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    Há 100 anos nascia Risadinha: o paulistano que brilhou no carnaval carioca

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Procure “Risadinha” no Google e verá: passarinho da família Tyrannidae com pouco menos de 10cm de tamanho, está presente em todas as regiões do país, tendo entre suas características o canto marcado por uma sequência de notas agudas, como numa risada. Já aqui no site da Discografia Brasileira a busca resultará no canto vibrante e nasalado de um dos artistas mais populares da música de carnaval: Risadinha, que fez história na fase final da chamada era do rádio, como compositor (58 ocorrências no site) e sobretudo intérprete (108) de alguns sucessos do período.

    Uma história que nos faz rebobinar cem anos, até o nascimento dele (18-03-1921), paulistano da região do Rio Saracura, que mais tarde seria mais conhecida como berço da escola de samba Vai Vai (1930). Batizado Francisco Ferraz Neto, era um dos sete filhos de Raul Ferraz, funcionário de empresa telefônica, e da dona-de-casa Olégaria, que logo se mudaram para a Barra Funda. Como tantas crianças e adolescentes pobres do Brasil, acabou trocando a escola pelo trabalho antes da hora, para ajudar no sustento da família. Nas horas vagas, zanzava e cantarolava na companhia de seu melhor amigo, o também futuro cantor Vassourinha.

    A brincadeira começou a ficar séria quando, aos 15 anos, Francisco foi trabalhar como datilógrafo numa empresa comercial de São Paulo. “Enquanto cumpria a monótona tarefa de copiar cartas”, contou a Revista do Rádio (16-01-1951), “ele interpretava os sambas mais em voga, dando-lhes um colorido diferente, como que acompanhado pelas batidas de sua máquina de escrever.” Incentivado pelos colegas, passou a frequentar a Rádio Cruzeiro do Sul, onde estreou como cantor em 1937, com cachê de CR$ 30,00. Também lá ganhou seu apelido artístico, driblando seu nome “muito comprido e pouco radiofônico”, segundo a mesma matéria da Revista do Rádio: “Como ele andasse sempre rindo, Mário Sena, atualmente rádio-ator da Record, teve uma ideia luminosa: batizou-o de Risadinha.”

    E assim virou atração na noite paulistana do começo da década de 1940: inicialmente cantando no Cassino Tabu (acompanhado pela Jazz Orquestra Típica Pecci) e depois no Danúbio Azul Dancing, com a Orquestra de Roberto Ferri. Também prosperou no rádio, contratado por outras emissoras locais – como a Cosmos, a Tupi e a América – e fazendo suas primeiras temporadas no Rio, com estreia em 1946, na Rádio Mayrink Veiga. O passo seguinte seria a primeira gravação, no início de 1949, mas a história tomou outro rumo: o samba “Eu não sou marinheiro” (Alvaiade e Djalma Mafra), que vinha sendo divulgado por ele, acabou indo para o disco na voz de Jorge Veiga.

    Desgostoso, Risadinha largou o microfone e foi batalhar o sustento como motorista de táxi. “Mas o micróbio do rádio já o picara e ele não resistiu por muito tempo, voltando a atuar na Tupi de São Paulo”, como informou a revista Carioca (03-05-1951). No dia 17 de novembro de 1949, Risadinha já estava no estúdio da Odeon, no Rio, para gravar os sambas “Fãran-fan-fan” (O. Silva e Atanásio de Lima) e “Lar vazio” (Wilson Batista e Nóbrega de Macedo), a serem lançados em abril de 1950. “O disco foi muito bem e vendeu na ocasião 5.000 exemplares”, contou o cantor à Revista do Rádio (24-03-1956). “Eu ganhava CR$ 0,30 por face, então recebi uns CR$ 3.000,00.”

    Depois de outros lançamentos em 1950 – como “Baburiba no samba” (Osvaldo França e Atanásio de Lima) e “A nega já sabe” (Haroldo Lobo e Milton de Oliveira) – o ano seguinte trouxe novidades: em fevereiro trocou a Rádio Clube pela Globo, da qual se transferiu em maio para a Nacional, com salário mensal de três mil cruzeiros. Como atração fixa de programas de auditório como os de Manoel Barcelos e César de Alencar, deu visibilidade a lançamentos de 1951, como o maxixe “Me leva baiana” (Arnô Canegal e Felisberto Martins) e o choro “Vai ser um chuá” (Valfrido Silva e Gadé). “Neste chorinho, Risadinha mostra que é um bom cantor, dando bastante colorido à interpretação”, avaliou o crítico Ney Machado no jornal A Noite (8-5-1951).

    Já em 1952, o “Príncipe Negro do Samba – assim apelidado pela revista Carioca – ganhou destaque com lançamentos para o carnaval, como a marcha “O doutor não gosta” (Arnô Provenzano e Otolindo Lopes) e o frevo “De guarda-chuva na mão” (Haroldo Lobo e Geraldo Medeiros). Logo após a folia saiu o samba “Babá de Copacabana”, primeira composição do próprio Risadinha, no caso Francisco Neto, aqui parceiro de Chiquinho Silva. “No carnaval, o compositor Francisco Neto ganha mais que o cantor Risadinha”, dirá nosso personagem à Revista do Rádio (17-9-55). 

    Outra boa novidade de 1952 foi, enfim, a gravação do famigerado samba de Alvaiade na voz de Risadinha, mas com outro nome: “Marinheiro de primeira viagem”. A partir deste lançamento, nosso personagem será responsável por lançar outras composições do bamba portelense: “Eu ainda sou eu” (no mesmo ano de 1952), “Embrulho que eu carrego” (de Alvaiade com Djalma Mafra, em 1955) e “Vida de rainha” (com Monarco, em 1956).

    Até que veio o carnaval de 1953 e, com ele, mais um samba assinado por Risadinha (com Humberto de Carvalho e Edu Rocha), como anunciou o crítico Claribalte Passos na revista Carioca (20-12-1952): “Samba realmente bonito, ‘Se eu errei’ tem em Risadinha um magnífico intérprete. Aliás, esta composição já ‘pintou’ entre as mais credenciadas ao cetro momesco do ano vindouro.” Estava certo o colunista: além de frequentar o topo das paradas de sucessos das revistas especializadas, “Se eu errei” faturou o primeiro prêmio entre os sambas do concurso de músicas carnavalescas de 1953, que entre as marchas teve como campeã a célebre “Cachaça” (Mirabeau, Lúcio de Castro, Héber Lobato e Marinósio Filho).

    Além de fazer Risadinha voar alto entre os grandes cartazes de sua época, seu primeiro grande sucesso rendeu boas histórias na principal coluna de fofocas da imprensa, “Mexericos da Candinha”, que era publicada na Revista do Rádio. “Imaginem vocês que o samba ‘Se eu errei’, que o Risadinha gravou com tanto sucesso, esteve nas mãos de Francisco Carlos primeiro”, lia-se na coluna na edição de 10 de março de 1953. “Mas o Chico palpitou errado dizendo ao autor que a música era muito mole, com as notas todas para baixo... E lá se foi um sucesso!” Já em 12 de junho de 1954, a fofoqueira contava que o samba rendeu um carro “Buick alinhado” a Risadinha.

    No carnaval de 1954 o cantor não levou o bicampeonato, mas a marcha “Eu quero rebolar” (Otolindo Lopes e Arnô Provenzano), lançada por ele em janeiro daquele ano, esteve entre as mais cantadas. Numa entrevista ao jornal A Noite (04-06-1955), Risadinha contou que seu maior sucesso de 1954 acabou vendendo mais discos (50 mil) do que “Se eu errei” (40 mil). 

    Mesmo assim, nenhum outro lançamento carnavalesco fez o sucesso do samba campeão de 1953. Nem o disco que ele fez em 1955, em sua nova gravadora, a Continental, com duas inéditas de Haroldo Lobo: “Saco de papel” (de Haroldo com Risadinha) e “Você me fez penar” (com Brazinha). Nem mesmo o melodioso samba “Eu não tenho ninguém” (de Risadinha com Brazinha), que o próprio artista gravou no LP coletivo “Isto é carnaval”, produzido em 1965 pela CBS, que o contratou em 1961.

    De volta aos discos de 78 rotações, outros destaques da discografia de Risadinha são as primeiras gravações que realizou de sambas de Nelson Cavaquinho – em nosso site identificado como Nelson Silva, como seu nome era creditado nos selos: “Cigarro” (de Nelson com José Batista) e “Minha fama” (com Magno de Oliveira), ambos gravados em 1952 e lançados em 53. Há ainda sambas como o tardiamente ufanista “Brasil” (do próprio Risadinha), de 1953, e o tristonho “Café Nice” (Otolindo Lopes e Arnô Provenzano), que saiu em 1954 registrando o fechamento do histórico ponto de encontro dos compositores, no Centro do Rio.

    Já no formato LP, foram quatro os discos de carreira que lançou, todos pela Continental e num intervalo de quatro anos: o 10 polegadas “Na batida do samba” (1956) e mais “Festival de samba” (1958), “As bombas de 1958” (1959) e “De Cabral a Brasília” (1960). Depois que saiu da Rádio Nacional, aposentado, em 1969, participou de discos coletivos em gravadoras diversas – predominantemente com lançamentos carnavalescos.  

    Risadinha faleceu em 3 de junho de 1976, aos 55 anos. Segundo a escritora Thaís Matarazzo Cantero, no livro “Artistas negros da música popular e do rádio” (Expressão & Arte Editora, 2014), a morte resultou de problemas decorrentes de um “distúrbio circulatório”, como foi diagnosticado quando deu entrada no Hospital da Lagoa, na Zona Sul do Rio, no dia 28 de abril. O jornal Tribuna da Imprensa (5-6-1976) informa que seu sepultamento, realizado no Cemitério Jardim da Saudade, em Jacarepaguá, foi pago pela Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat), da qual era conselheiro.

    * Colaborou com esta postagem o pesquisador Barão do Pandeiro.

    Foto: Coleção José Ramos Tinhorão / IMS

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