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    Adeus, nazi-fascistas: há 75 anos, Brasil cantava o ‘fim’ da Segunda Guerra

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Lá se vão 75 anos desde a melhor notícia de 1945: foi numa segunda-feira, dia 7 de maio, que circularam os primeiros jornais brasileiros anunciando a rendição das tropas alemãs na Segunda Guerra Mundial. “Acabou a Guerra!”, exclamou O Globo em sua primeira página (reproduzida na imagem deste post), numa edição extra publicada naquele dia. Terminavam, enfim, os combates na Europa, confirmando-se a expectativa geral criada a partir de fatos então recentes, como as mortes de Benito Mussolini (fuzilado, no dia 28 de abril) e Adolf Hitler (dois dias depois, por suicídio). O fim da guerra só se consumaria de fato no dia 2 de setembro daquele ano, com a rendição das tropas japonesas, mas a derrota de nazistas e fascistas serviu de motivo para boa parte mundo comemorar – já em maio – a volta da paz.

    Aqui na música brasileira, no entanto, já se cantava vitória nos anos anteriores. Como em outubro de 1943, quando a dupla Zé e Zilda lançou o divertido “Fim do Eixo”, samba-choro do próprio Zé da Zilda (ou José Gonçalves, como assinava suas composições) que zombava por antecipação da derrota do bloco formado por Alemanha, Itália e Japão. Como numa charge, a letra descreve seus respectivos líderes já derrotados, fazendo trabalhos forçados na Pedreira São Diogo:

    Hitler com uma broca na mão
    Uma marreta, uma enxada e um enxadão
    E Mussolini numa grande sinuca
    Bancando o mestre‐cuca
    Em volta de um caldeirão de macarrão
    E Hirohito no carrinho de mão
    Carregando macadame
    Para encher um caminhão

    Quem também cantou vitória antes da hora foi Francisco Alves, que em 20 de novembro de 1944 entrou no estúdio da Odeon para gravar “A guerra acaba amanhã”, samba de Herivelto Martins e Grande Otelo lançado em disco em janeiro de 45. Diferentemente do quadro humorístico pintado na música anterior, nesta é mais forte o apelo emotivo, especialmente na referência aos soldados brasileiros, que desde julho de 1944 engrossavam as tropas aliadas nos campos de batalha italianos. “Nossos irmãos haveremos de abraçar”, canta o Rei da Voz, antes de prever que a festa será ao som de samba: “Trocaremos seus cantis, suas mochilas, seus fuzis... Por tamborins, pandeiros e violões.”

    Outro lançamento de janeiro de 1945 que antecipou o resultado da Segunda Guerra foi “Vitória”, samba melodioso de Saint-Clair Senna gravado por Manoel Reis que, com vozeirão à Francisco Alves, é acompanhado pelo conjunto Napoleão e Seus Soldados Musicais, do maestro e trompetista Napoleão Tavares. Seguindo a tradição das canções ufanistas posteriores a 1939 (ano de “Aquarela do Brasil”), neste samba abundam as referências pictóricas, a começar pela introdução cantada:

    Rompe a aurora fulgurante
    Lá no céu do meu Brasil
    E um jovem brasileiro 
    Que foi para a Guerra 
    Empunhando um fuzil
    Sorriu pra mim e cantou assim...

    Igualmente grandiloquente é a marcha-hino “Paz”, uma parceria de Aldo Cabral e Benedito Lacerda entoada pelo cantor Ericsson Martha que guarda a peculiaridade de ter sido gravada no dia 9 de maio de 1945, ou seja, apenas dois dias após o fim dos combates. “Graças a Deus findou a Guerra... Emudeceram os canhões!”, saúda a marcha, lançada em disco no mês de julho. 

    Outra gravação feita em cima do laço foi a do samba “A vitória é nossa”, composição de Príncipe Pretinho levada ao estúdio no dia 11 de maio de 1945, quando foi cantada pelo Trio de Ouro, em sua primeira formação: Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Nilo Chagas. “O samba só pode ir para a frente, porque para trás o samba não pode andar”, diz a letra, com versos que, como observa o jornalista Franklin Martins (no livro “Quem foi que inventou o Brasil”), revelam uma contradição que seria decisiva para o fim do Estado Novo, regime no qual Getúlio Vargas comandava o país com mão de ferro, desde 1937: “Afinal, não fazia sentido lutar pela democracia na Itália e viver sob uma ditadura no Brasil.”

    A dupla de compositores Wilson Batista e Haroldo Lobo também previu os ventos do pós-guerra soprando por aqui no samba “Cabo Laurindo”, mais uma composição feita sobre o fim da Segunda Guerra, esta centrada na figura de um personagem fictício: o sambista-combatente Laurindo, “amigo da verdade, defensor da liberdade”. “Dizem que lá no morro vai haver transformação”, canta Jorge Veiga, na gravação realizada em 18 de junho de 1945 e lançada no mês seguinte. Também ficcional é a história contada no “Samba da vitória” (Waldemar Silva e Ari Monteiro), que saiu em dezembro daquele ano com o próprio pracinha – interpretado por Roberto Paiva – dizendo com emoção que, depois de cantar o samba em Berlim, foi recebido com abraços pela doce amada: “Eu não sabia se sorria ou se chorava de emoção...”

    Já do universo sertanejo vem a moda viola “Vitória final”, composição de Benedito Mendonça e Raul Torres (este último cantor da gravação, em dueto com Florêncio) que resenha o fim da “grande guerra mundiar”, como diz a letra, em português matuto. Gravada em 19 de setembro de 1945, com lançamento em dezembro daquele ano, a música faz referência a líderes vitoriosos: do presidente brasileiro, Getúlio Vargas (“governador popular”) ao recém-falecido estadunidense Franklin Roosevelt (“morreu no trabalho”), passando pelo soviético Josef Stalin (“valoroso marechar”) e o monarca britânico George VI, que na letra é simplesmente o “rei Jorge”.

    Outro capítulo importante do pós-guerra mencionado pelos compositores da época foi o “carnaval da vitória”, como ficou conhecida a folia de 1946, na qual os brasileiros aproveitaram para extravasar as emoções provocadas durante os conflitos. Houve até a ameaça de suspensão do carnaval durante a guerra, como lembra o compositor Janet de Almeida no samba “Deus que me dê saúde”, no qual o folião – na voz do próprio Janet – relata que “andava tão tristinho, sem vontade de sambar”, mas agora vai se acabar. Gravação lançada em dezembro de 1945, assim como o samba “Carnaval da vitória” (Leonel Trombone e Rubens Santos), que – cantado por Rubens Santos – era mais um que mirava o mês de fevereiro de 1946:

    Está provada a nossa fibra de herói
    E regressamos todos cobertos de glória
    De norte a sul gritam todos os brasileiros
    Vamos festejar o carnaval da vitória!

    Um convite em forma de versos que, como podemos ouvir aqui no site da Discografia Brasileira, é também um registro do orgulho que os brasileiros sentiram pela contribuição do país na luta contra a tirania.

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