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    Vassourinha, ‘Seu Libório’ e ‘Juraci’: três grandes histórias num discaço de 1941

    Pedro Paulo Malta

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    Entre as vidas breves do samba, nenhuma é mais impressionante que a do cantor Vassourinha. Nem Noel Rosa (falecido aos 26), nem Dolores Duran (aos 29), nem Nilton Bastos (aos 32). Vassourinha viveu só até os 19 anos, quando uma causa imprecisa – a depender da fonte, osteomielite ou tuberculose – levou o artista: um paulistano nascido na Barra Funda (16-05-1923) que, não fosse a semelhança física com um certo Vassoura (taxista popular da noite de São Paulo), ficaria conhecido simplesmente pelo nome civil, Mário Ramos de Oliveira.

    Com seu canto cheio de bossa, deixou sua voz registrada em apenas seis discos de 78 rotações, todos lançados pela gravadora Columbia no intervalo mirrado de um ano – entre junho de 1941 (quando fez as primeiras gravações) e junho de 1942, quando saiu o último disco. Entre essas doze músicas estão sambas que, se não ganharam a eternidade de uma “Aquarela do Brasil”, até hoje são lembrados como grandes exemplares do gênero – especialmente do tipo “samba-crônica”, com uma história contada em versos, melodia e telecoteco.

    É o caso das duas gravações que saíram no primeiríssimo disco de Vassourinha, o 78 rotações de número 55295 lançado pela Columbia há exatos 80 anos, em agosto de 1941. No lado A estão as desventuras de “Seu Libório” (João de Barro e Alberto Ribeiro), o polígamo “feliz e contente” que garante a três vizinhas “vestidos de alto preço e perfumes a granel”. Já na música do lado B, “Juraci” (Ciro de Sousa e Antônio Almeida), também há mimos para conquistar de vez a cabrocha que dá nome ao samba: “Comprei rádio, geladeira e ventilador...” 

    Em ambas as gravações – realizadas no dia 23 de junho de 1941 – Vassourinha é acompanhado pelo Regional de Benedito Lacerda, cuja flauta é ouvida nas introduções dos dois lados do disco. Ao se deparar com “Seu Libório”, é possível que os ouvintes tenham se lembrado do filme “Alô alô carnaval” (1936), no qual o samba era cantado e batucado no chapéu de palha por Luís Barbosa (veja), outro ás do samba de bossa falecido precocemente, vitimado aos 28 anos pela tuberculose, em 1938. 

    Quem gostou da primeira gravação de “Seu Libório” em disco foi o escritor e jornalista Roberto M. Moura, que num dos textos publicados na coletânea “Sobre cultura e mídia” (Irmãos Vitale, 2002) sublinha “os voos e flutuações de Vassourinha, que não se intimida com o fato de cantar um samba decalcado pela interpretação de Luís Barbosa. Repare-se como ele dá expressão à silaba ‘con’ na segunda parte, no verso ‘Vive assim feliz e contente com o que o destino lhe deu’. Uma interpretação quadrada poria todo o peso do compasso na sílaba ‘ten’, tempo forte da frase melódica.”

    Além da gravação de Vassourinha, “Seu Libório” pode ser ouvido no site da Discografia Brasileira em dois outros registros lançados posteriormente por cantores de telecoteco: Dilermando Pinheiro (em 1956) e Gasolina (em 1957). Já “Juraci”, relançado apenas uma vez no formato 78 rotações (pelo conjunto Vagalumes do Luar, em 1955), ganhou novo fôlego na voz de Roberto Silva, que regravou duas vezes o samba: a primeira sozinho (1958) e a segunda em dueto com Caetano Veloso (2000).

    Curiosamente, Juraci tinha sido o primeiro nome artístico adotado por Vassourinha, ainda em meados da década de 1930, quando despontou como cantor mirim na Rádio Record de São Paulo, onde havia ingressado pouco antes, para trabalhar como menino de recados. Até que um publicitário, vizinho da pensão onde trabalhava sua mãe, D. Teresa (e conhecia a habilidade dele com o pandeiro), sugeriu à emissora que testasse o rapazinho no estúdio. Pouco depois, lá estava ele fazendo dueto mirim com a também adolescente Isaurinha Garcia.

    Outras cantoras que se encantaram pelo batutinha do samba foram as irmãs Carmen e Aurora Miranda, que sempre o chamavam para participar de suas apresentações em São Paulo. No acervo do recém falecido pesquisador José Ramos Tinhorão (pertencente ao Instituto Moreira Salles), há uma foto das duas cantoras dedicada a ele, com um elogio e tanto devidamente sublinhado: “Ao Vassourinha, garotinho formidável, oferecem esta lembrança as Mirandinhas. Rio, 11-05-1936.” (clique para ver)

    No entanto, só quando completou 18 anos é que começou a gravar seus discos, pelo 78 rotações que é tema deste post. Após a bem sucedida estreia fonográfica, só teve tempo de gravar outras cinco bolachas pela Columbia, numa delas seu maior sucesso: o samba “Emília” (Wilson Batista e Haroldo Lobo), suprassumo machista que não teria chance nos dias atuais, mas foi um dos mais cantados na folia de 1942. Primeiro e último carnaval como cantor de sucesso.

    Falecido em 3 de agosto de 1942, Vassourinha foi sepultado no Cemitério do Araçá, em São Paulo. A morte foi lamentada na imprensa, como no Correio da Manhã, que no obituário do artista (05-08-1942) o descreveu como “um dos mais curiosos intérpretes do samba”, “dono de um talento invulgar” e “um dos cantores mais estimados do rádio brasileiro. O seu desaparecimento, após dois meses de pertinaz enfermidade, é uma perda sensível para a música popular do Brasil”.

    Foto:  Coleção José Ramos Tinhorão / IMS

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