O diplomata Vinicius de Moraes chegou à década de 1960 abrindo novas frentes em sua carreira artística. Já era o poeta de versos que todo mundo sabia de cor, como “De tudo ao meu amor serei atento...” (Soneto de fidelidade) e “De repente do riso fez-se o pranto...” (Soneto de separação), ambos dos anos 40, entre tantos outros. E também letrista de “Se todos fossem iguais a você”, “A felicidade” e “Chega de saudade” (todas com Tom Jobim), entre outras canções de sucesso dos anos 50.
Até que na década seguinte Vinicius resolveu experimentar também o microfone e abriu mais uma frente, iniciando extensa carreira em pocket shows, palcos e discos. A estreia fonográfica do poeta-cantor, no entanto, se deu num disco de 78 rotações lançado há 60 anos, em janeiro de 1961, pela Philips. O disco P-61070-H, trazendo interpretações de Vinicius de Moraes – com acompanhamento de conjunto e coro – para dois sambas de sua autoria, em parceria com Tom Jobim.
O lado A trazia sua interpretação para “Lamento no morro”, composição dos dois para a peça “Orfeu da Conceição”, marco inicial da parceria deles, em 1956. Samba feito no apartamento de Tom em Ipanema (no famoso endereço da Rua Nascimento Silva, 107) para ser apresentado no musical como uma criação do protagonista, o sambista Orfeu, morador de uma favela carioca.
Antes do registro de Vinicius, “Lamento no morro” já havia sido gravada quatro vezes, sendo as duas primeiras pelo cantor Roberto Paiva: no disco de 10 polegadas “As músicas de Orfeu da Conceição”, lançado pela Odeon em outubro de 1956, e a segunda num 78 rotações da mesma gravadora, em fevereiro de 1957. As outras duas gravações saíram em LPs do pianista Bené Nunes (“Bené Nunes e seu piano”, de 1958) e do cantor Ted Moreno (“Sambas que a vida escreveu”, de 1960.)
Já no lado B estava a primeira gravação de um dos grandes sucessos da parceria de Vinicius com Tom Jobim, “Água de beber”, feita em junho de 1960. O local da composição foi Brasília, onde os dois passaram dez dias a convite do presidente da República, Juscelino Kubitschek, que os havia incumbido de compor uma obra sinfônica dedicada à nova capital. A incumbência resultou no repertório que o público conheceria no LP “Brasília: Sinfonia da Alvorada”, lançamento da Columbia em 1961.
“Água de beber”, curiosamente, não faz parte deste repertório. Foi composta por fora, numa das noites no Catetinho – construção de madeira que funcionava como a sede provisória do governo, onde os dois parceiros ficaram hospedados nos dez dias que passaram em Brasília. Numa caminhada pelo local, os dois teriam se deparado com um olho d’água, que serviu de mote para o samba, segundo depoimento do engenheiro Kleber Farias Pinto – participante das obras de Brasília – exibido pelo Jornal da Globo em 20 de abril de 2010 (clique para ver).
Com o tempo, “Água de beber” se tornou uma das músicas mais regravadas da parceria Tom e Vinicius, lançada inclusive por grandes intérpretes estrangeiros, como Frank Sinatra (1967) e Ella Fitzgerald (1981), ambos cantando versos em inglês escritos pelo novaiorquino Norman Gimbel. “Lamento no morro” também foi muito regravada, por nomes como Lucio Alves (1961), Maria Bethânia (2005) e Sérgio Mendes com o Quarteto Maogani (2006), além do próprio Tom Jobim (1970), em grande arranjo do alemão Claus Ogerman.
Já o cantor Vinicius de Moraes deixou seu nome também numa vasta discografia, sobretudo com LPs gravados com o parceiro Toquinho e registros de inúmeros shows – entre eles um com Dorival Caymmi e o Quarteto em Cy (1965) e outro com Miúcha e os próprios Tom Jobim e Toquinho (1977).
Foto: Coleção José Ramos Tinhorão / IMS