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    Os 80 anos do 1º disco de ‘Parabéns a você’: do Kentucky a Pindamonhangaba, um ‘bom dia’ que virou sinônimo de festa

    Pedro Paulo Malta

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    Sabe lá, entre as 63.315 músicas desta Discografia Brasileira, qual foi a que fez mais sucesso? A que foi (e ainda é) a mais cantada, aos milhares, diariamente, no mundo todo? Uma canção de melodia facilmente assimilável e apenas quatro versos — traduzidos para todos os idiomas possíveis — que costuma ser o ápice das festas de aniversário? Há quem pense que, de tão onipresente, esta é daquelas canções que correm de boca em boca, como as cirandas-cirandinhas do folclore.

    Só que não: a canção “Parabéns a você” (ou “Parabéns pra você”, como é mais conhecida) teve quem compusesse a melodia, quem escrevesse os versos e quem a lançasse — em partitura e, depois, disco. Aqui no Brasil, foi gravada pela primeira vez há 80 anos, num 78 rotações do selo Melodia que chegou às lojas em agosto de 1944. Mas essa história começa bem antes da década de 1940, ainda no século 19, e a alguns mil quilômetros daqui, no sudeste dos Estados Unidos.

    Precisamente em Louisville, no estado do Kentucky, onde vivia Mildred Jane Hill, que era professora de música do jardim de infância da cidade, onde trabalhava também sua irmã mais nova, Patty Smith Hill, diretora da escola. Isso por volta de 1890, quando as duas tiveram a ideia de criar uma música de boas-vindas a ser cantada para as crianças de manhã cedinho, enquanto chegassem à Louisville Experimental Kindergarten School:

    Good morning to you
    Good morning to you
    Good morning, dear children
    Good morning to all

    Assim, a quadrinha, intitulada “Good morning to all”, foi publicada pela primeira vez em 1893, como uma das músicas do caderno de partituras "Song Stories for The Kindergarten" (Histórias musicadas para o jardim de infância), editado pela Clayton Summy Company, de Chicago, com letra creditada a Patty e melodia, a Mildred.

    A professora Mildred J. Hill, compositora de ‘Good morning to all’ e o livro em que a partitura de música foi publicada pela primeira vez / Reproduções da internet

    Posteriormente, houve quem tentasse relacionar a criação das irmãs Hill a canções anteriores do século 19 compostas por Horace Waters, como "Happy greetings to all" (de 1858), "Good night to you all" (1858), "A Happy New Year to all" (1875) e "A happy greeting to all" (1885). Segundo estudiosos, todas elas, no entanto, tinham melodias diferentes da composta por Mildred J. Hill, que também atuava como musicóloga, especialista no estudo dos “spirituals”, como já demonstrara em 1892, com a publicação do artigo “Negro Music”.

    O texto — assinado por ela com o pseudônimo Johann Tonsor — é frequentemente apontado como uma das referências do compositor tcheco Antonin Dvorak para a criação de sua “Sinfonia do Novo Mundo”. Mas impacto mesmo a música passaria a ter a partir de 1900, quando, acredita-se, ela passou a ser cantada — possivelmente na mesma escolinha de Louisville — com uma letra alternativa:

    Happy birthday to you
    Happy birthday to you
    Happy birthday, dear...
    (nome do/da aniversariante)
    Happy birthday to you

    Isso porque datam de 1901 os primeiros textos que mencionam a existência de uma música chamada "Happy birthday to you", entre eles um artigo publicado no "Inland Educator and Indiana School Journal", de autor desconhecido. Do mesmo ano é a primeira aparição da letra impressa de "Happy birthday to you", como os quatro últimos versos do poema "Roy's birthday" (de Edith Goodyear Alger), publicado no livro "A Primer of Work and Play", embora aqui não houvesse qualquer relação explicita com a música.

    Só em 1911, no entanto, veio o primeiro livro datado a publicar os versos de "Happy birthday to you" relacionando-os à melodia de "Good morning to all": o didático "The elementary worker and his work", obra de Alice Jacobs e Ermina Lincoln publicada em Cincinnati, Ohio, pela editora Jennings and Graham. Depois de muitas reedições, a popularidade da canção cresceu especialmente a partir de 1934, quando foi cantada em “A queridinha da família” (“Baby, take a bow”, no original), na cena do aniversário da prodígio Shirley Temple, aqui fazendo sua estreia no cinema.

    Seguiram-se gravações marcantes na discografia estadunidense em 78 rotações, a começar por uma lançada pela Victor em 1935, com Ray Nichols e sua Four Towers Orchestra. Já em 1938 foi a vez de “Happy birthday to you” ser relançada pela Conqueror Records (em gravação da Vocalion Novelty Orchestra) e pela Decca (Decca Band). E em 1940 vieram mais duas regravações, pelos Golden Memory Boys (na Victor) e pela New Orchestra de Raymond Scott com Clyde Burke e coro (Columbia).

    Até que ela chegou aqui. Seja pelo cinema, pelos discos ou por viajantes, a canção passou a ser tocada e cantada em salões como o do Cassino da Urca: a luz se apagava e a orquestra regida por Vicente Paiva interpretava o “Happy birthday to you”, para o encanto geral, inclusive do radialista Almirante, que, em suas convicções nacionalistas, aguardava o surgimento de um equivalente nacional. Até que, certa noite, ele estava no salão quando viu Dircinha Batista cantar “Feliz aniversário” (Alvarenga e Ranchinho), para a indiferença geral.

    “Quando, porém, Vicente Paiva comandou a orquestra executando a melodia de ‘Happy birthday to you’, parecia que o cassino inteiro fazia aniversário”, conta o jornalista Sérgio Cabral no livro “No tempo de Almirante: uma história do rádio e da TV” (Francisco Alves Editora, 1990). Foi daí que o radialista, valendo-se de sua popularidade na programação da Nacional, resolveu lançar, em outubro de 1941, um concurso para escolher uma letra brasileira para a birthday song estadunidense.

    “Almirante deu as bases do concurso”, prossegue Cabral em seu relato, estabelecendo que toda concorrente “fosse uma quadrinha em que cada verso contivesse seis sílabas”, que tivesse “correspondência ou encaixe perfeito com a melodia” e “que a letra pudesse ser cantada por qualquer pessoa — jovem, criança, velho, presidente da República ou para as pessoas mais simples”.

    Patrocinado pelas “Casas Pimentel, a maior organização para a venda de rádios, com estabelecimentos no Méier, Madureira e Cinelândia”, como descreveu A Noite (07-02-1942), o “concurso de quadrinhas da Orquestra de Gaitas da Rádio Nacional” mobilizou participantes de diversas partes do Brasil, chegando a cerca de cinco mil concorrentes. A seleção coube a uma comissão julgadora da qual faziam parte membros da Academia Brasileira de Letras — os escritores Mucio Leão, Olegário Mariano e Cassiano Ricardo.

    A farmacêutica Bertha Celeste Homem de Mello, autora da letra de ‘Parabéns a você’, com versos escolhidos em concurso promovido pelo radialista Almirante. / Fonte: sitedejacarei.com.br e Coleção José Ramos Tinhorão / IMS  

    Até que um “monumental programa” em 06-02-1942 encerrou o certame, sendo proclamada vitoriosa Léa Magalhães — pseudônimo de Bertha Celeste Homem de Mello, farmacêutica recém formada da cidade de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo. Não podia imaginar que sua quadrinha logo seria cantada no Brasil inteiro, mas com uma adaptação feita pelo povo no primeiro verso. Afinal, era assim que dizia a letra original de Bertha, conforme publicou A Noite no dia seguinte ao resultado:

    Parabéns, parabéns
    Nesta data querida
    Muitas felicidades
    Muitos anos da vida

    Até o fim da vida (aos 97 anos, em 1999), Bertha reclamava de outra modificação que haviam feito em sua letra, motivo pelo qual costumava silenciar sempre que cantavam seu “Parabéns” nas festas de aniversário. Dizia que, na quadrinha original, não havia escrito “muitas felicidades”, mas “muita felicidade”, no singular, afinal – como recorda a família – a autora argumentava que “felicidade é uma só”.

    Mas nada podia fazer, se já na primeira gravação brasileira “Parabéns a você” era cantado com a felicidade no plural. Isso no já citado 78 rotações do selo Melodia: o disco 30.062, lançado em agosto de 1944 trazendo no lado A o samba “Ela foi embora”, de Oscar Bellandi e Djalma Ferreira – este diretor musical dos Milionários do Ritmo, que tocam na primeira gravação da canção de aniversário acompanhando Os Trovadores, nome do coro do conjunto. Ou seja, o lançamento fonográfico de “Parabéns a você” foi como lado B.

    No entanto, o mais surpreendente é notar que, entre as primeiras gravações da música lançadas em 78 rotações, a autoria de Léa Magalhães – pseudônimo de Bertha – só aparecerá no rótulo de um disco em 1950: o Odeon 13.035, com Raul de Barros e sua Orquestra tocando “Parabéns para você”, com crédito também para Mildred Hill. Até lá, os rótulos trarão a informação “Popular” no campo destinado à autoria.

    É o que se vê, por exemplo, na segunda regravação, lançada em janeiro de 1951, pela Todamérica, com Nilo Sérgio e o Trio Madrigal interpretando a música em ritmo de valsa. Ou na terceira, de agosto de 1951 com Djalma Ferreira e Seus Milionários de Ritmo entoando “Parabéns a você” em dois ritmos (primeiro como canção, depois em levada de samba) num 78 rpm da Continental.

    Já na quarta regravação, lançada em setembro de 1952 pela RCA Victor, com a música elegantemente tocada em ritmo de fox por Zacarias e Sua Orquestra, a novidade fica por conta da letra alternativa que aparece no único trecho cantado:

    Parabéns a você
    Paz e amor junto aos seus
    Parabéns a você
    Com a graça de Deus

    Outra tentativa de substituir os versos de Bertha Celeste Homem de Mello veio em maio de 1955, num 78 rotações da Columbia. Pois aqui, a música – interpretada pelo coro e pela orquestra da gravadora – traz não uma, mas duas quadrinhas, com destaque para a primeira, totalmente desapegada das rimas:

    Parabéns a você
    Parabéns a você
    No seu aniversário
    Seja muito feliz

    Tenha sempre do bom
    Do que a vida contém
    Tenha muita saúde
    E amigos também

    Só em 1958, quando esta gravação foi relançada pela Columbia, soube-se que os novos versos tinham como autor Juvenal Fernandes – cujo nome reapareceu em 1962, no rótulo de um 78 rotações da RCA Victor no qual “Parabéns a você” tem como solista a menina Maria Regina. Esta segunda estrofe permanece até os dias atuais na versão de “Happy birthday to you” que é cantada em Portugal, onde é antecedida por outra quadrinha:

    Hoje é dia de festa
    Cantam as nossas almas
    Pro menino
    (nome do aniversariante) ou Pra menina (nome da aniversariante)
    Uma salva de palmas

    De volta ao Brasil e à discografia em 78 rpm, cabe registrar ainda outra gravação da canção estadunidense com os versos originais de Bertha Homem de Mello: a que foi lançada pela Copacabana em outubro de 1953, na interpretação do Coro dos Garotos G9, com regência da maestrina Zita Martins.

    Aqui na Discografia Brasileira é possível encontrar também alternativas nacionais à melodia de Mildred J. Hill, seja em ritmo de samba, como o excelente “Parabéns para você”, que Wilson Batista e Roberto Martins compuseram para ser gravado por Aracy de Almeida em 1945. Ou em ritmo de valsa, como fez Joubert de Carvalho com a “Canção de aniversário”, lançada em 1950 com orquestra vocal e coro dirigidos pelo maestro Lírio Panicalli.

    Houve também quem tentasse emplacar o parabéns brasileiro em ritmo de marcha, como a dupla humorístico-caipira Alvarenga e Ranchinho, com a já citada “Feliz aniversário”, que Dircinha Batista lançou em 1940. E o palhaço Carequinha, que em 1959 gravou “Parabéns, parabéns” acompanhado do coro infantil do Lar da Glória e da bandinha de Altamiro Carrilho – compositor da música (com Irani de Oliveira), até hoje muito lembrada.

    Outra que volta e meia é resgatada do passado para ser cantada (de mão no peito, dado seu caráter cívico) nas festinhas é “Feliz aniversário”, composição do maestro Heitor Villa-Lobos com letra do poeta Manuel Bandeira enviada às emissoras de rádio em dezembro de 1946 juntamente com outras “Canções de cordialidade” – “Boas vindas”, “Boas festas” e “Feliz ano novo”.

    Saudamos o grande dia
    Que tu hoje comemoras
    Seja a casa onde moras
    A morada da alegria
    O refúgio da ventura
    Feliz aniversário!

    Juntamente com as partituras foi enviada uma carta do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico clamando pela “necessidade da independência musical brasileira” e convocando as emissoras a colaborarem para que tais músicas “possam ser cantadas em português e com melodias do Brasil”.

    “Melhor presente não poderiam receber as estações de rádio nesta época”, festejou Magdala da Gama Oliveira, a Mag, em sua coluna no Diário de Notícias (13-12-1946). ”Além do mais, os ouvintes já estão cansados de ouvir o ‘Happy birthday to you’, servindo até para anúncios.” Imagine se a colunista tivesse vivido a tempo de conhecer o “Parabéns da Xuxa” (Michael Sullivan, Paulo Massadas e Miguel Plopschi), baladinha que estourou em 1986 – oito anos após a morte de Mag (1978) – e, desde então, embala as festas em alto e estridente som, ainda por cima entremeada com gritinhos...

    Foto principal: o aniversário de Shirley Temple em "A queridinha da família", de 1934 (reprodução da internet)

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