

    Pedro Paulo Malta

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    Foi o grego Aristóteles (384-322 a.C.) quem escreveu pela primeira vez, em seu livro “Ética a Nicômaco”, que “uma andorinha só não faz primavera” – versão original da expressão idiomática, aqui conhecida na versão adaptada para a estação seguinte, o verão. Na obra do espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), é com a estação das flores que a frase é dita por Dom Quixote (1605). Já no nosso cancioneiro, a frase aristotélica veio parar no carnaval, no refrão de uma marchinha muito cantada em 1934: “Uma andorinha não faz verão”, parceria de Lamartine Babo e João de Barro, o Braguinha.

    O curioso é que esta foi a segunda tentativa de sucesso da marchinha, criada originalmente só por João de Barro, a partir de uma leitura romântica do ditado – no lugar do trabalho coletivo (sentido original da frase), na composição carnavalesca a história da andorinha servia para o sujeito tentar a volta da amada. E assim ela foi lançada pela primeira vez, em janeiro de 1931, pela gravadora Parlophon. A interpretação coube a Álvaro de Miranda Ribeiro, o cantor Alvinho, que era colega de João de Barro no conjunto Bando de Tangarás, que tinha como outros componentes os também iniciantes Noel Rosa, Almirante e Henrique Brito. Com acompanhamento da Orquestra Guanabara, Alvinho canta com a embocadura romântica dos versos de João de Barro.

    Mas um dia veio um rude inverno

    Ficou tudo enevoado

    E com frio tu deixaste

    O beiral do meu telhado

    E na curva azul de um céu distante

    Procuraste um outro abrigo

    Esquecendo esta saudade

    Que hoje mora aqui comigo

    Assim como nesta estrofe (a segunda da marchinha), em outras duas o sujeito dá suas piruetas pela “andorinha”, sempre aterrissando no mesmo refrão:

    Vem, moreninha

    Vem, tentação

    Não anda assim tão sozinha

    Que uma andorinha não faz verão

    Apesar da beleza da melodia e dos versos de João de Barro, “Uma andorinha não faz verão” passou em brancas nuvens no carnaval de 1931. O pesquisador Jairo Severiano conta, no livro “Yes, nós temos Braguinha”, que a história dessa marchinha começou a mudar no fim de 1933: “Com seu repertório para o próximo carnaval já definido, João de Barro foi surpreendido por uma proposta de Lamartine Babo: ‘Braguinha’, disse ele, ‘você tem aquela marchinha, ‘Uma andorinha não faz verão’, que o Alvinho gravou e não deu sorte... Olha, ela tem um estribilho que é uma beleza para carnaval! Deixa eu botar uma nova segunda parte?’”

    João de Barro topou e deu-se a mudança, operada por Lamartine. Do refrão original aproveitou-se a melodia completa e quase toda a letra: em vez de “não anda assim tão sozinha”, a nova versão dizia “não andes assim tão sozinha”. O refrão foi deslocado para o início da música, sendo seguido de duas segundas partes criadas pelo parceiro, com nova melodia: no lugar do sofrimento do namorado saudoso, nos versos de Lamartine a música virou uma cantada bem-humorada, com referência à companhia de luz do Rio de Janeiro, a Light, onde Lalá havia trabalhado nos anos 20:

    Dizem, morena, que teu olhar

    Tem corrente de luz que faz cegar

    O povo anda dizendo que essa luz do teu olhar

    A Light vai mandar cortar

    Na segunda letra, Lamartine faz referência a um tema que seria explorado por ele na marcha “Rasguei a minha fantasia”, que seria lançada por Mário Reis no carnaval de 1935. Foi o próprio Mário, aliás, que lançou a segunda versão de “Uma andorinha não faz verão”, gravada na Victor em dezembro de 1933 e lançada no mercado em janeiro de 34. O acompanhamento foi feito pelos Diabos do Céu, com direção musical e grande arranjo de Pixinguinha. Foi logo incluída entre as finalistas do concurso de músicas carnavalescas de 1934, recebendo menção honrosa no certame, que teve como vitoriosos “Agora é cinza” (melhor samba, composto por Bide e Marçal) e “Tipo sete” (composição de Nássara e Alberto Ribeiro, vencedora entre as marchinhas).

    No teatro, a andorinha de João de Barro e Lamartine Babo ganhou popularidade ao ser incluída no repertório do espetáculo “Há uma forte corrente”, revista encenada no Teatro Recreio entre 11 de janeiro e 18 de fevereiro de 1934. De autoria de Luiz Iglesias e Freire Jr., a produção é lembrada também pela atuação do comediante Oscarito entre os protagonistas e pela estreia da atriz húngara Eva Todor, com 15 anos na época.

    O biógrafo de Lamartine Babo, Suetônio Soares Valença, informa que, no embalo do sucesso da nova versão de “Uma andorinha não faz verão”, a Odeon resolveu dar nova chance à versão original. Em março de 1934, relançou a gravação de Alvinho, que, mais uma vez, não levantou voo.

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