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    Viva o ‘rei da munganga’, o ‘senador do rojão’: 90 anos de Genival Lacerda

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Um dos artistas mais queridos do forró, o cantor e compositor Genival Lacerda por pouco não festejou seus 90 anos, que ele teria completado no último dia 5 de abril. Estava a 88 dias da efeméride quando faleceu, vítima da Covid-19, em 7 de janeiro, num hospital no Recife. Já o sepultamento foi em sua cidade natal, Campina Grande (PB), onde o corpo foi recebido por um trio de forró e percorreu seus lugares preferidos na cidade, que ele dizia ser “mais linda do que Nova York”.

    Além da irreverência e das roupas extravagantes com que se apresentava, os obituários do artista relembraram seus maiores sucessos, todos lançados após a era dos discos de 78 rotações. Como o “Rock do jegue” (Bráulio de Castro e Célio Roberto, em 1979) e as composições de João Gonçalves co-assinadas por ele: “Mate o véio, mate” (1983) e “Severina Xique-Xique” (1973), essa última do refrão saliente que se tornou seu carro-chefe: “Ele tá de olho é na butique dela...”

    O bom-humor foi a principal marca de Genival desde o início da carreira, quando inflamava os auditórios das emissoras por onde passava. “Tem jogo de corpo, gesticulação e muita malícia, o que agrada inteiramente aos que o assistem”, escreveu o Diário de Pernambuco (24-04-1955) sobre suas primeiras aparições na Rádio Tamandaré, emissora recifense que o contratou após o sucesso inicial na Rádio Borborema, de sua cidade natal, Campina Grande (PB).

    Foi lá, na zona da mata paraibana, que Genival Lacerda estreou como cantor, em 1953, deixando pra trás a brevíssima carreira como aspirante a jogador do Treze Futebol Clube. Isso quando ele, cantando um sucesso de Jorge Veiga, se arriscou num programa de calouros da Rádio Cariri e se deu bem: terminou em primeiro lugar, empatado com a também iniciante Marinês, futura Rainha do Xaxado e das músicas de duplo sentido, como o próprio Genival.

    No Recife, onde chegou em 1955, virou logo a “coqueluche dos auditórios”, como foi definido em outra matéria do Diário de Pernambuco (04-12-1955), que o descrevia como uma das principais atrações da Rádio Tamandaré: “Ágil, malicioso, com ritmo seguro, cheio de bossas.” Não à toa, informa o jornal, era apresentado nos programas da emissora como “o dono do rojão e o rei da bossa”.

    O passo seguinte foi assinar com o selo Mocambo, que pertencia à pernambucana Rozenblit, fábrica que por sua vez marcou época lançando discos fora do eixo Rio-São Paulo. Foi lá que Genival Lacerda estreou, no 78 rotações de número 15.092, como anunciou a gravadora na Revista do Disco de junho de 1956. Segundo a peça publicitária, tinham acompanhamento de “regional e coro” as primeiras gravações de Genival: “Coco de 56” (parceria dele com João Vicente) e “Dance o xaxado” (dele com Manoel Avelino).

    “Genival Lacerda é um bom cantor para ser visto, porque ele sabe aliar a sua interpretação os recursos de gesticulação em palco, o que sempre arranca grandes aplausos do público”, escreveu o crítico Peter Pan na coluna Ronda do Disco, do mesmo Diário de Pernambuco (26-04-1956), classificando o 78 rotações como “regular” e dizendo que, no disco, Genival “defende-se da melhor maneira, não comprometendo o seu prestígio de grande cartaz da música nordestina.”

    Já em 1957, depois de mais um disco dele pela Mocambo (com as músicas “Balança o coco” e “Dança do bombo”, ambas composições de Antônio Barros), outra matéria do Diário de Pernambuco (26-05-1957) daria destaque ao sucesso dele numa recente turnê “por várias capitais nordestinas”. “Seu estilo próprio inclui uma série de malabarismos no palco, o que o torna um cartaz ainda mais popular”, descreve o periódico. Já em 1958, Genival Lacerda fez o disco de dez polegadas “Meu nordeste”, que saiu pelo selo Repertório com oito faixas de autoria de Edgar Ferreira.

    Os lançamentos seguintes em 78 rotações vieram em 1960, pela Mocambo: primeiro o disco nº 15.308, trazendo a marcha “Noé Noé” e o “Coco de roda” (ambas de Rosil Cavalcanti), depois o de nº 15.322, com “Rojão nacional” (Rui de Moraes e Silva) e “Eu vou pra lua” (Luiz de França). Neste segundo disco, gravado com acompanhamento do Regional de Martins e Coro, o selo nos apresenta mais um apelido do cantor: “Genival Lacerda Senador do Rojão”. “Eu vou pra lua” foi uma das músicas listadas na seção “Vale a pena ouvir” da coluna “Por dentro dos discos”, publicada no Correio da Manhã de 19-11-1960.

    Apesar da identificação com o rojão, foram variados o gêneros musicais dos discos seguintes de Genival Lacerda, ambos de 1961. O primeiro saiu em abril, trazendo a marcha “Vazante da maré” (motivo popular assinado por Genival com Antônio Clemente) e o “Coco da cajarana” (dele com Jacinto Silva). O segundo veio em julho, com o batuque “Salve Cosme e Damião” (Genival Lacerda e Manoel Avelino) e o xaxado arrasta-pé “Rei do cangaço” (dele com J. Borges).

    As ocorrências de Genival Lacerda na Discografia Brasileira se limitam a mais três discos de 78 rotações até 1963, todos feitos na Mocambo. Os lançamentos seguintes se dão a partir de 1966, quando o cantor, já residindo no Rio de Janeiro (a convite de Jackson do Pandeiro), grava pela Polydor o long-play “Este é o cobra do Norte: Genival Lacerda, o Rei da Munganga” (Polydor, 1966). Estava aberta a discografia dele em LP, com discos em sequência até a década de 1990 lançados por gravadoras diversas.

    Entre os destaques desta fase estão “As trapalhadas de Cazuza e Seu Barbalho” (gravado com o ator Lúcio Mauro, na Philips, em 1970), “Aqui tem catimberê” (Copacabana, 1975), “Não despreze seu coroa” (na mesma gravadora, 1979), “Hot dog baiano” (RCA Camden, 1986) e “O Rambo do sertão” (Continental, 1992). Além dos títulos pitorescos, são também dignas de nota as capas extravagantes dos discos, como as da década de 1980, nas quais se vê Genival Lacerda quase sempre rodeado por mulheres de biquíni.

    Fotografias que, se hoje são questionáveis, naquele tempo apenas estavam entre as “mungangas” deste artista que, como ressaltou a cantora Fafá de Belém, trazia com ele “a malícia do povo nordestino, uma graça própria com o seu colorido”. Outro fã era o rapper Marcelo D2, que após a morte de Genival prestou homenagem nas redes sociais: “Essa dança dele com a mão na barriga me faz lembrar a alegria do Brasil, me conecta muito com meus antepassados e me traz uma sensação boa de felicidade. Que descanse em paz.”

    Foto:  Coleção José Ramos Tinhorão / IMS

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