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    O samba por ele mesmo: uma seleção pra quem não é 'ruim da cabeça ou doente do pé'

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Minha gente era triste e amargurada
    Inventou a batucada
    Pra deixar de padecer
    Salve o prazer, salve o prazer!

    Eis o mistério do samba, em quatro versos neste sucesso de Orlando Silva lançado em 1937, com acompanhamento dos Diabos do Céu, de Pixinguinha. Recebeu de seus compositores, o baiano Assis Valente e o mineiro Durval Maia, um nome igualmente conciso, “Alegria”, que sintetiza não só o poder transformador do samba, como também a maneira como ele entrou no imaginário brasileiro. 

    Trata-se, ainda, de um exemplar de um tema muito recorrente no repertório de samba: o próprio samba, com suas características, sua história e até suas propriedades curativas. É ele o tema desta seleção feita – a partir do acervo do site Discografia Brasileira – especialmente para este 2 de dezembro, quando se comemora o Dia Nacional do Samba.

    A batucada e seus poderes revigorantes – “sai melancolia, eu quero alegria” – são lembrados também na obra do cantor, compositor e violonista carioca Janet de Almeida, que divide com Haroldo Barbosa a autoria do clássico “Eu quero um samba”, lançado em 1945 pelos Namorados da Lua. Também em “Eu sambo mesmo”, Janet – sem parceiro – exalta o prazer do gênero musical em que sente o “corpo remexer”, como cantaram os Anjos do Inferno em 1940.

    Enquanto isso, nesse mesmo ano o Bando da Lua cantava pela primeira vez o “Samba da minha terra” que “deixa a gente mole”, a composição do baiano Dorival Caymmi dos versos que viraram dito popular: “Quem não gosta do samba, bom sujeito não é... É ruim da cabeça ou doente do pé”. Na mesma linha do samba irresistível é “Cansado de sambar”, composição de seu conterrâneo Assis Valente lançada pelo mesmo conjunto em 1937.

    Há ainda os que se preocupam com a morte do samba, tema recorrente na música popular, em repertórios como os de Alcione e Paulinho da Viola, entre outras vozes. Já nos discos de 78 rotações, o assunto foi cantado em vozeirões como os de Carlos Galhardo (“Se o samba morrer”, de Bide e Walfrido Silva) e Jorge Goulart (“O samba não morreu”, de Zé Kéti e Urgel de Castro).

    Este último se insere também na linha dos sambas-exaltação, a começar pelo manifesto “A voz do morro”, outro que reúne Zé Kéti (autor do samba) e Jorge Goulart (cantor da primeira gravação, em 1955). É provável que seu mote inicial venha de outra composição na primeira pessoa do singular, “Eu sou o samba”, que leva a assinatura de Dias da Cruz e Augusto Garcez e foi gravado em disco pela cantora Dircinha Batista em 1942. 

    Já a irmã de Dircinha, Linda Batista, deu voz em 1946 a “Viva o samba”, composição dos craques Custódio Mesquita e Evaldo Ruy que antecipa em mais de uma década o famoso tributo de Billy Blanco ao telecoteco, “Viva meu samba”, lançado em 1957 com versos líricos cantados por Silvio Caldas: “Faço da minha tristeza um carnaval de beleza que as outras terras não têm...”

    A “brasilidade” do samba inspirou também crônicas bem-humoradas sobre embates com estrangeiros, como os estadunidenses no divertido “Artigo nacional” (Wilson Batista e Germano Augusto), gravado por Cinara Rios em 1940. Na mesma rivalidade há ainda os clássicos “Brasil pandeiro” (Assis Valente), lançado pelos Anjos do Inferno em 1941, e “Chiclete com banana” (Gordurinha e Almira Castilho), que Jackson do Pandeiro gravou em 1959.

    Ostentado por uns, esnobado por outros: o samba seria varrido do mapa se dependesse da personagem pernóstica de “Pra que discutir com madame?”, lançamento de 1945 na voz de Janet de Almeida, compositor da música, de novo em parceria com o genial Haroldo Barbosa. 

    Faria bem à madame ouvir o aristocrático Mário Reis se dizendo “Doutor em samba” (Custódio Mesquita), como ele gravou em 1933. E saber que no “samba de partido-alto” tem lugar pro “mulato filho de baiana e a gente rica de Copacabana” (“Samba de fato”, de Pixinguinha e Cícero de Almeida, 1935), e também pra “gente pobre, gente rica, deputado e senador”, como nos versos de “É com esse que eu vou” (Pedro Caetano), lançado em 1947 pelos Quatro Ases e Um Curinga. 

    E como não lembrar de Jorge Veiga atrás de sua Madalena em “Vou sambar em Madureira” (Haroldo Lobo e Milton de Oliveira), contando que por lá “não precisa ter dinheiro, só precisa um pandeiro”? Caso não encontre a cabrocha, pode também mandar um recado como os de “Vai, meu samba” (Custódio Mesquita, gravado por Francisco Alves em 1936) e do famoso “Leva meu samba”, composição de Ataulfo Alves gravada pelo próprio em 1956.

    E caso o leitor ou leitora, mesmo depois de tantos sambas, ainda tenha qualquer dúvida sobre a origem da batida que “mexe com a gente fazendo endoidecer” (“Se é pecado sambar”, Manoel Santana, 1950), que ouça Heloísa Helena cantando o “Samba da vida” (Walfrido Silva, 1937). Ou Alzirinha Camargo em “Ritmo do coração” (Herivelto Martins e Benedito Lacerda, 1936).

    Ambos batem no mesmo compasso da obra-prima dos sambas sobre samba, “Feitio de oração”, composição de Noel Rosa e Vadico que resolvia a rixa da época, entre os sambistas “de morro” (oriundos de lugares onde tradicionalmente já se fazia samba) e os “da cidade” – compositores de camadas mais favorecidas que, como o próprio Poeta da Vila, começavam a emplacar os primeiros sucessos neste gênero musical. Marco inicial da parceria de Noel e Vadico, teve sua primeira gravação feita em 1933, por Francisco Alves e Castro Barbosa.

    O samba, na realidade
    Não vem do morro
    Nem lá da cidade
    E quem suportar uma paixão
    Sentirá que o samba então
    Nasce do coração


    Imagem: Ilustrações de J. Carlos

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