Me dá uma picada
Que eu quero me vacinar
Do jeito como está
Já não pode mais ficar
Por pouco o telefonema para João Roberto Kelly não deu em marchinha: aos 82 anos, o compositor está “guardadinho em casa”, como costuma dizer, mas nem por isso deixa de acompanhar o que se passa à sua volta. De seu apartamento em Copacabana, observa as notícias da pandemia e da vacinação pela TV, resignado com o primeiro carnaval que não vai poder brincar. Pedimos a ele que listasse suas dez marchinhas preferidas e ele tratou logo de deixar suas próprias composições de fora. “Minhas músicas são feito minhas filhas. Gosto delas acima de todas, sabe?”, explica o criador de “Cabeleira do Zezé”, “Mulata iê-iê-iê” e “Bota a camisinha”. “Se eu escolhesse uma, as outras iam ficar com ciúme e isso eu não quero.” O resultado é uma pequena antologia comentada do gênero musical que ele conhece como ninguém.
Alá la ô – “Marchinha muito boa, divertida, gostosa do Haroldo Lobo e do Nássara, que era parceiro de um grande amigo meu, o Luiz Reis. Além das marchinhas e sambas que compunha, Nássara fez história também como grande desenhista que ele era. ”
Balancê – “Melodia, harmonia, letra... Tudo é lindo nessa marchinha. Uma composição muitíssimo bem feita que a Carmen Miranda lançou e que muito tempo depois a Gal Costa regravou com sucesso.”
Cordão dos puxa-sacos – “Uma marchinha que nunca perde a atualidade, né? Foi um grande sucesso dos Anjos do Inferno – conjunto vocal que estourou aqui e depois foi pro México, onde brilhou também. Eu era muito fã deles e fiquei todo bobo quando vi que estavam no elenco da primeira peça que eu musiquei, ‘Sputnik no morro’, em 1958, no Teatrinho Jardel.”
Índio quer apito – “Uma marchinha do meu tempo e da minha praia – do jeito como eu gosto de fazer, mais concisa, como era a linha do Haroldo Lobo. Porque essa é a grande jogada da marchinha: você dizer muito em poucos versos. Sem contar o refrão de ‘Índio quer apito’, que faz ferver qualquer baile ou bloco de rua.”
Linda morena – “O que mais me chama atenção nessa marchinha é a feitura dela, o acabamento: a melodia linda, a letra... Aliás, as letras. ‘Linda morena’ é do tempo em que a segunda parte tinha duas ou três letras diferentes. E que boas sacadas as do Lamartine dessas letras, hein?”
Pedreiro Valdemar – “Conheci o Wilson Batista na editora Vitale e vi que era um sujeito muito bem humorado, gente boa, formidável. Sem contar o compositor que ele era, muito maior do que a famosa polêmica com Noel Rosa. O negócio dele era samba, mas também fazia marchas como essa delícia que ele compôs com o Roberto Martins. Uma marchinha gostosa, risonha e crítica.”
Pierrô apaixonado – “Em música de carnaval você sabe que eu sou mais da sátira, que é nessa linha que costumo compor, né? Mas adoro as marchinhas românticas, melódicas, carregadas de lirismo, como ‘Quem sabe, sabe’ (Joel de Almeida e Carvalhinho) e como essa do Noel e do Heitor dos Prazeres. Gosto muito da melodia e da letra.”
Sassaricando – “Essa é outra do meu tempo. Uma marcha muito bem feita, sintética, como uma charge. Composição do meu velho amigo Luiz Antônio, figura antológica com quem trabalhei na Riotur. Era militar, mas a lembrança que guardo dele é de um grande boêmio, frequentador da boate Drink, que pertencia ao Djalma Ferreira, parceiro querido dele.”
Teu cabelo não nega – “Considero essa marchinha um verdadeiro hino do carnaval: uma composição muito bem feita, maravilhosa. Há quem chame de racista, mas não vejo assim... O carnaval é uma grande brincadeira e, a meu ver, o politicamente correto fica até meio sem propósito nessa festa...”
Touradas em Madri – “Essa marchinha é uma música épica, né? E tão linda, tão bem feita dentro daquele ambiente espanholado... Uma obra de quem sabe fazer, no caso o Braguinha e o Alberto Ribeiro, que era o grande parceiro dele.”