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    Chile, 1962: em ritmo de frevo, marchinha, samba e Garrincha, memórias musicais do bi mundial da seleção

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Faltavam sete minutos para o apito final quando o centroavante Vavá, aproveitando a bola soltada dentro da área pelo goleiro Schrojf, chutou para as redes da Tchecoslováquia, definindo o placar final (3 a 1) da partida que encerrava a Copa do Mundo de 1962, no Estádio Nacional, em Santiago, no Chile. Naquele 17 de junho – 60 anos na semana passada – a seleção brasileira conquistava o bicampeonato mundial de futebol, confirmando as expectativas dos que ainda cantavam a marchinha feita como parte das comemorações pelo primeiro título, vencido em 1958, na Suécia.

    A taça do mundo é nossa
    Com brasileiro não há quem possa
    Ê… eta, esquadrão de ouro
    É bom no samba, é bom no couro

    Tamanho foi o sucesso da marchinha triunfante – composta por Maugéri Neto, Maugéri Sobrinho, Vitor Dagô e Lauro Muller – que não faltaram candidatos a emplacar um novo hino para a Copa do Chile. Prova disso são os discos de 78 rotações lançados em junho e julho de 1962 que, tendo a seleção brasileira como tema, são uma espécie de memória musical do bicampeonato.

    A começar pelas que saíram ainda durante a competição, como o “Frevo do bi” (Braz Marques e Diógenes Bezerra), com Jackson do Pandeiro chamando torcida pra “ver como é, Didi, Garrincha e Pelé... Dando seu baile de bola...” Menos inspirada é a marcha “Brasil bi-campeão”, do Padre Ralfy Mendes, que por outro lado já começa assertiva, cravando que “a vitória lá no Chile vai ser nossa”, cantam as vozes mirins dos Pequenos Cantores da Guanabara.

    Também gravada em voz infantil é “Homenagem a Pelé” (Jorge Duarte), marchinha de coreto interpretada por Dênis e coro infantil exaltando as virtudes do craque do Santos que afinal, além de talentoso, é “amigo e companheiro”, “exemplo e educação”. Já a marcha frevada “Samba, futebol e café (Saci Pelelé)” trouxe um pretérito não tão perfeito: diz que o jogador “pulou no Chile”, aludindo às diabruras de um saci.

    Pelé, na verdade, só jogou uma partida inteira: a estreia da seleção, na qual marcou o segundo gol na vitória por 2 a 0 sobre o México no Estádio Sausalito, em Viña del Mar, onde o Brasil disputou a primeira fase. No jogo seguinte, contra a mesma Tchecoslováquia que o Brasil encontraria na final, o camisa 10 sofreria um estiramento muscular que o tiraria de campo antes do juiz apitar o fim da partida, terminada sem gols. 

    Em seu lugar o técnico Aimoré Moreira escalou o jovem Amarildo, que já no jogo seguinte fez a diferença, marcando os dois gols brasileiros na virada sobre a Espanha (2 a 1) que garantiu nossa classificação às quartas de final. Quem sintetizou essa história foram Umberto Silva e Lewis Jr. em “Brasil bi-campeão”, uma marcha com sabor de rancheira gravado pelo Coro do Clube do Guri: “Ficamos sem Pelé, disseram: ‘como é?’ Lançamos Amarildo, que inventou o olé!”

    Já no confronto seguinte, o baile foi de Garrincha, que contribuiu com dois gols inusitados para seus padrões (um de cabeça, outro de fora da área) para a vitória por 3 a 1 sobre os ingleses – o outro gol foi de Vavá. “De que planeta vem Garrincha?”, perguntou no dia seguinte o jornal El Mercúrio, de Valparaíso. Seria o craque da Copa, coadjuvado por outros remanescentes do primeiro título, como Gilmar, Djalma Santos, Zito, Vavá, Zagallo, Didi e Nilton Santos – os três últimos companheiros dele no Botafogo, assim como Amarildo. 

    “Com Mané, Seu Mané... o Brasil é sensacional”, cantou Joab Teixeira em “Quem manda é o Seu Mané” (Sílvio R. Neto, E. Minelli), o samba que exalta “o nosso escrete” e, em especial, o genial atacante alvinegro. No outro lado deste mesmo disco (Copacabana 6418), Joab canta o samba de carnaval “Parabéns à nossa seleção” (Nelson Romeu, Luiz de Sousa, Uzema), com melodia mais inspirada que a letra.

    Houve ainda quem exaltasse os que trabalharam fora dos gramados, como Paulo Machado de Carvalho, o dirigente do São Paulo que chefiou a delegação brasileira no Chile. “Carvalho é galho duro de quebrar”, cantou Jair Rodrigues na marchinha “Marechal da vitória” (Alfredo Borba e Edson Borges), cujo título faz alusão ao apelido pelo qual o dirigente já era conhecido desde a Copa da Suécia, quando já havia liderado a comitiva verde-amarela.

    Sua participação é lembrada também em “Parabéns, bi-campeões” (Arquimedes Messina e Osvaldo Rodrigues), marcha ufanista que, como numa guerra, termina com um “Salve os comandantes e o Marechal da Vitória”. Seja como for, a turma da gravata seria decisiva na campanha, especialmente após a semifinal, quando o Brasil derrotou o Chile por 4 a 2.

    Só que a partida – disputada no Estádio Nacional, em Santiago – terminou com um revés de peso: Mané Garrincha, após marcar mais dois gols (Vavá fez os outros dois), terminou o jogo expulso, depois de chutar a bunda de um jogador chileno. Estaria suspenso da finalíssima não tivesse sido absolvido pelo tribunal da Fifa por quatro votos a três.

    No fim das contas o Brasil pôde contar com seu maior craque, que entrou em campo com 40 graus de febre e, mesmo assim, foi decisivo na vitória final sobre a Tchecoslováquia, por 3 a 1 – de virada, como na decisão da Copa de 58. Além de Vavá, com o gol descrito na abertura deste texto, marcaram para a seleção Zito e Zagallo. Ou melhor, “Zito e sua classe” e “o grande Zagallo”, como cantou Moreira da Silva no ótimo “Bailarinos do gramado”, samba de breque dele com Ribeiro Cunha e Lourival que, entre os versos, dá a escalação completa da seleção bicampeã.

    Com a taça Jules Rimet erguida pelo zagueiro Mauro – imagem que chegou aos brasileiros primeiro na descrição dos radialistas e depois vista nas fotos de jornal e nos filmes exibidos nas salas de cinema – um carnaval fora de época se fez no Rio de Janeiro e outras cidades do país. Entre confetes e serpentinas, é improvável que se tenha festejado no ritmo marcial de “Brasil” (Albe Martins) ou “Brasil tradição esportiva” (Mario Albanese), com suas letras ufanistas.

    Menos épica, mas igualmente aquém do futebol bicampeão mundial é “Brasil sensacional” (Alfredo Borba, Edson Borges), mais uma marcha a rimar café com Pelé e a exaltar as divisas nacionais – neste caso, a beleza, a cachaça, a mulata e o carnaval. A melodia de “Se esta rua”, aproveitada nas frases iniciais, traz alguma suavidade no meio da patriotada. 

    Melhor mesmo foi a iniciativa dos compositores da marchinha mais cantada da Copa de 58. Relançaram a música, mas com ajustes aqui e ali – a exemplo da própria seleção brasileira. E assim foi novamente cantada nas ruas, agora em ritmo de samba e com atualizações no nome – “A taça do mundo é nossa (bi-campeonato)” – e nos versos da segunda parte. 

    O brasileiro desta vez no Chile
    Mostrou o futebol como é que é
    Ganhou o bicampeonato
    Sambando com a bola no pé
    (Gooool!)

     

    Na foto, Garrincha cabeceia para abrir o placar contra a Inglaterra, na vitória por 3 a 1 em Viña del Mar.  (Acervo Diários Associados RJ / IMS / testemunhaocular.ims.com.br)

     

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