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    A preferida dos músicos: Elizeth Cardoso nos bastidores

    Pedro Paulo Malta

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    Elizeth Cardoso fez história na música por sua elegância, pela voz e pelos sucessos que gravou em sua trajetória. Menos conhecido do grande público – mas nem por isso menos importante – é o amor com que é lembrada pelos músicos com quem dividiu palcos e estúdios. Não à toa, é protagonista de tantas histórias que comprovam que, além do talento e do profissionalismo, a amizade era uma de suas grandes qualidades. No mês em que se comemora o centenário de seu nascimento (16 de julho de 1920), convidamos três instrumentistas que tiveram a honra de acompanhá-la para compartilhar aqui no site da Discografia Brasileira suas memórias de Elizeth Cardoso.

    Entre esses privilegiados está a cavaquinista e produtora Luciana Rabello, que hoje dirige o Instituto Casa do Choro e a Escola Portátil de Música, instituições que fundou juntamente com outros músicos. Quando o assunto é Elizeth, suas memórias voltam até 1979, quando se apresentou pela primeira vez com a cantora como integrante da Camerata Carioca, formada por jovens músicos de choro em torno do bandolinista Joel Nascimento. A apresentação com Elizeth foi no tradicional Colégio de São Bento, no Centro do Rio de Janeiro, encerrando a série Música e Poesia no Corredor Cultural, da Prefeitura do Rio.

    “Foi um show lindo, mas a melhor lembrança que ficou para mim foi do ensaio, lá mesmo no São Bento: quando terminamos de ensaiar, ela me pegou pelo braço e me levou dentro do mosteiro para ver o altar de São Brás, de quem ela era devota”, relembra Luciana, então com 18 anos. “A imagem de Elizeth ajoelhada diante daquele altar – do santo conhecido como o padroeiro das gargantas – nunca mais saiu da minha memória.”

    Entre as lembranças especiais de Luciana estão as oportunidades em que dividiu camarim com a veterana cantora, em temporadas como a do show “Elizethíssima”, em 1981, no Teatro João Caetano. “Ela tinha um carinho muito grande por mim. Uma coisa de mulher mais velha observando uma jovem em início de carreira. Ela sentiu que precisava me proteger e assim fez”, recorda a cavaquinista, que fez da convivência seu aprendizado. “Era uma aula de tudo: de dignidade, de comportamento feminino, de altivez sem perder a leveza. Aquela brejeirice da mulher brasileira, sabe? Que é elegante, que não tolera grosseria e, ao mesmo tempo, nunca perde o sorriso.”

    Neste depoimento em vídeo, Luciana Rabello ressalta a importância de Elizeth Cardoso como “referência feminina”.

    Para o bandolinista Pedro Amorim, o afeto de Elizeth Cardoso com os músicos também está entre as principais lembranças que guarda da cantora. “Ela era sempre muito carinhosa comigo, muito fraterna, muito cuidadosa. Mas não era um cuidado exclusivo comigo. Era uma preocupação dela que todos estivessem bem. Um bem-estar que só tinha razão de ser se fosse de todos”, relembra o músico, que foi visitado pela cantora quando se recuperava de um atropelamento sofrido em 1983. “Quando acordei, minha mãe me mostrou um caderno em que anotou as pessoas que tinham me visitado: claro que Elizeth estava na lista.”

    A amizade seguiu, juntamente com exemplos de profissionalismo que o bandolinista guardou da cantora. “Me lembro de passar no apartamento dela, no Flamengo, e encontrá-la estudando as músicas que ia cantar em um determinado show. Fazia marcações nas letras, como que indicando a melhor maneira de interpretar aquele verso, aquela palavra, aquela intenção. Era uma operária. Cantar era o ofício dela”, define Pedro Amorim. “Elizeth já fazia parte da minha formação musical antes mesmo de nos conhecermos, pelo tanto que ouvíamos os discos dela em casa. São essas loucuras da vida, né? Tocar com Elizeth Cardoso, ser parceiro de Paulo Cesar Pinheiro...”

    No vídeo que gravou com uma lembrança de Elizeth, Pedro Amorim relembra uma passagem da temporada em que acompanhou a cantora no Golden Room do Copacabana Palace Hotel, em outubro de 1983.

    Já o baterista Oscar Bolão guarda boas memórias da primeira vez em que tocou com Elizeth, no espetáculo que ela dividiu com Ataulfo Alves Júnior, em 1984. Uma temporada que se iniciou na Sala Funarte (Rio de Janeiro), percorreu o Nordeste pelo Projeto Pixinguinha e depois chegou ao Sesc Pompeia, em São Paulo, de onde Bolão guarda as melhores lembranças. “Quando terminou nossa apresentação, fomos todos confraternizar na choperia, ali ao lado do teatro. Estava rolando um show de um grupo chamado Sossega Leão, até que a Elizeth se animou e perguntou: ‘Alguém sabe dançar?’ Eu me anunciei, ela se atracou comigo e foi aquele baile, ela me conduzindo. Abriu uma roda em torno da gente, mesmo sem ninguém ter sacado que era a Elizeth.”

    Assim como Luciana Rabello e Pedro Amorim, Bolão faz questão de destacar o quanto aproveitou a proximidade com a cantora para aprender. “Tocar com Elizeth foi uma das experiências mais gratificantes da minha vida. Eu ali, olhando pra ela e aprendendo tanto! O jeito de cantar, de se dirigir à plateia, de se portar no palco”, lembra o baterista. “A maneira como dignificava a arte, ao mesmo tempo em que era a simplicidade em pessoa, como Zezé Gonzaga, Áurea Martins e algumas outras. Sabemos que nem todo solista é assim, né?”

    Bolão conta que, após a morte de Elizeth Cardoso (em 7 de maio de 1990), ainda se emocionou bastante com o legado da cantora. “O neto dela, Paulo Cesar, me disse que entre os guardados da avó estavam três sacos grandes cheios de partituras. Ele me pediu que olhasse e, quando abri, dei um grito: eram arranjos de Lirio Panicalli, Radamés Gnattali... Arranjos feitos para ela e que ficaram guardados. Este material está hoje com o IMS.” (*)

    Das lembranças de Elizeth, Bolão traz neste vídeo um episódio de 1984, durante uma turnê do Projeto Pixinguinha.

    Este post em homenagem a Elizeth Cardoso se encerra com uma playlist feita a partir de indicações dos três amigos-músicos da cantora entrevistados para este texto. Pedimos a cada um que selecionasse cinco gravações dela no acervo da Discografia Brasileira e o resultado foi – como não poderia deixar de ser – uma seleção afetiva.

    As escolhidas de cada um:

    Luciana Rabello: “Ocultei” (Ary Barroso), “Nossos momentos” (Haroldo Barbosa e Luiz Reis), “Até quando” (Marino Pinto e Vadico), “Alguém como tu” (José Maria de Abreu e Jair Amorim) e “Canção dos seus olhos” (Pernambuco e Antonio Maria).

    Oscar Bolão: “Mulata assanhada” (Ataulfo Alves), “Praça Sete” (Marília Batista e Sebastião Fonseca), “Deixa andar” (Jujuba), “Nossos momentos” (Haroldo Barbosa e Luiz Reis) e “E daí” (Miguel Gustavo).

    Pedro Amorim: “Vagalumeando” (Paulo Roberto), “Nem resta a saudade” (Norival Reis e Irani de Oliveira), “Notícia de jornal” (Haroldo Barbosa e Luiz Reis), “Amor amor” (Pedro Caetano e Portinho) e “Ocultei” (Ary Barroso).


    (*) As partituras de arranjos a que o Bolão se refere estarão em breve disponíveis para consulta online, assim como todo o acervo de Elizeth Cardoso, como parte das comemorações pelo centenário de seu nascimento. A exceção são os dois arranjos de Tom Jobim para o disco Canção do amor demais, os das músicas "Chega de saudade" e "Outra vez", que foram mantidos pelos herdeiros da cantora e mais tarde arrematados em leilão pelo Instituto Tom Jobim.


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