Lugar de mulher é onde ela quiser – inclusive na gafieira. Que o diga o samba “Chega pra lá”, composição de Alcebíades Nogueira e Dantas Ruas com versos bastante ousados para a época de seu lançamento, em abril de 1955. Talvez por isso mesmo tenha permanecido desde então como uma das pérolas a serem descobertas no site da Discografia Brasileira, com seus versos na voz feminina: “Chega pra lá, rapaz! Dance direito comigo, senão eu dou alteração”, canta Maria Neide (acompanhada por Abel Ferreira e Seu Conjunto), como que respondendo ao famoso “Sem compromisso” (Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro), clássico das gafieiras em que o pé-de-valsa pede à pequena que “não faça papel de louca”.
Não por outra razão, foi escolhido pelo grupo Sala e Quintal para ser regravado dentro do programa “IMS de casa”, criado pelo Instituto Moreira Salles para dar visibilidade a artistas e coletivos durante o período da pandemia do coronavírus. “Parece um samba feito hoje, com esse recado aos caras que, infelizmente, ainda insistem em forçar a barra”, constata a violonista Samara Líbano, arranjadora da nova gravação, realizada à distância com os outros seis integrantes do conjunto: Daniel Rozário (cavaquinho), Igor Borges (flauta), Jessica Zarpey (pandeiro), Monique Aces (voz), Sheila Moysés (clarinete) e William Silva (percussão).
Todos são professores da Escola de Música da Associação do Movimento de Compositores (AMC) da Baixada Fluminense, entidade criada em 1996, em São João de Meriti (RJ), onde oferece aulas de música gratuitas a cerca de 200 alunos. “Nosso objetivo não é formar grandes músicos e, sim, grandes cidadãos”, explica Samara, que destaca a importância da AMC como uma referência na região. “Trabalhamos muito o companheirismo, a solidariedade e outros valores que possam contribuir para melhorar as vidas desses adolescentes num contexto tão precário. Acreditamos no poder transformador da música.”
Em tempos de pandemia e isolamento social, Samara Líbano conta que o desafio se torna ainda maior, com aulas gravadas em vídeo e compartilhadas com os alunos. “Claro que o fato de estarmos todos em casa exige uma criatividade maior, como por exemplo nas aulas de percussão: a prática de reco-reco pode ser feita no aro do caderno, enquanto o balde pode virar tantã”, diz a violonista, que, juntamente com outros profissionais da associação, torce pela chegada de um patrocinador. “Atualmente, somos ajudados por uma rede de amigos da AMC.”
Escolhido pelos integrantes do Sala e Quintal numa votação pelo WhatsApp, “Chega pra lá” é a primeira das três regravações feitas pelo conjunto a partir de fonogramas pesquisados na Discografia Brasileira.
Clique abaixo para conferir.
Chega pra lá (Alcebíades Nogueira e Dantas Ruas)