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    Do frevo e do maracatu... mas também da valsa, do samba e da pintura: os 120 anos de Capiba, mestre da cultura pernambucana!

    Fernando Krieger

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    O frevo é o melhor ritmo do mundo. Contagia a todos. Se fosse americano, já teria dominado os quatro cantos do mundo, seria universal. Mas como é brasileiro, nordestino e pernambucano, as emissoras locais de rádio tocam o rock, mas não executam a nossa música.

    (Capiba – Jornal do Brasil, Caderno B, 17/11/1980)

    Capiba tinha um jeito todo especial de falar: não _onunciava _eterminadas _onsoantes no início das _alavras. Também tinha um jeito bastante especial de fazer músicas, que rapidamente caíam no gosto do povo – muitas delas são até hoje cantadas no Carnaval de Pernambuco:

    Você diz que ela é bela
    Ela é bela, sim, senhor
    Porém poderia ser mais bela
    Se ela tivesse o meu amor

    (“Oh! Bela”, de 1969)

    Eu fui à Praia do Janga pra ver a ciranda no seu cirandar
    O mar estava tão belo e um peixe amarelo eu vi navegar...

    (“Frevo e ciranda”, de 1974)

    E aquela que, desde 1971, é um dos retratos mais fiéis dos foliões e das folionas que todo ano invadem as ladeiras de Olinda e se espalham pelo Recife Antigo:

    “De chapéu de Sol aberto” pelas ruas eu vou
    A multidão me acompanha, eu vou
    Eu vou e venho, pra onde não sei
    Só sei que carrego alegria pra dar e vender
    (Deixa o barco correr!)

    Suas inúmeras composições carnavalescas, além da facilidade de comunicação com o público, apresentam características bem singulares, como apontou Leonardo Dantas Silva em texto publicado nos encartes dos dois volumes do CD “Capiba – 100 anos” (Revivendo, 2004): “Ao compor mais de duas centenas de músicas para o Carnaval, Capiba (1904-1997) jamais precisou fazer uso de lugares comuns a esta grande festa, como os personagens da Commedia dell’Arte – pierrô, pierrete, colombina, arlequim... –, nem nos seus versos encontrou lugar para serpentina, confete, lança-perfume, tão ao gosto de outros compositores”. Sua matéria-prima era outra, como o próprio Capiba revelaria ao jornal O Globo de 28/12/1971: “Minha inspiração é o lugar-comum mulher e amor. Isso é o tema da maioria de minhas músicas, que não são poucas”.

    Tinha inspirações diversas, na verdade. Fez músicas para “O tocador de trombone”, para a “Morena cor de canela”, para os “Amores da rua”. Cantou o “Cais do porto” e o “Subúrbio triste”. Homenageou o Recife, Olinda e Igarassu com três lindos sambas-canção, e Campina Grande com uma valsa. Deu voz ao lamento dos negros em contundentes maracatus. Buscou inspiração em ditos e expressões correntes – “Aguenta o rojão”, “Ninguém é de ferro”, “Nem que chova canivete”, “Pra mim chega”, “Quem me dera” – e ainda no folclore e nos motivos populares – “Casinha pequenina”, “O anel que tu me deste”, “Quero essa”.

    Reinou absoluto nos frevos-canção, embora também brincasse com muita propriedade no instrumental frevo de rua – vide os deliciosos “Vamos pro frevo”, de 1935, e “Levanta a poeira”, de 1960 – e no frevo de bloco: “Madeira que o cupim não rói”, feito para o Madeiras do Rosarinho, é um dos hinos do Carnaval pernambucano. Criou melodias para os versos de Vinicius de Moraes, Ascenso Ferreira, Ariano Suassuna, Manuel Bandeira, Ferreyra dos Santos, Carlos Penna Filho. Flertou com a música “erudita” e com a bossa nova. Participou ativamente dos festivais da canção nos anos 1960. Tudo isso sem deixar de lado o trabalho no Banco do Brasil e a paixão pelo Santa Cruz, para o qual compôs “O mais querido”.

    Lourenço da Fonseca Barbosa nasceu em Surubim, então distrito de Bom Jardim, no agreste pernambucano, em 28/10/1904. Do seu avô materno, o major Lourenço Xavier da Fonseca – “um homem pequeno, irritadíssimo e de grande personalidade”, como o definiria no tijolaço (exatas 500 páginas) “Capiba: o livro das ocorrências” (Fundarpe, 1985) –, herdaria tanto o nome quanto o apelido, este último compartilhado por toda a família: seu pai, Severino Atanásio de Souza Barbosa, tocador de clarinete e violino, cantor, arranjador e mestre de banda, era conhecido como professor Capiba. Com Maria Digna da Fonseca, teve treze filhos – dois faleceriam ainda muito cedo.

    Vários deles passariam a se assinar usando a alcunha como sobrenome: Sebastião Capiba (Tantão), João Capiba, Maria Capiba (Lia), Antônio Capiba... Dos três que se tornariam famosos, Lourenço acabou adotando-a como nome artístico; José Mariano ficaria conhecido como o autor de frevos Marambá; e o caçula Hermann Barbosa, também compositor, manteria o nome de batismo.

    No seu “Livro das ocorrências”, Lourenço narra sua busca por uma explicação para o significado da palavra “capiba” – só tinha certeza de que não vinha do Rio Capibaribe. Diz que acabou encontrando-a no livro do padre cearense Antônio Vieira – homônimo do famoso António Vieira dos “sermões” –, intitulado “O jumento, nosso irmão” (1964): lá está “capiba” como sinônimo do animal. “Terminei arranjando mais um irmão e dessa vez um jumento”, escreveu Lourenço, bem-humorado, confessando: “As atitudes do meu avô materno também não estavam muito longe das atitudes atribuídas aos jumentos, não”.

    Todos os Capibas, eles alfaiates e elas costureiras, tinham ligação com a música, e era esse o ofício que de fato os sustentava. Cada qual tocava um instrumento. A banda formada pela família agradou em cheio no Recife, onde moraram entre 1907 e 1911, e nas cidades do interior do estado onde fixaram residência, até se transferirem em 1913 para Batalhão – nome original de Taperoá –, no sertão do Cariri, na Paraíba. Ali, o menino Lourenço, que aos 8 anos já tocava trompa na banda do pai (depois aprenderia pistom, clarinete, saxofone e bateria), vislumbrou sua verdadeira vocação – ou quase: “Eu fiquei gostando, sim, de Batalhão e, por incrível que pareça, tinha vontade de ser vaqueiro. Correr mato adentro atrás de uma novilha de 2 anos e trazê-la para o curral (...)”, escreveria anos depois no seu “Livro das ocorrências”.

    Capiba em dois tempos: jovem, numa reprodução de seu "Livro das ocorrências", e já veterano em fotografia reproduzida da revista Manchete (07-03-1981), da Coleção José Ramos Tinhorão / IMS.

    Também poderia ter sido jogador de futebol: atuou como centroavante em alguns clubes, como o Campinense, de Campina Grande, para onde ele e sua família migraram na tentativa de fugir da seca de 1915. Foi lá que, aos 15 anos, o tímido Lourenço virou pianista à força, escolhido pelo velho Capiba para substituir a filha Josefa – que iria se casar em maio de 1920 – no Cine Fox, onde ela fazia a trilha dos filmes mudos ao lado do violino do pai e do violoncelo do irmão José Mariano. Em 11 dias, o garoto foi obrigado a decorar sete valsas. Acabou conseguindo se entender com aquele instrumento grande com o qual tanto antipatizava, que possuía “uma dentadura que não tinha mais tamanho”, como escreveria mais tarde. Logo passaria a pianista do Jazz-Band Campinense Club.

    Em 1923, editou sua primeira composição, a valsa “Meu destino”. No ano seguinte, antes de completar 20 anos, foi enviado a contragosto pelo pai e pelo irmão Tantão para a cidade da Parahyba (futura João Pessoa), capital do estado da Paraíba, para estudar e ser doutor – ainda que não tivesse nem completado o primário. Sua mãe faleceu logo em seguida. Com o irmão Antônio, ele compôs “Lágrimas de mãe”, também uma valsa, que assinou como “Lourenço F. Barbosa (Capiba)”, já incorporando o apelido da família ao seu nome.

    “Mais do que régua e compasso, a Paraíba lhe dera gratificantes experiências e inesquecíveis momentos. Na música, no futebol, na vida. As principais vitórias, o reconhecimento público, o nome nos jornais”, afirmam Renato Phaelante da Câmara e Aldo Paes Barreto no livro “Capiba: é frevo meu bem” (Funarte, 1986). Na capital do estado, tornou-se pianista do Cine Rio Branco, centroavante do América local e organizou os grupos Jazz Independência e Jazz da Saudade. Para o Carnaval de lá, compôs seus primeiros frevos, entre eles dois feitos em 1925: “Vela branca no frevo” e “Espia a cara dele”. Também produziu para a folia outras músicas: “Mulher sem coração” (1926), “Eu sou doido por você” (1927), “Quem tem amor tem ciúmes” (1928) e “Aluga-se um coração” (1929).

    Em 1929 viria a primeira consagração nacional: a vitória no concurso de músicas de dança organizado pela revista carioca Vida Doméstica, com o tango “Flor das ingratas”, sob o pseudônimo Matuto, com letra de João dos Santos Coelho (com quem travara amizade nos campos de futebol). O mesmo periódico publicaria a partitura na edição de fevereiro de 1930, mais ou menos quando Lourenço voltara a morar em Campina Grande – já com uma gravação na praça, sua primeira em 78 rotações: “Não quero mais”, um “samba da roedeira” – no sentido de quem fica se “roendo” de ciúmes de alguém – de autoria de Pé de Pato e Joca da Beleza (pseudônimos usados por ele e por João dos Santos Coelho).

    O samba, quarto colocado no concurso carnavalesco promovido no Rio de Janeiro pela revista O Malho e pela gravadora Odeon, foi levado ao disco – cujo rótulo trazia o pseudônimo de Capiba escrito de maneira errada: José Pato – pelo Rei da Voz em pessoa, Francisco Alves, e lançado em janeiro de 1930. Por essa época, passou para um concurso do Banco do Brasil, instado pelo conselho do irmão Tantão: “Estude, meu irmão. Estude porque a música não dá camisa a ninguém”. Nomeado para uma agência do Recife, lá permaneceria trabalhando até a aposentadoria, em 01/02/1961. Ao virar boneco gigante das ladeiras de Olinda, Capiba seria representado vestindo justamente a camisa do banco.

    Recife, terra do frevo e do maracatu: foi onde Lourenço Barbosa se tornou definitivamente Capiba. Nunca deixaria de compor em vários estilos, mas suas criações nesses dois gêneros musicais o jogariam de vez nos braços do povo. Fundou a renomada Jazz-Band Acadêmica, que estreou em novembro de 1931 com a execução da sua “Valsa verde” (letra de Ferreyra dos Santos), homenagem aos estudantes de medicina – verde era a cor do anel de formatura dos futuros doutores. Capiba regia, fazia os arranjos e tocava vários instrumentos, principalmente o saxofone tenor. Já então estudava Direito, curso no qual faria questão de se formar (em 1938), embora sem vocação nenhuma: nunca exerceria a profissão. Não apareceu nem para pegar o diploma, que só lhe seria entregue décadas depois.

    Após vitoriosa turnê da Acadêmica por estados do Nordeste e do Norte, Capiba compôs, em 1932, sobre poema de Ascenso Ferreira, o maracatu “É de Tororó”, que se tornaria muito conhecido ao vencer um concurso promovido pelo Diário de Pernambuco em 1935. Antes, em 1933, apresentou-se com a Acadêmica no Carnaval carioca, recebendo efusivos elogios, e alcançou o terceiro lugar do concurso do Diário de Pernambuco com “Aguenta o rojão” e o primeiro com “Tenho uma coisa para lhe dizer”, frevo que quase foi gravado por Carmen Miranda, mas o seria somente por Leda Baltar em 1935, acompanhada pela Acadêmica.

    No dia em que completou 29 anos (28/10/1933), Capiba perdeu o irmão e ídolo Sebastião, a quem considerava “um gênio da música”. Tantão, que salvara o irmão de morrer afogado durante um mergulho numa cacimba (espécie de poço) em Batalhão e que dera o valioso conselho a Lourenço (“Estude, meu irmão”), acabou não seguindo o caminho das artes: tornou-se comerciante. Viria a falecer aos 39 anos, vítima de uma injeção mal aplicada. Como tributo ao mano querido, Capiba compôs “É de amargar”, gravado em dezembro de 1933 por Mário Reis. Foi seu primeiro frevo lançado em disco e um tremendo sucesso na folia de 1934, vencendo com folga o concurso do Diário de Pernambuco. Capiba sempre considerou este momento como o início oficial da sua carreira de compositor de músicas para o Carnaval.

    Saindo da Acadêmica, juntou-se ao Bando Acadêmico do Recife, onde ficou até 1939, quando se afastaria definitivamente das orquestras. Nesse instante, já estaria sacramentado como um dos grandes compositores populares de Pernambuco, deixando na boca do povo, por muitas décadas, ao menos um grande sucesso carnavalesco por ano e outros de gêneros diversos. Assim como o gaúcho Lupicínio Rodrigues e o paulista Adoniran Barbosa, Capiba nunca precisou sair da sua terra para ficar conhecido no país inteiro. Desde os anos 1930, os grandes artistas do eixo Rio-São Paulo trataram de levar suas criações – especialmente seus frevos-canção – para o acetato: Almirante (“Vou cair no frevo”, 1935), Aracy de Almeida (“Manda embora essa tristeza”, 1935), Edmundo Silva (“Quem tem amor não dorme”, 1939), Cyro Monteiro (“Gosto de te ver cantando”, 1939, e “Linda flor da madrugada”, 1940), entre muitos outros.

    A Orquestra Columbia foi responsável por um grande êxito, “Quem vai pra farol é o bonde de Olinda” (1937), gozação do compositor com os “faroleiros” – tiradores de onda, fanfarrões – da época. E Francisco Alves lançou outro, feito por Capiba em cima de um nome de mulher, com estribilho tirado de um motivo popular. O Jornal do Commercio do Recife, segundo consta no livro de Phaelante e Barreto, informou na edição de 23/02/1938 que o público pernambucano dividiu suas preferências naquele Carnaval entre duas personagens femininas: “A jardineira”, sucessaço de Orlando Silva, e a irresistível “Júlia”, defendida em 78 rpm por Chico.

    Pelas décadas seguintes, Capiba seguiu enfileirando vários sucessos carnavalescos em 78 rotações nas vozes de grandes intérpretes: Cyro Monteiro (“Quem me dera”), Carlos Galhardo (“Teus olhos”, “Primeira bateria”, “Os melhores dias da minha vida”, “Quando se vai um amor”), Francisco Carlos (“Você faz que não sabe”), Carmélia Alves (“É frevo, meu bem”, “Deixa o homem se virar”, “A pisada é essa”, “Vamos pra casa de Noca”, “Ninguém é de ferro”, “Nem que chova canivete”, “É de Maroca”), Expedito Baracho (“À procura de alguém”, “A própria natureza”)... E, claro, Claudionor Germano, que se tornaria seu “cantor oficial” – principalmente na época dos long-playings – e uma das maiores vozes do Carnaval de Pernambuco.

    Não só de frevos vivia o repertório de Capiba. Ele próprio, aliás, confessaria para O Estado de S. Paulo (12/06/1983) suas preferências: “Sempre compus todo gênero de música. O frevo me dá uma constante sobrevivência artística como compositor. Mas meu fraco mesmo são as canções, valsas e serestas”. E havia outro ritmo muito importante em sua trajetória desde “É de Tororó”, de 1932, gravado por Leda Baltar em 1935.

    Através de seus maracatus, ele retrataria o sofrimento do negro escravizado – e o tema levaria Capiba ao seu único problema com a censura, como relatam Phaelante e Barreto. Na ditadura do Estado Novo (1937-1945) de Vargas, o maestro e compositor Waldemar Henrique sugeriu que “Pergunte aos canaviais”, de 1936, fosse tocado no programa A Voz do Brasil. Mas o Departamento de Imprensa e Propaganda pediu para que um verso “perigoso” fosse retirado: Quem quiser saber se eu padeço, pergunte aos canaviais... Capiba, segundo os biógrafos, “recusou-se a mutilar sua criação”, que de fato acabaria não sendo executada.

    Ainda em 1937, dois maracatus chegariam ao disco: Laís Marival mostraria outra parceria de Capiba com Ascenso Ferreira, “Onde o sol descamba”, e Mara da Costa Pereira (irmã de Waldemar Henrique) emprestaria sua voz a um enorme sucesso, primeiro lugar no concurso carnavalesco do Diário de Pernambuco: “Eh! Uá calunga”, cuja autoria de Capiba muitos até hoje desconhecem, pensando se tratar de música folclórica:

    De São Paulo de Luanda me trouxeram para cá
    Ê ê ê calunga, calunga
    Me trouxeram para cá...

    “Nação nagô” ecoou em 1957 através do grupo Os Cancioneiros. No ano seguinte, Guerra-Peixe lançou o LP “Sedução do Norte”, apenas com músicas de Capiba, e lá estavam, pelas vozes dos afinadíssimos Titulares do Ritmo, o pujante maracatu “Eh! Luanda” e o contundente e sofrido “Vira a moenda”.

    Foi através do vozeirão de Nelson Gonçalves – lançador de diversos frevos-canção de Capiba (“Não aguento mais”, “Que bom vai ser”, “Quando é noite de Lua”, “Segure no meu braço”, “Morena cor de canela”, “Que será de nós”, “O que é que eu vou dizer”) – que chegou ao disco, em 1945, a valsa-canção “Maria Betânia”, composta no final de 1943 por Capiba, em plena agência do Banco do Brasil, para uma peça teatral baseada no romance “Senhora de engenho”, de Mário Sette – Maria da Bethânia era o nome de uma das personagens. Capiba acabou suprimindo o “da” porque, segundo ele, os versos que fazia ficavam “de pé quebrado”. Tamanho foi o sucesso da música que, em 1946, o menino Caetano Veloso, aos quase 4 anos, pediria aos pais que batizassem com aquele nome sua irmãzinha recém-nascida – a futura cantora Maria Bethânia.

    O envolvimento com os movimentos teatrais do Recife na década de 1940 – viria a musicar muitas peças neste período – ligaria Capiba ao Teatro Popular Nordestino de Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna – a cujo Movimento Armorial ele se associaria nos anos 1970. Ainda em 1949, o encontro com Guerra-Peixe – chamado ao Recife pela Rádio Jornal do Commercio, inaugurada naquele ano – resultou numa admiração mútua e em aulas de composição e harmonia com o maestro, que estimularam Capiba a desenvolver-se como compositor de peças mais camerísticas, como “Toada e desafio”, em registro de 1974 feito pelo Quinteto Armorial, e a suíte “Sem lei nem rei”, gravada em 1975 pela Orquestra Armorial (ouça aqui o primeiro, o segundo  e o terceiro movimentos).

    Em sua produção popular também surgiriam peças mais rebuscadas. O “menino-cantor” Paulo Molin – como o chamou Abelardo “Chacrinha” Barbosa na Revista do Rádio de 30/05/1950 – estreou em disco neste ano com dois sambas-canção que foram êxitos absolutos da carreira de Capiba: “Recife, cidade lendária” e “Olinda, cidade eterna”. O mesmo ocorreu com a sua “Serenata suburbana”, originalmente uma valsa gravada em 1955 por Orlando Corrêa, que virou uma guarânia na voz de Paulo Molin (1959) e alcançou grande sucesso com Dalva de Andrade em 1960. Capiba ainda flertaria com a bossa nova: no LP “Sambas de Capiba”, de 1959, Claudionor Germano lançou “A mesma rosa amarela” e “Pobre canção” (ambas com versos de Carlos Penna Filho), “Depois” (letra de Thalma de Oliveira) e “Faça de conta” (parceria com Paulo Fernando Craveiro). Em 1962, “Ai de mim” ganharia o registro do bossa-novista Tito Madi.

    Aos 56 anos, em novembro de 1960, pouco antes de se aposentar, casou com Maria José da Silva, a Zezita, que trabalhava como secretária-instrumentadora no consultório do cirurgião plástico João Suassuna Filho, irmão de Ariano. A moça colecionava figurinhas de personalidades do rádio desde menina, inclusive de Capiba. Que nesta década já começara a abraçar outra arte, mas apenas como distração, segundo depoimento publicado no livro de Phaelante e Barreto.

    Pinturas de Capiba que viraram capas de discos: no alto, “No balanço do frevo” (1967), “De chapéu de Sol aberto” (1971); embaixo, “Maracatus de Capiba” (compacto simples de 1977) e “Capital do frevo” (1982).

    “A pintura foi um simples passatempo. Nunca estudei, não me dediquei nem me considerei pintor, tanto que meus quadros estão na minha casa ou em casa de algum amigo”. Seus trabalhos – belíssimos, aliás – acabariam ilustrando as capas de diversos discos, como “No balanço do frevo” (1967), “De chapéu de Sol aberto” (1971), “Maracatus de Capiba” (compacto simples de 1977) e “Capital do frevo” (1982), além da capa do seu “Livro das recordações”. Em 27/10/1966, véspera dos seus 62 anos, gravou depoimento para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

    Campeão de diversos concursos de música de Carnaval, também participou ativamente, entre 1966 e 1968, dos famosos festivais da MPB. Esteve presente nas três primeiras edições do Festival Internacional da Canção Popular (FIC), no Maracanãzinho carioca – só no I FIC, conseguiu classificar três composições, inclusive a “Canção do negro amor”, parceria com Ariano Suassuna (datada de 1946, segundo declarou ao Jornal da Tarde de 28/11/1966). Participou ainda do III Festival da Música Popular Brasileira da Record paulista, com “Cantiga de Jesuíno”, outra dele e de Ariano Suassuna; da I Bienal do Samba, em São Paulo; e do Festival O Brasil Canta no Rio. No II FIC, conseguiu o quinto lugar com a vigorosa “São os do Norte que vêm”, novamente com versos de Suassuna, defendida por Claudionor Germano.

    Na proximidade dos seus 80 anos, o mestre pernambucano ganhou de presente o documentário “Capiba ontem, hoje e sempre”, de Fernando Spencer (1984), e um especial dirigido por Nelson Pereira dos Santos para a inauguração da TV Manchete no Recife, em 03/03/1984. Seria ainda personagem de um curta-metragem da Fundação Joaquim Nabuco dirigido por Jorge José e lançado em 1988.

    Ele passou os últimos anos levando a vida devagar – especialmente depois da cirurgia de safena em 1971 –, sempre na companhia da mulher, dos amigos, dos gatos e dos passarinhos, em sua casa no bairro do Espinheiro. O imóvel, segundo notícias publicadas no mês de outubro passado – quando o compositor teria completado 120 anos –, vai ser reformado e incorporado ao patrimônio do Conservatório Pernambucano de Música. O local será destinado a atividades físicas e pedagógicas e terá um memorial contando a história de Capiba, para alegria da hoje nonagenária Zezita Barbosa, que disse adeus ao marido no dia 31/12/1997, quando ele nos deixou, aos 93 anos.

    Também foi anunciado que Capiba será o grande homenageado na folia pernambucana em 2025. Uma honraria mais do que merecida. Afinal, como proclamou Hermilo Borba Filho no Diário de Pernambuco de 10/03/1972, “Capiba é mais do que um músico e um poeta: é o Carnaval de Pernambuco, de chapéu de Sol aberto”.

    Na foto principal: Capiba em carro aberto no Carnaval de 1984, em imagem reproduzida do "Livro das ocorrências".

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