O acervo sonoro de Elizeth Cardoso pertencente ao IMS contém 219 discos, sendo que 42 são compactos simples e duplos, gravados por ela ou por outros artistas. Dentre estes discos há um compacto simples (FS-100.001) de 1966, da gravadora Forma, contendo duas músicas do LP “Os afro-sambas” (FM-16), de Vinicius de Moraes e Baden Powell, lançado também em 1966 pela mesma gravadora. A prática era bastante comum na era dos long-playings: um artista podia lançar um compacto simples (CPS, com uma faixa em cada lado) ou duplo (CPD, com duas faixas em cada lado) como aperitivo para o LP que estava por vir, ou mesmo lançar o compacto junto com o LP.
Este CPS do Acervo Elizeth Cardoso traz, no lado A, “Canto de Ossanha”, e no lado B “Tristeza e solidão” (ambas da parceria Baden-Vinicius). Esta última é a mesma gravação que consta no LP, com a participação das meninas do Quarteto em Cy. Mas a audição do “Canto de Ossanha” revela uma surpresa: não se trata da mesma gravação lançada no disco “Os afro-sambas”, embora tenha os mesmos 3 minutos e 25 segundos de duração da outra. O arranjo é o mesmo, do maestro Guerra-Peixe, assim como a formação instrumental. O coro – batizado de “coro da amizade”, de acordo com o texto de Vinicius na contracapa do LP – é o mesmo, bem como o violão do Baden e a voz do poeta-cantor. Está tudo ali. Então o que muda?
Logo no início há uma mudança significativa. Diferentemente do que acontece no LP, onde é a voz sensual de Betty Faria quem responde ao canto de Vinicius, no compacto a resposta é dada pela voz do próprio Baden. O coro e os músicos parecem estar (e isto pode ser apenas uma impressão) mais seguros na execução da música. É possível (e aqui vai um exercício de especulação) que este áudio tenha sido feito durante a passagem de som, sem o nervosismo natural que a gravação “pra valer” impõe, ou então como um take 2 da música, com todos mais “soltos” depois da primeira tomada. O mais descontraído parece ser o próprio Vinicius, que desde o início mostra-se meio “possuído”, mais confiante, com a voz saindo mais forte, sobretudo nos “vai, vai” (especialmente nos últimos, quando é nítida a sua empolgação).
Este é um registro raro e muito pouco conhecido (não encontrado em buscas na Internet). Com a postagem em nossa página desta versão do “Canto de Ossanha”, tão parecida com a do LP mas ao mesmo tempo tão diferente, fazemos nossa homenagem não só à centenária Elizeth – dona original desta raridade –, que nos deixou há 3 décadas, mas também a dois nomes igualmente grandes e eternos de nossa música brasileira: Vinicius, que partiu há 40 anos, e Baden, cuja ausência completa 20 anos neste 2020 e que faria 83 anos no dia 6 de agosto.