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    Copacabana Palace: um centenário de glamour, ‘movie stars’, ‘chansoniers’, fofocas e até sambas

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    No dia-a-dia corrido de Copacabana, não há transeunte da Avenida Atlântica que não arregale os olhos pro edifício branco do número 1702, no quarteirão entre as ruas Rodolfo Dantas e Fernando Mendes. A fachada da construção em estilo art déco, de fato, destoa de todo o bairro que está em volta: um paredão heterogêneo de edifícios, ruas movimentadas de carros e muita gente – os locais, apressados, e os turistas, distraídos e queimados de sol. Nem de perto se parece com o bairro que viu nascer o tal edifício, o Copacabana Palace, inaugurado há exatos cem anos, no dia 13 de agosto de 1923.

    No areal que era a Copacabana dos anos 1920, o edifício parecia ainda mais imponente. Também, pudera: o primeiro a imaginá-lo foi o próprio presidente da República, Epitácio Pessoa, que queria um hotel para hospedar os turistas que viessem ao Rio de Janeiro para o grande evento que ele preparava: a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1922.

    Para tanto, Epitácio Pessoa entregou o projeto a um integrante da família mais rica do país, o empresário Otávio Guinle, cuja fortuna remetia ao fim do século 19, quando seu pai, o gaúcho Eduardo Guinle, vencera a concorrência para construir e explorar o Porto de Santos. O milionário entregou o projeto arquitetônico ao francês Joseph Gire, que não fez por menos: o palácio à beira-mar teria como inspiração dois suntuosos hotéis da Riviera Francesa – o Carlton (em Cannes) e o Negresco (em Nice).

    Só que o cronograma das obras não saiu exatamente como queria o presidente e a Exposição do Centenário já estava encerrada – desde 24 de julho de 1923 – quando enfim o grande hotel abriu as portas, no dia 13 de agosto, a menos de um mês do 101º aniversário da Independência.

    Aliás, o baile de inauguração, em 1 de setembro de 1923, foi um capítulo à parte. Estava anunciada uma apresentação da dançarina francesa Mistinguett, mas o show foi cancelado na véspera – os empresários temiam que a aparição da artista esvaziasse a temporada que ela fazia no Theatro Lyrico, no Centro. “Constrangida, Mistinguett fez questão de comparecer ao baile como convidada”, escreveu o jornalista Ricardo Boechat no livro “Copacabana Palace: um hotel e sua história” (DBA, 1998). “Mas, para frustração geral, suas belas pernas, seguradas em um milhão de francos, não foram exibidas sequer para os fotógrafos que se amontoavam à entrada.”

    Apesar do forfait inaugural, a arte nunca ficou de fora da história centenária do Copa – com destaque para a música e o cinema. Como em 1933, quando o hotel foi uma das estrelas de “Voando para o Rio” (“Flying down to Rio” no original), o filme da RKO Pictures com que a cidade virou tema em Hollywood. Pena que não é em ritmo de samba (mas de rumba!) uma das melhores cenas do longa, com Fred Astaire e Ginger Rogers dançando “Carioca”, a composição de Vincent Youmans que os brasileiros ouviram em gravações diversas nos 78 rotações que chegaram por aqui.

    O ritmo do samba também levou um tempo até ser assimilado por nossas orquestras de salão, entre elas a que se formou para tocar num dos espaços mais concorridos do hotel: o Cassino Copacabana, ativo entre 1924 e 1946, quando o jogo foi proibido no Brasil, por um decreto do presidente Eurico Gaspar Dutra. Dirigida por Simon Bountman, a Orquestra Pan American do Cassino Copacabana logo se tornou uma referência também nos discos, gravando constantemente a partir de 1926 – é deste ano o maxixe “Tudo preto” (Júlio Casado), atração do espetáculo de mesmo nome que vinha fazendo grande sucesso com a Companhia Negra de Revistas.

    Já em 1938, o cassino ganhou um atrativo à parte: o Golden Room, salão de espetáculos para 400 pessoas onde se dá a maior parte da história musical do Copacabana Palace. Era lá que o público carioca podia ver estrelas internacionais como o cantor e ator mexicano Pedro Vargas, que se apresentou em temporada concorrida no começo nos anos 40 – justamente de 1940 é a gravação de “Brasil” (Aldo Cabral e Benedito Lacerda), um samba-exaltación que foi parar no vozeirão do Rouxinol das Américas.

    Bem mais sutil era o canto do francês Maurice Chevalier, que foi atração da noite de inauguração do Golden Room, em 1938, quando cantou “para quatrocentos convidados em traje de gala, à fortuna de trinta dólares por cabeça”, como descreve Ruy Castro no livro “A noite do meu bem” (Companhia das Letras, 2015). Como nos filmes em que contracenava com Jeanette MacDonald, o chansonier encantou o público com seu charme: chapéu de palhinha, gravata borboleta e o canto contido (e às vezes falado), como aqui na Discografia Brasileira se pode ouvir no slow “C’est fini”, dele com Fred Freed.

    Chevalier foi a primeira das muitas estrelas francesas que passaram pelo Golden Room, como Yves Montand, Charles Aznavour, Gilbert Bécaud e Edith Piaf. Já Jean Sablon gostou tanto daqui que se aventurou até a cantar música brasileira – como num 78 rotações de 1948, quando lançou o samba “Por que”, do amigo Dorival Caymmi. Este, por sinal, tem no Golden Room um capítulo importante de sua trajetória: foi lá, em 1944, que se revelou um showman, nos dois meses em que se apresentou no espetáculo “Jangadeiros”, como figura central de um elenco que tinha também Carmen Costa e os Quatro Ases e Um Curinga.

    Foi nesta temporada que o baiano estreitou laços de amizade com Carlos Guinle: empresário, filho do dono do Copa e apaixonado por música. Entre passeios de barco e noites boêmias, tornar-se-iam parceiros em sete sambas-canção, entre os quais “Sábado em Copacabana”, que Lúcio Alves lançou em 1946. O cronista Sérgio Porto dizia que, nesta parceria, Caymmi entrava com letra e música e Guinle, com o uísque. Ruy Castro, no livro “A noite do bem”, não descarta a possibilidade de o milionário ter trazido ideias para Dorival desenvolver, “o que é suficiente para caracterizar uma parceria”.

    Outro hino ao bairro – e, por que não, a seu principal hotel – é o samba-canção que nasceu de uma encomenda do empresário estadunidense Wallace Downey: ele pediu a João de Barro uma composição que servisse de tema a um novo nightclub que estava para ser inaugurado em Nova York, com o nome de Copacabana. O compositor e seu parceiro Alberto Ribeiro fizeram a música, mas não “a tempo para o objetivo de ambos, faturar alto com royalties em dólar”, como conta Zuza Homem de Mello no livro “Copacabana: a trajetória do samba-canção” (Editora 34, 2018). Menos mal que ficou por aqui um grande sucesso do samba-canção, “Copacabana”, lançado em 1946 na primeira gravação em português do então jazzman Dick Farney.

    Outro personagem fundamental na história musical do Copacabana Palace é o jornalista Caribé da Rocha, que assumiu a direção artística da casa em 1950, depois que seu antecessor, o alemão Max Von Stuckart, deixou o cargo que ocupava havia uma década para abrir sua própria boate, a famosa Vogue, ali perto, na Avenida Princesa Isabel. Agora, caberia a Caribé a tarefa de programar e contratar as atrações para os espetáculos do Copa. O trabalho não o faria deixar outra atividade que fazia com gosto: letras de música, inclusive versões em português para sucessos estrangeiros. Como “Maria Dolores”, bolero dos espanhóis Jacobo Morcillo e Fernando García que a cantora Marion gravou por aqui em 1952.

    O acompanhamento da gravação, creditado a “Cópia e Sua Orquestra”, era comandado pelo grande flautista paulistano Nicolino Cópia, o Copinha. No Copacabana Palace, ele atuava como bandleader tanto do Golden Room quanto do Meia-Noite, piano bar inaugurado pelos Guinle em 1943, com uma proposta mais intimista do que os grandes espetáculos do salão vizinho. Alternavam-se com ele outras atrações, como o conjunto de Steve Bernard, organista romeno que era também compositor – autor de “Corcovado”, samba-exaltação gravado por ele em 1956. E o Maestro Zaccarias, que podia estar à frente dos Midnighters (quarteto que montou para tocar no Meia-Noite) ou de uma orquestra – liderada por ele tanto no Golden Room, quanto em gravações na Victor, como o “Tico tico no fubá” (Zequinha de Abreu), com o arranjo de baile que fizeram em 1944.

    E assim o Copacabana Palace foi se firmando não só como o principal hotel carioca, mas também como local importante da paisagem cultural carioca. No cinema, depois do voo inicial de 1933, vieram outros longas gravados no hotel, como “Os cafajestes” (Ruy Guerra) e “Copacabana Palace” (Steno), ambos de 1962, e tantos outros. Antes deles, teve ainda “Carnaval no fogo”, a chanchada de Watson Macedo que trazia, entre outros números musicais, a marchinha “Balzaquiana” (Wilson Batista e Nássara), grande sucesso do carnaval de 1950, com Jorge Goulart. Os compositores e o cantor são os mesmos de “Sereia de Copacabana”, sucesso da folia no ano seguinte.

    Mas a sereia que fisgou Goulart cantava samba-canção no Meia-Noite, onde os dois começaram a namorar e formaram o casal mais badalado da chamada era de ouro da música popular brasileira. Era Nora Ney, a cantora de voz grave da Rádio Nacional que se tornou um emblema do samba-canção com gravações como a de “Menino grande”, composição de Antônio Maria, este também um grande personagem (e cronista) da noite de Copacabana. Também formado no backstage do Meia-Noite, outro casal artístico que comparece em nossas memórias musicais do Copa é Carmélia Alves e Jimmy Lester – crooners da boate do hotel, eles dividem a interpretação de “Adeus Maria Fulô” (Sivuca e Humberto Teixeira).

    Mas são mesmo de artistas de Hollywood as assinaturas mais valiosas no livro de ouro do Copacabana Palace. Tem Tyrone Power (1938), Henry Fonda (1939), Errol Flynn (1940), Bing Crosby (1941), Walt Disney, Orson Welles (ambos em 1942) e Marlene Dietrich (1944), entre muitos outros. A luso-brasileira Carmen Miranda, por exemplo, se hospedou no Copa em sua última visita ao Brasil (1954), um ano antes da morte em sua casa em Beverly Hills, na Califórnia. Já nos anos 1960, foi a vez de badalarem as visitas de musas como Rita Hayworth (a “Gilda” do samba de Mário Lago e Erasmo Silva) e Brigitte Bardot, que inspirou marchinhas divertidas de Miguel Gustavo como “Carta a Brigitte Bardot”, com direito a versos em francês na voz de Jorge Veiga.

    Mais apurado era o francês que o público do Golden Room podia ouvir nas apresentações de Ivon Curi, o Jean Sablon brasileiro que, quando não estava cantando baiões bem-humorados, era puro charme em canções como “Douce France” (Charles Trenet), que ele gravou em 1950. Outra contribuição de Ivon para o Copacabana Palace foi a indicação da jovem Dóris Monteiro como atração do Golden Room. Mais do que jovem, Dóris era menor de idade, motivo pelo qual era preciso um alvará que autorizasse suas apresentações – além da companhia da mãe, que afugentava os fãs que porventura se encantassem por histórias como a de “É sempre amor” (Cipó), cantada pela menina.

    Outro que também fazia o poliglota em suas apresentações era Nilo Sérgio, crooner do Golden Room e do Meia-Noite que, além do francês, se arriscava no espanhol, no inglês e, eventualmente, em versões. Como a que escreve para “I’m looking over a four leaf clover” (Woods Dixon), que por aqui virou “Trevo de quatro folhas” e foi lançada pelo próprio Nilo (1949) antes de se reformatar em bossa nova no canto moderno de João Gilberto.

    Aliás, era morador do Copacabana Palace – mais precisamente do quarto 140 do edifício anexo – o inventor do canto moderno brasileiro: o cantor Mário Reis, que viveu no hotel de 1957 até a morte em 1981. Pois foi no palco do Golden Room que ele fez sua última apresentação, em setembro de 1971, recebendo uma chuva de rosas atiradas pela plateia após cantar antigos sucessos de Noel Rosa, Ary Barroso e Sinhô, este último seu professor de violão e primeiro compositor a ter acreditado em seu canto enxuto e falado, como o que se ouve em sambas como “Que vale a nota sem o carinho da mulher”.

    Só mesmo sendo da alta elite econômica carioca – no caso a família Silveira, proprietária da Fábrica Bangu de Tecidos – para morar (ainda mais por 24 anos!) no hotel mais luxuoso do país. Moradia que, certamente, era o sonho de muita “gente bem” que “acontecia” nas colunas sociais de Jacinto de Thormes e Ibrahim Sued, entre “anedotas e champanhotas” como as de “Café Soçaite” (Miguel Gustavo), o samba-charge com o qual encerramos – no canto sorridente de Jorge Veiga – nosso passeio musical pelo centenário Copacabana Palace.

    Foto: autoria não identificada / Coleção Gilberto Ferrez / Acervo IMS

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