Música brasileira não falta pra comemorar o Natal. Pra pular fogueira em junho. E exaltar o país no 7 de setembro. Pra festejar mães, pais e crianças nos seus dias. E pra brincar carnaval, então... Dá mais que um baile! Já as músicas de ano novo... o autor destas linhas confessa que não lhe ocorria nenhuma lembrança antes de começar a pesquisa para este texto. Mesmo a música de ano novo mais tradicional do cancioneiro brasileiro tinha tudo para ser (ou assim me parecia) uma dessas que correm de boca em boca e, com o tempo, são registradas como “tradicional” ou “domínio público”.
Adeus, ano velho
Feliz ano novo
Que tudo se realize
No ano que vai nascer
Que domínio público que nada! A valsinha “Fim de ano”, que tanta gente canta de cor (pelo menos a primeira parte), não só tem autores – o grande cantor Francisco Alves e o jornalista David Nasser – como foi lançada comercialmente, em fins de 1951, por João Dias, afilhado artístico do Rei da Voz. Lançamento de sucesso, como atestou o repórter Toscano Barbosa na revista O Cruzeiro (27-12-1952): “Foram vendidos mais de 30 mil discos.”
Outro hit das viradas de ano é a “Valsa da despedida”, cuja história começa lá em 1788, ano da canção “Auld lang syne”, composição do escocês Robert Burns que originalmente não tinha nada a ver com a passagem de ano. Consta que teria entrado para as festividades na virada entre os séculos 19 e 20, nos Estados Unidos e no Reino Unido, ficando conhecida posteriormente como “Farewell waltz”. Aqui no Brasil, recebeu letra de João de Barro e Alberto Ribeiro e gravação emblemática em dueto de Francisco (sempre ele) Alves com Dalva de Oliveira, em 1941.
Entre os achados da Discografia Brasileira estão outros medalhões da música brasileira, como Lamartine Babo, que comparece com “Adeus ano velho” – bela canção que saiu em disco em novembro de 1951, na voz de Sônia Moraes acompanhada de orquestra e coro: “Adeus ano velho, boa viagem, leva na bagagem todo o mal...” Outra que chama atenção pelo arranjo é “Feliz ano novo”, composição do maestro César Guerra-Peixe com letra de Cláudio Luiz e interpretação do Coro dos Apiacás, regido por Lucília Villa-Lobos – atenção para a melodia murmurada (bocca chiusa) entre as estrofes letradas.
Já o calendário se faz presente nesse repertório em duas ocorrências. Primeiro com “Trinta e um de dezembro” (Fernando Lobo e Evaldo Rui), samba-canção de 1956 em que a dor-de-cotovelo é cantada na voz chorosa de Neusa Maria: “Já bateu meia-noite, ano novo já vem... Eu preciso lembrar de esquecer esse bem.” Depois com “Primeiro de janeiro” (de autor não informado), quadrilha instrumental em que a Banda da Casa Edison nos leva ao ano inicial das gravações de discos no Brasil, 1902.
Também dos primórdios são o dobrado instrumental “Ano novo”, gravado pela Banda da Casa Faulhaber em 1910, e o lundu “O ano novo”, no qual Eduardo das Neves, dá voz (e violão) à brejeirice em registro de 1908: “No vendaval da floresta quando as aves vêm voando, as andorinhas ligeiras nos ares vão vir passando. A mãe acalenta o filho que, sorrindo, já lhe diz: Mamãe, viva o Ano Novo! Peça a Deus para ser mais feliz!”
Mais recentes são dois ragtimes de Getúlio Macedo que dão certo sabor estadunidense à nossa seleção. O primeiro, “Ano novo”, é um convite à festa no canto charmoso de Ivon Curi, em 1957: “Venham, chegou o dia que todos devem festar.” O outro, gravado no ano seguinte por José Garcia e coro, é “Ano novo – ano bom”: uma parceria de Macedo com Lourival Faissal na qual o clima festivo compensa as questões da letra – que se esforça para caber na melodia.
De volta aos gêneros brasileiros passamos ao réveillon sertanejo com duas valsas de épocas distintas e o mesmo nome. De 1938 é o “Ano novo” de Paraguassu (apelido de Roque Ricciardi), que além de assinar a composição, interpreta-a com o auxílio do Quarteto Tupan. Já de 1953 é o “Ano novo” de Francisco Lacerda e José Maffei, que tiveram sua dedicatória em forma de música lançada nas vozes terçadas de Laranjinha e Zequinha. “Votos de felicidade, de um ano bem feliz, são palavras de sinceridade que meu coração lhe diz.”
Em ritmo de valsa ligeira são também dois lançamentos do fim de 1952: tem Stellinha Egg cantando “Ano novo” (mais um), de José Roy e Orlando Monelo. E os Titulares do Ritmo cantando – e assoviando – para desejar “Feliz ano novo”, com versos e melodia de Osvaldo Moles e Chico.
Os mesmos Titulares do Ritmo reaparecem às vésperas de 1957 cantando – e fazendo fuzarca – em “Bom dia, ano novo”, marchinha de Maugeri Neto, Maugeri Sobrinho e Victor Dagô. No mesmo ritmo temos ainda Aurora Miranda interpretando a romântica “Ano novo” (Custódio Mesquita e Zeca Ivo), de 1935, e uma Emilinha Borba solene entoando “Feliz ano novo”, marcha com ares de hino de seu cunhado Peterpan, em 1956. Já ambientada entre o circo e o coreto é “Viva o ano novo” (Mario Eduardo e Alberto Roy), que saiu no finzinho de 1959 numa gravação de Valdemar Roberto com toques teatrais.
O samba também veio pra festa, com Neide Fraga cantando “Réveillon” (Francisco Ávila), de 1950, e com o empostado Alberto Miranda dando voz a “Ano novo” (Dempson Mesquita e Samuel Rosemberg), samba-canção de 1956 com metáforas pictóricas: “Ano novo vem correndo, vem correndo qual criança, tem os braços bem abertos cheios de amor e esperança...”
Completamos nossa seleção musical para brindar a chegada de 2023 com nossos votos de “Boa sorte”, nesta versão de Espírito Santo para “Mazeltov” (Leo Towers, Ralph Stanley e Spencer Williams, 1960), e também com dois amuletos poderosos: Linda Batista com sua marchinha “Figa de guiné” (Gomes Filho e Nestor Holanda, 1947) e os Vocalistas Tropicais trazendo o fox “Trevo de quatro folhas” (versão de Nilo Sérgio para original de Harry Dixon, 1949), com seus versos de fé:
Vivo esperando e procurando
Um trevo no meu jardim
Quatro folhinhas nascidas ao léu
Me levariam pertinho do céu
Com ou sem trevo, figa ou qualquer outro amuleto que lhe apeteça, que seu ano novo seja de paz, felicidade, amor e realizações – além, claro, de muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender.
Foto: Juan Soler Campello / Pexels