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    Muito prazer, Frazão: os sucessos e as histórias do sambista-pescador que escondia a idade

    Pedro Paulo Malta

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    Faça uma seleção de sucessos carnavalescos da chamada “era de ouro” e é pouco provável que você não tope com alguma criação de Frazão: compositor atuante nas décadas de 1930 e 40 e inesquecível também por seu primeiro nome, que seus pais pegaram emprestado de um personagem importante da Grécia antiga, o matemático e astrônomo Eratóstenes (276 a.C. – 194 a.C.), famoso por calcular a circunferência da Terra. Já o xará brasileiro, jornalista de profissão, ficou conhecido pelos sambas, marchinhas e outros gêneros musicais que emplacou na boca do povo, quase sempre acompanhado de parceiros do primeiro time, como Antonio Nássara, Benedito Lacerda e Roberto Martins. 

    Morador de Paquetá e pescador nas horas vagas, era “vaidoso, moreno, acaboclado, sempre com chapéu de lado e orgulhoso por lembrar vagamente o ator norte-americano George Raft”, como descreve o pesquisador e escritor Rodrigo Alzuguir na biografia “Wilson Baptista: o samba foi sua glória”. Era com essa pinta que batia ponto no principal reduto carioca dos compositores de sua época, o lendário Café Nice, onde ficou famoso por participar ativamente das mesas criadoras de apelidos: Herivelto Martins era o “Garnizé”; Cyro Monteiro, o “Formigão”; Evaldo Rui, “Espanador da Lua”; Francisco Alves, “Chico Duro”, etc.

    Segundo o jornalista Nestor de Holanda Cavalcanti, no livro “Memórias do Café Nice”, o próprio Eratóstenes Frazão também tinha seus apelidos: “Vovô Índio”, “Domínio Público”, “Moeda do Império” e outras alcunhas alusivas a sua idade, que ele fazia questão de esconder. As principais fontes de referência informam que nasceu em 17 de janeiro de 1901 (e morreu em 17 de abril de 1977), mas corria à boca pequena que Frazão teria nascido no longínquo ano de 1891. Seja como for, pelos 120 ou 130 anos de seu nascimento, a data redonda é o mote para a lista de dez músicas – e boas histórias – que fizemos para celebrar a memória de Eratóstenes Frazão.

    Julieta (com Noel Rosa), 1933

    Única parceria com Noel Rosa, este foxtrote nasceu inspirado numa pequena que o Poeta da Vila conheceu na Lapa: Julia Bernardes, a Julinha, descrita como uma mulher à frente de seu tempo no livro “Noel Rosa, uma biografia”, de Carlos Didier e João Máximo: “Muda de cabarés e namorados com a mesma frequência com que muda de cabelo, loura hoje, ruiva amanhã, cor indefinida depois”. A amizade de Frazão e Noel se estreitou em 1931, quando o primeiro escreveu – com Maciel Pereira e Léo Grim – o espetáculo “Café com música”, encenado no Teatro Recreio em abril daquele ano, todo com músicas do segundo. Gravada em disco dois anos após o espetáculo, no vozeirão de Castro Barbosa, “Julieta” é a única música desta seleção que não foi lançada para o carnaval.

    Coração ingrato (com Nássara), 1935

    Marchinha que entrou para história por ter vencido a edição de 1935 do concurso de músicas de carnaval da Prefeitura do Rio (então Prefeitura do Distrito Federal), deixando em segundo lugar a famosa “Cidade maravilhosa” (André Filho), que de longe era a preferida do público e se tornaria hino do Rio de Janeiro. Segundo Carlos Didier, na biografia “Nássara passado a limpo”, a campeã de 1935 foi composta a partir de uma canção italiana de 1911, Cuore ingrato, de Salvatore Cardillo e Riccardo Cordiferro. Eternizado também como grande caricaturista, o carioca Antônio Nássara é o parceiro mais presente na obra de Eratóstenes Frazão. 

    Florisbela (com Nássara), 1939

    Um dos grandes sucessos de Frazão, esta bela marchinha romântica – mais uma em parceria com Nássara – foi outra vitoriosa num concurso de músicas de carnaval (o de 1939) que terminou em polêmica. Decidido pelo voto popular, o resultado pôs “Florisbela” à frente da favorita “A jardineira” (Benedito Lacerda e Humberto Porto), num pleito marcado por uma campanha incansável dos compositores na boca de urna. As duas acabariam citadas no famoso samba “Camisa amarela”, também de 1939, em que Ary Barroso faz uma crônica do carnaval daquele ano.

    Vírgula (com Alberto Ribeiro), 1940

    Menos conhecida do que merece, esta marchinha é uma parceria de Frazão com um dos maiores compositores de música para carnaval, o médico Alberto Ribeiro. Foi lançada pouco antes da folia de 1940, na voz de Mário Reis, que segundo seu biógrafo, o jornalista Luís Antônio Giron, gostou da letra, que propunha “uma brincadeira com o ditado das palavras e da pontuação”. Vale observar que a escrita foi o principal ganha-pão de Eratóstenes Frazão, que foi repórter esportivo e policial, tendo passado pelas redações de O Paiz, A Manhã, A Crítica, A Noite, Folha da Tarde e Gazeta de Notícias, entre outros veículos impressos da primeira metade do século 20. “Vírgula” foi regravada uma única vez, em 2006, pelo cantor Pedro Miranda acompanhado do Cordão do Boitatá.

    Nós queremos uma valsa (com Nássara), 1941

    Marchinha? Samba? Frevo? Que nada! A principal aposta da dupla Frazão e Nássara para o carnaval de 1941 foi uma valsa. A exemplo de “Coração ingrato”, esta composição também nasceu de um composição europeia, no caso a famosa valsa Les patineurs (do francês Émile Waldteufel), também conhecida como a “Valsa dos patinadores”, aliás citada nominalmente na letra. A melodia original francesa também é citada, no trecho: “Vem, meu amor / Vem, meu amor / Num passinho de valsa / Que vem e que vai / Mamãe quer dançar com papai.” Gravada com sucesso por Carlos Galhardo, foi mais uma composição de Frazão e Nássara premiada no concurso de músicas de carnaval da Prefeitura do Distrito Federal.

    Lero lero (com Benedito Lacerda), 1942

    “Benedito Lacerda e Frazão eram os autores de outra marcha que tinha o seu ponto alto nos versos gaiatamente estridulados, à moda dos cantores líricos”, conta Edigar de Alencar em seu livro “O carnaval carioca através da música” no verbete dedicado a esta marchinha. A referência vocal que serviu de mote aos compositores, no entanto, não é o bel-canto e sim o “yodel” (também conhecido como iodelei ou tirolês), canto muito popular na região dos Alpes e que na música brasileira teve como maior representante o cantor Bob Nelson, do sucesso “Oh, Suzana”. Já “Lero lero” foi sucesso de Orlando Silva no carnaval de 1942, numa gravação reforçada pelo “yodel” de Dalva de Oliveira.

    Sabiá de Mangueira (com Benedito Lacerda), 1944

    Raro samba nesta seleção, “Sabiá de Mangueira” é uma composição de Frazão com um de seus parceiros mais frequentes: o flautista Benedito Lacerda, personagem importante na história do samba, junto com outros sambistas e malandros moradores do bairro carioca do Estácio. Também teve papel fundamental como líder de grupos como o Gente do Morro, o Regional do Benedito Lacerda e o conjunto que acompanha Nelson Gonçalves na primeira gravação deste samba, para o carnaval de 1944, com destaque para o possante coro feminino. Entre as regravações que teve, destacam-se as de Clementina de JesusJoyce Moreno e Maria Bethânia.

    Fica doido varrido (com Benedito Lacerda), 1945

    Outra composição co-assinada por Benedito Lacerda, este samba é mais um de Frazão premiado no concurso de músicas de carnaval da Prefeitura do Distrito Federal. Foi lançado em janeiro de 1945, na voz de um dos grandes amigos (e companheiros de pescaria nos arredores de Paquetá) de Frazão: o cantor Sílvio Caldas. O sucesso foi além daquele carnaval, como se pode ver pelas regravações que teve, por artistas os mais variados: de Miltinho ao conjunto O Rappa, passando pelos conjuntos Demônios da Garoa e Os Cinco Crioulos.

    O cordão dos puxa-sacos (com Roberto Martins), 1946

    “E o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais!” A expressão, corrente até os dias atuais, foi ouvida pela primeira vez nesta marchinha de grande sucesso no carnaval de 1946, feita por Frazão em parceria com outro grande compositor do repertório carnavalesco: Roberto Martins, também morador de Paquetá. Segundo o escritor e pesquisador Franklin Martins, em seu livro fundamental “Quem foi que inventou o Brasil”, a marchinha fala “sobre o momento político que o país atravessava, marcado pelo enfraquecimento de Getúlio Vargas, pelo avanço do processo de redemocratização e pelas negociações políticas visando às eleições que se aproximavam”. Na abertura da primeira gravação da marchinha, feita pelos Anjos do Inferno, a menção aos versos iniciais de No bico da chaleira (polca de 1909 que retratava os bajuladores do senador Pinheiro Machado) mostra que o tal cordão é tradição antiga na política brasileira.

    Marcha dos gafanhotos (com Roberto Martins), 1947

    Fruto da parceria com Roberto Martins, esta marchinha nasceu de um dos fatos que marcaram o noticiário em 1946: uma grande nuvem de gafanhotos originária da Argentina que em setembro começou a devastar plantações no sul do Brasil e em novembro já estava em São Paulo, virando tema em jornais, revistas e programas de rádio. Sua gravação se deu entre as duas datas, no mês de outubro, no vozeirão de Albertinho Fortuna – cantor português de nascimento e criado em Niterói desde menino. Segundo o pesquisador Edigar de Alencar, “Marcha dos gafanhotos” foi seu único sucesso carnavalesco. 

    Foto: Coleção José Ramos Tinhorão / IMS

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