“Que beijinho doce
Que ele tem
Depois que beijei ele
Nunca mais amei ninguém...”
Com seus versos quase inacreditáveis para os dias atuais (de tão puros e idealizados), a valsinha “Beijinho doce” voltou às páginas – impressas e eletrônicas – na semana passada. O grande sucesso sertanejo foi tema recorrente nos obituários de uma de suas principais intérpretes: a cantora, acordeonista e atriz Adelaide Chiozzo (foto), falecida no último dia 4 de março, aos 88 anos, em decorrência de embolia pulmonar. A brejeirice de seu repertório certamente contribuiu para que – muito antes da atual secretária especial da Cultura, a atriz Regina Duarte – Adelaide ficasse conhecida como “A namoradinha do Brasil”, título conquistado no voto popular, num concurso promovido pela Rádio Nacional, durante a década de 1950, com apresentação de Paulo Gracindo.
Nessa época, já era identificada com “Beijinho doce”, que é uma composição de Nhô Pai – artista natural da cidade de Paraguaçu Paulista (SP), onde nasceu em 1912 com o nome de João Alves dos Santos. Nas décadas de 1940 e 50, fez sucesso como compositor e também como cantor, gravando primeiro com Nhá Zefa (nome artístico de Maria Di Léo) e depois formando dupla com Nhô Fio (apelido de Cesar Durval Sampaio) ou Nhá Fia (Nair de Campos Motta). Como humorista, apresentou-se pelo Brasil com seu tipo matuto e criou o Circo Nhô Pai, do qual se desfez em 1965, quando se tornou evangélico e abandonou a vida artística. Faleceu em 1988, a menos de um mês de completar 76 anos.
Principal sucesso de sua obra musical, “Beijinho doce” foi gravada pela primeira vez em 1945, no dueto formado por Lourdes e Maria de Jesus Castro, as Irmãs Castro, sucesso da Rádio Clube de Bauru desde o fim da década de 1930. A gravação foi realizada em junho, com acompanhamento de Rielinho e Seu Conjunto, e lançada em agosto daquele ano, pela Continental. A mesma gravadora também pôs no mercado a primeira regravação da música, em setembro de 1950, na interpretação do cantor sorocabano Sólon Sales.
Nesse mesmo ano, “Beijinho doce” teve o ponto alto de seu sucesso ao ser incluída no repertório do longa-metragem “Aviso aos navegantes”, comédia musical da Atlântida estrelada por Oscarito e Grande Otelo. A composição de Nhô Pai foi uma das três músicas do repertório interpretadas por Adelaide Chiozzo (na voz e no acordeom) em dueto com a atriz Eliana, que se acompanha ao violão – veja aqui.
No embalo do sucesso, o selo Star – pertencente à Continental – promoveu mais uma gravação de “Beijinho doce”, pelo mesmo dueto do cinema, lançado em disco no ano de 1951, com acompanhamento do conjunto do marido de Adelaide, o violonista Carlos Mattos. No lado B veio a primeira gravação do baião “Cabeça inchada”, composição de Hervé Cordovil sobre motivos musicais mineiros.
Paulistana nascida em 1931, Adelaide Chiozzo foi autodidata no acordeom, aprendendo a tocar no instrumento que o pai, o comerciante Geraldo Chiozzo, havia ganho como pagamento e trancava no armário. Aos 11 anos já tocava o suficiente para fazer as primeiras apresentações na Rádio Bandeirantes (acompanhada de sua mãe, D. Leonor), onde se destacou como prodígio e teve o primeiro contato com Nhô Pai, também contratado da emissora. Mas foi na Rádio Nacional, onde cantou pela primeira vez em 1946, que ela construiu a maior parte de sua trajetória artística.
Já a estreia fonográfica de Adelaide veio em janeiro de 1950, num 78 rotações do selo Star em que gravou a polca “Pedalando” (parceria Anselmo Duarte e Bené Nunes) e, no lado B, a rancheira “Tempo de criança” (João de Sousa e Ely Turquine). Só depois vieram os sucessos, como “Beijinho doce” e outros relançamentos cantados em dueto, como o baião “Sabiá na gaiola”, que ela gravou com Eliana em 1951 (um ano depois do lançamento da música, por Carmélia Alves); e o rasqueado “Cabecinha no ombro”, gravado com a irmã caçula Silvinha Chiozzo em 1958 (ano seguinte à primeira gravação da música, por Alcides Gerardi). Ao todo, são 40 fonogramas de Adelaide Chiozzo na Discografia Brasileira – confira usando a ferramenta de busca.
Regravada também num 78 rotações do organista André Penazzi (1952), “Beijinho doce” seguiu sua trajetória de sucesso no formato de 33 rotações, relançada por duplas famosas do universo sertanejo, como Tonico e Tinoco (1964) e as Irmãs Galvão (1981), além do cantor alemão George Freedman, que lançou sua interpretação em 1967 (pela RCA Victor), no contexto da Jovem Guarda. Já em 2008, a música voltou à cena com a novela “A favorita”, criação de João Emanuel Carneiro produzida e exibida pela TV Globo: na trama, a obra-prima de Nhô Pai era o principal sucesso do tempo que as personagens principais da história, as inimigas Flora (vivida pela atriz Patrícia Pilar) e Donatela (Cláudia Raia) formavam uma dupla sertaneja – veja algumas cenas aqui e aqui.