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    As 10 mais do pesquisador Jairo Severiano

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Personagem fundamental na história da pesquisa musical no Brasil, Jairo Severiano é um dos autores da publicação que deu origem a este site: a “Discografia Brasileira em 78 rpm (1902-1964)”, editada pela Funarte em 1982 e co-assinada pelos pesquisadores Alcino Santos, Gracio Barbalho e Miguel Ângelo de Azevedo (o Nirez). Aos 92 anos, tem orgulho da memória prodigiosa em que conserva lembranças remotas de Fortaleza (sua cidade natal, onde foi vizinho à Ceará Rádio Clube) e Recife – onde viveu parte da infância e da adolescência e começou a gostar de música, em 1937.

     

    Já a chegada ao Rio foi em 1950, pouco antes de ingressar no Banco do Brasil, como servidor concursado. Aproveitava as horas vagas para pesquisar discos de 78 rotações, anotando as informações em folhas de papel almaço, sem grandes pretensões além de guardar suas anotações. A atividade, iniciada nos anos 60, ganhou novo sentido a partir do encontro de Jairo Severiano com os três pesquisadores que, juntamente com ele, publicaram a Discografia Brasileira.

     

    Agora, que a publicação impressa inspirou a criação de uma versão ampliada e digital, visitamos o mestre em seu apartamento em Ipanema com um pedido no mínimo ousado: que fizesse uma seleção de suas 10 gravações preferidas lançadas em 78 rotações. “Posso ficar só nos sambas? É meu gênero musical favorito, o que mais mexe comigo, desde menino”, respondeu Jairo, que começou listando 27 títulos e então começou a fazer cortes, não sem lamentar cada um deles. O resultado final veio acompanhado das devidas justificativas:


    Com que roupa (Noel Rosa), por Noel Rosa, 1930:

     

    “Primeiro sucesso do gênio que foi Noel Rosa, o maior de todos. Na minha opinião, a diferença dele para os melhores compositores da música brasileira é quilométrica. O Pelé dos compositores de samba, nada mais.”

     

    Agora é cinza (Bide e Marçal), por Mario Reis, 1933:

     

    “Em termos de melodia em sambas corridos, essa dupla é imbatível. Os sambas que eles fizeram são lindos e ao mesmo tempo simples, do ponto de vista harmônico. Se não me engano, tanto o Bide quanto o Marçal faziam letra e melodia. São dois nomes que merecem destaque na história da música popular brasileira, mais do que o pouco que se sabe sobre eles. Dos meus dez sambas, este é o maior de todos.”

     

    Implorar (Germano Augusto, Kid Pepe e João Gaspar), por Moreira da Silva, 1935:

     

    “Sabe-se que o Kid Pepe era boxeur e o Germano Augusto era motorista, mas não se sabe muito mais sobre eles. Há quem diga que não eram exatamente compositores, o que também não é comprovado. Mas é fato que assinam ótimos sambas, o que comprova que, pelo menos, ambos tinham bom gosto. ‘Implorar’ é uma obra-prima, especialmente pela melodia, que me encanta.”

     

    Carinhoso (Pixinguinha e João de Barro), por Orlando Silva, 1937:

     

    “Os autores desse samba-choro são simplesmente o maior amigo que fiz entre os compositores brasileiros – Braguinha – e o maior músico popular de todos os tempos no Brasil, que é Pixinguinha – se ele tivesse nascido nos Estados Unidos, ele seria uma celebridade mundial. Além disso, “Carinhoso” era uma das músicas de sucesso no ano em que eu comecei a me interessar por música popular, aos 10 anos de idade, no Recife. Foi nessa época que eu comecei a ouvir música, no rádio dos vizinhos, porque em casa não tinha rádio – meu pai não gostava de música popular, só erudita, e não via importância em ter um aparelho. Felizmente o Seu Pires, vizinho nosso que era dono da padaria, todo dia sintonizava na Rádio Clube e aquele som saía pela janela.”

     

    Último desejo (Noel Rosa), por Aracy de Almeida, 1938: 

     

    Noel Rosa era um mestre não só escrevendo versos (como costumam exaltar, com justiça), mas também fazendo melodias, como comprova esse samba de amor, que é lindo: para mim, o mais bonito de todos os sambas não carnavalescos.”

     

    Helena, Helena (Antonio Almeida e Secundino), pelos Anjos do Inferno, 1940:

     

    “Quando aprendi a tocar violão, aos 13 anos de idade, no método do Canhoto, uma das minhas maiores alegrias foi quando consegui fazer a harmonia de ‘Helena, Helena’. Antônio Almeida e Secundino não entraram pra história como compositores excepcionais, mas foram muito inspirados neste samba. É o meu preferido de todos: o samba carnavalesco mais bonito de todos os tempos.”

     

    Morena boca de ouro (Ary Barroso), por Sílvio Caldas, 1941:

     

    “Sou fã do Ary Barroso, que infelizmente não cheguei a conhecer, pois quando eu me meti com esse negócio de fazer pesquisa musical ele já tinha morrido. E esse samba tem essa estrutura interessante, de conversa, como uma provocação pra essa morena, que devia ter uma boca e tanto. Uma ótima cantada na forma de um samba.”

     

    Ai que saudades da Amélia (Ataulfo Alves e Mário Lago), por Ataulfo Alves, 1942:

     

    “Acho um samba maravilhoso, que não tem nada de carnavalesco, mesmo tendo saído no período dos lançamentos de carnaval, que naquele tempo ia de novembro a fevereiro. É a obra-prima do Ataulfo Alves e do Mario Lago, de quem aliás me tornei amicíssimo. O Ataulfo infelizmente não cheguei a conhecer. Há quem diga que ‘Ai que saudades de Amélia’ é um samba machista e eu acho que, como acontece com as celebridades, ele também divide opiniões. A minha é a de que é um samba excepcional.”

     

    Atire a primeira pedra (Ataulfo Alves e Mário Lago), por Orlando Silva, 1944:

     

    “Este é um samba imponente, né? Outra composição de Ataulfo e Mário Lago que não tem nenhum senão. Até a gravação do Orlando Silva é impecável, sensacional.”

     

    É com esse que eu vou (Pedro Caetano), pelos Quatro Ases e Um Curinga, 1947:

     

    “Em 1940, eu passei um período vizinho à Ceará Rádio Clube, o que pra mim era uma delícia. Toda noite eu estava lá e, assim, pude conviver com os artistas que iam à emissora. Entre eles estavam os Quatro Ases e um Coringa, que era formado por irmãos cearenses e eu conheci antes da fama, quando eram ainda o Bando Cearense. Me lembro que, como fazia muito calor em Fortaleza e naquele tempo ainda não havia ar condicionado, o estúdio estava sempre com as janelas abertas.

     

    Foram eles os responsáveis por lançar esse samba do Pedro Caetano, que foi um desses grandes nomes da nossa música que eu já admirava quando cheguei ao Rio e que depois, com o tempo, se tornaram meus amigos. Já no fim da vida, quando ele vivia em Vitória, toda vez que viajava ao Rio vinha aqui em casa almoçar comigo. Foi um dos grandes talentos da música popular brasileira, embora fosse completamente neófito em teoria musical.”

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