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    Cantora, atriz, vedete, sambista: os 120 anos da estrelíssima e inigualável Aracy Cortes, a linda flor da música brasileira

    Fernando Krieger

    tocar fonogramas

    As atrizes Lina Demoel e Nair Alves foram intimadas pela polícia a não mexerem mais com o público. É evidente a má vontade da polícia para com as duas estrelas. No São José, quem mais mexe com o público é a Aracy Cortes. E mexe sem dizer palavra, mexe mexendo...

    (Mário Nunes – O Malho, 23/05/1925)

    “Vocês me perdoem a imodéstia, mas sou um sucesso perene. Anunciou, é apoteose. (...) Você não vê como estou relegada ao ostracismo? Entretanto, eles sabem que quando reapareço, modéstia à parte, é um verdadeiro festival. Uma apoteose”. Aos 71 anos, a veterana Aracy Cortes, em seu depoimento ao Serviço Nacional de Teatro em 28/05/1975, referia-se ao musical “Rosa de ouro”, que ela havia protagonizado na década anterior com estrondoso sucesso de público e crítica. Passados alguns anos, parecia saber-se esquecida por empresários, gravadoras e por grande parte do público, e demonstrava seu inconformismo através de declarações a diversos jornais.

    Não era para menos: por muitos anos rainha absoluta dos palcos dos teatros de revista, foi ela a “pioneira cantora a ter uma carreira regular em disco”, aponta Rodrigo Faour no livro “História da Música Popular Brasileira, sem preconceitos” (Record, 2021), influenciando “cantoras da geração que se seguiu, como Carmen Miranda e Odete Amaral”, segundo Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello no volume 1 de “A canção no tempo” (Editora 34, 1997). Além de imortalizar aquele que é considerado o primeiro samba-canção da história, ela ajudou a promover uma revolução no modo de cantar, como lembrou João Máximo no Jornal do Brasil de 12/11/1980:

    “Aracy Cortes e Mário Reis. Não é por acaso que os dois são citados juntos. Na verdade, primeiro Aracy e depois Mário, foram eles os verdadeiros reformuladores do estilo de cantar samba, um gênero até então interpretado com a mesma grandiloquência vocal com que os nossos cantores, Francisco Alves inclusive, interpretavam canções operísticas. Embora de origens muito diferentes, (...) os dois perceberam, separados mas identificados, que o samba urbano carioca (...) necessitava mais de intérpretes do que de cantores, mais de bossa do que de pulmões, mais de sutileza no fraseado do que de volume e empostação de voz”.

    A origem de Aracy era realmente bem distinta da de Mário Reis, este advindo “da alta classe média da Zona Sul”, nas palavras de João Máximo. Já Zilda de Carvalho Espíndola nasceu a 31/03/1904 na Rua do Matoso, próximo à Praça da Bandeira, na Zona Norte carioca. Era a terceira filha do casal Argemira de Carvalho, filha de português com uma brasileira, e Carlos Espíndola, filho de pai espanhol e mãe paraguaia. Flautista, Carlos foi amigo de Alexandre Gonçalves Pinto, o Animal, como este conta em seu livro “O choro”, publicado em 1936: “(...) em poucos tempos tornou-se um flautista respeitado nas rodas dos tocadores, impondo-se à admiração de todos que o conheciam e também deste que estas linhas escreve, que muito o apreciava. Morreu muito moço ainda (...). A sua dileta filha Aracy Cortes (...), a vi muito criança”.

    No Catumbi, para onde havia se mudado com a família, Carlos tornou-se frequentador da casa da família Vianna, um verdadeiro reduto musical, onde moravam, entre outros, Pixinguinha e seu irmão China (Otavio Vianna). Lá ele comparecia com sua flauta, levando também as filhas Dalva e Zilda, “duas meninas no meio, tentando acompanhar com o corpo o ritmo buliçoso (...)”, conta Roberto Ruiz no livro “Araci Cortes: linda flor” (Funarte, 1984). Ainda muito jovem, Zilda debutou como atriz amadora numa peça do grupo Filhos de Talma.

    Criada por uma madrinha que não via suas tendências artísticas com bons olhos, ela estreou em 1920, aos 16 anos, cantando e dançando no circo do grande palhaço negro Benjamin de Oliveira, na Praça da Bandeira. Seu “batismo” foi tenso: na primeira noite, ficou paralisada ao se ver diante da multidão e, instada a entrar no picadeiro, desmaiou. Ao se recompor, pediu outra chance e, com as pernas ainda tremendo e a voz hesitante, fez seu número e deslumbrou a plateia – fato que se repetiria por décadas.

    Outro “batismo”, o do seu nome artístico, se deu através do cantor e violonista China, irmão de Pixinguinha e integrante dos Oito Batutas. Conta Roberto Ruiz que ele decidiu chamar Zilda – a quem conhecia desde pequena – para participar de uma série de espetáculos do grupo, com números de revista escritos pelo jornalista e crítico teatral Mário Magalhães. Este, em conversa com China na redação do jornal A Noite, gostou da ideia, mas invocou com o nome da garota: era preciso outro que soasse mais brasileiro. Depois de algumas tentativas, chegaram a Aracy. O sobrenome surgiu quando entrou esbaforido na redação o repórter policial da casa, com uma notícia urgente. Magalhães saltou da cadeira, exclamando: “Cortes, meu velho! Você veio na hora certa!”. Pronto, estava batizada a artista – à sua revelia: ela não aceitou totalmente a novidade.

    Com os Batutas, participou – como Zilda Cortes – da comédia “Um batizado na Favela”, no Teatro Lírico, em 09/10/1921, e da burleta “Na casa da Chica do Velho”, no Polytheama do Méier, em 15/10/1921 (de acordo com os jornais A Noite dos dias 10 e 15 daquele mês). Já como Aracy Cortes, apareceu pela primeira vez numa revista a 31/12/1921, no Teatro Recreio, na Praça Tiradentes. A peça era “Nós, pelas costas”, de J. Praxedes, com música de Sá Pereira. Foi a primeira das muitas de que participaria até 1961 – sua “revistografia”, publicada no livro de Ruiz, contabiliza mais de 130 peças de teatro. Aracy dizia ter feito mais de 300 revistas; para a Folha de S. Paulo (27/03/1984), teriam sido 398. Voltando à sua estreia, Mário Nunes, em crítica no Jornal do Brasil de 01/01/1922, enxergou na novata uma “figurinha de brasileira petulante”.

    “(...) Muito se dizia do gênio pretensamente difícil de Aracy que alguns não apreciavam, considerando-a instável e temperamental, enquanto outros a desculpavam pelas crises de gênio, aludindo imediatamente às sinuosidades da própria vida teatral de então, sujeita a tantos fatores e a golpes de sorte (...)”, escreve Roberto Ruiz. “Num meio de tantas tensões e incertezas e numa época em que o artista – sobretudo a atriz – não dispunha de menor proteção e chegava até a ser visto, em alguns círculos, como elemento à margem da sociedade, o que é de admirar é que não só ela, Aracy, mas todos os membros da classe não fossem acoimados de gênio difícil e, por vezes, intolerante”, conclui seu biógrafo.

    Dona absoluta dos palcos, Aracy debutou em discos com três gravações lançadas em 1925: a “Serenata” de Enrico Toselli e as canções “Petropolitana” e “A casinha”. Entre 1928 e novembro de 1934, faria a grande parte de seus registros em 78 rotações. Voltaria aos estúdios apenas em dezembro de 1952, após um hiato de 18 anos, e deixaria sua voz no acetato pela última vez em 11/06/1954, em disco lançado em agosto do mesmo ano.

    Na época em que Aracy estreou na indústria fonográfica, as músicas que o povo consagrava advinham praticamente do teatro, como lembra Ruiz: “O incipiente rádio ainda não podia dar conta dessa tarefa e era, ainda, dos palcos da revista que saíam, para os estúdios de gravação e as edições de partituras, (...) os êxitos em marchas e sambas. Esse papel de divulgador do teatro era importantíssimo (...)”. Aracy foi a lançadora, nos palcos, de músicas que se tornariam verdadeiros êxitos, muitas das quais chegariam ao acetato – mas não pela sua voz.

    Caso, por exemplo, de “Na Pavuna”, de Almirante e Homero Dornellas, da revista “Dá nela” (1930); “No rancho fundo”, de Ary Barroso e Lamartine Babo, cuja primeira versão ela cantou na revista “É do outro mundo!” (1930) sob o nome de “Na grota funda (Esse mulato vai sê meu)”, com letra de J. Carlos; “Na batucada da vida”, de Ary e Luiz Peixoto, da revista “Há uma forte corrente...” (1934); e “Aquarela do Brasil”, também de Ary Barroso, criação de Aracy na revista “Entra na faixa” (1939). Outras, entretanto, ela lançou nos palcos e também teve a primazia de gravar – e duas se tornariam clássicos incontestes da nossa música.

    A primeira destas surgiu em “Microlândia” (1928). “De todos os êxitos de Sinhô, sem dúvida alguma ‘Jura!’ tornou-se o maior de todos, o mais significativo e aquele do qual todos se lembram imediatamente em qualquer pesquisa. O próprio Sinhô reconhecia que essa instantânea identificação corria praticamente por causa da interpretação que Aracy Cortes dava à sua composição (...)”, ressalta Ruiz. Jota Efegê, em O Jornal de 23/09/1962, disse que ao final da execução do samba, que encerrava a peça, “todo o teatro, em delírio”, obrigou Aracy a repeti-lo várias vezes. Sinhô então subiu à cena, abraçou e beijou a cantora e, “quase chorando de alegria”, agradeceu a ovação da plateia.

    O outro clássico tem uma história mais intrincada. “Linda flor”, de Henrique Vogeler e Cândido Costa, foi levada à cena por Dulce de Almeida na peça “A verdade ao meio-dia” (1928) e ao acetato por Vicente Celestino, com lançamento em março de 1929, sem repercussão. Dois meses antes, em janeiro, havia chegado às prateleiras a versão de Chico Viola (Francisco Alves): mesma melodia, mas outra letra, de Freire Júnior, e novo título: “Meiga flor”, que recebeu no rótulo – pela primeira vez na história – a classificação “samba-canção”. A criação de Vogeler só iria se imortalizar ao receber os versos de Luiz Peixoto e Marques Porto e o toque de Midas de Aracy, que levou “Yayá” – mais conhecida por “Ai, ioiô” – aos palcos em dezembro de 1928, na revista “Miss Brasil”, e ao disco, lançado em março de 1929, com “Baianinha” do outro lado. “‘Ai, ioiô’ é o meu hino”, disse Aracy ao Diário de Notícias de 24/07/1955.

    Capa do folheto da revista 'Miss Brasil', de 1928. Coleção José Ramos Tinhorão / IMS 

    Ela e João Martins foram os responsáveis por mais um grande êxito de Ary Barroso, desta vez com Luiz Iglezias: “No morro (Eh! Eh!)”, da revista “Diz isso cantando” (1930). O batuque foi lançado em disco por Aracy e Augusto Vasseur no mesmo ano, mas no futuro seria mais lembrado pela versão de Carmen Miranda e Almirante, que em 1938 o regravariam com letra ligeiramente modificada e seu nome definitivo: “Boneca de piche”.

    “(...) Amo todos os sambas que já cantei, como amarei todos os que cantar. O que amo, realmente, é o samba”, declarou ao Diário de Notícias de 24/07/1955. Não por acaso, dos 73 fonogramas que ela gravou em 78 rpm, 50 pertencem a este gênero (e seus derivados: sambas-canção e um samba-maxixe). Orestes Barbosa, em seu livro “Samba: sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores” (Livraria Educadora, 1933), já enfatizava: “Zilda de Carvalho Espíndola, a morena dulçurosa que nos palcos é Aracy Cortes, não tem, no momento, na interpretação do samba, concorrente que se lhe possa igualar”.

    Difícil discordar de Orestes quando se escuta a sambista Aracy. E é fácil entender, ao ouvir suas gravações, por que Jairo e Zuza escreveram que “Aracy sabia tirar partido de sua sensualidade e encanto pessoal para reinar no palco (principalmente) e no disco”. Nas décadas de 1920 e 1930, o samba ocupou lugar de destaque em seu repertório: “A polícia já foi lá em casa”, “Tu qué tomá meu home” – com letra que não teria vez nos dias de hoje: “Eu gosto é de levar pancada / E até de passar fome / Por amor do meu amor” –, “Eu não preciso de você”, “Chora que passa”, “Sim... mas... desencosta...” – uma espécie de “não é não” daquela época –, “Quero sossego”, “Não sou família”, “Abana baiana”, “Recordações de um passado”, “Que é que”, “Morena faceira”, “Quando meu amor partiu”, “Não convém”, entre outros. Também arrasava em ritmos mais cadenciados, como na canção “Cabocla cheirosa (Itassucê)”.

    Aracy gostava de fazer improvisos vocais cheios de bossa. Sua destreza pode ser escutada em sambas como “Reminiscências” e “Bate bate” – este também com versos super questionáveis. Na fase das “canções bilíngues” da música popular brasileira, abordada por Jota Efegê na Revista da Música Popular nº 13 (junho de 1956), duas delas, que misturavam o francês com o português, vieram ao mundo na voz da cantora: “A la Aracy”, em 1932, e, no ano seguinte, mais um clássico.

    Segundo Francisco Duarte Silva e Dulcinéa Nunes Gomes em “A jovialidade trágica de José de Assis Valente” (Funarte, 1988), o compositor baiano já pensara em Aracy como intérprete de “Tem francês no samba”. Foi ao teatro procurar a grande estrela para lhe mostrar a composição. Ela teria achado a letra engraçada e levou consigo a parte do piano escrita por Pixinguinha. Dias depois, gravava – com o charme de sempre – “Tem francesa no morro”, que marcou a estreia de Assis Valente em disco.

    Aracy viveu muitas glórias em sua carreira. Nos palcos, fez grande sucesso em Portugal e na França, em 1933, e na Argentina em 1935; como empresária, levou o teatro de revista para o subúrbio carioca em 1931; foi eleita num concurso da Gazeta de Notícias (março de 1935) a “melhor artista do rádio”, desbancando Mário Reis e Carmen Miranda; sagrou-se Rainha do Teatro em 1935 e Rainha das Atrizes em 1939; a partir de 1936, atuou com êxito em emissoras de rádio, entre elas Gazeta e Record (São Paulo) e Mayrink Veiga e Nacional (Rio). Mas até uma “linda flor” pode ter seus momentos de “Flor do lodo” – e com Aracy não foi diferente.

    Viveu um breve e infeliz casamento (as fotos da cerimônia foram publicadas na Gazeta de Notícias do dia 22/10/1929) com o argentino Esteban Palos, ensaiador do Teatro Recreio e irmão do humorista Palitos. “Foi ele quem lhe burilou os dotes natos de sapateadora, tornando-a exímia nesse gênero de dança (...)”, conta Ruiz. Ela reencontraria o amor em Renato Meira Lima, secretário particular do presidente Washington Luís. Segundo Ruiz, ele “chegara, enfim, para completar a personalidade e manter-se a seu lado (...). Renato tornou-se, daí por diante, o amigo e confidente, o amparo, o empresário (...)”. Segundo a Manchete de 20/03/1954, Renato faleceu em 1950.

    “Em 1942, Aracy anunciou que se retirava. Queria viver sua vida particular. Dizia-se cansada do teatro e das atividades artísticas em geral, após vinte anos seguidos de sucesso e tantas revistas encenadas. (...) Durante dez anos, só esporadicamente concordou em aparecer num espetáculo”, explica Ruiz. Ela mesma diria ao Diário de Notícias de 24/07/1955 que, “durante nove ou dez anos”, fez “pouco teatro. Temporadas curtas”. No livro de Ruiz, há menções a Aracy participando de espetáculos teatrais em 1944, 46, 47, 49 e 51 (um por ano). A volta oficial aos palcos foi com “O bode está solto” (1952), quando ela foi obrigada pela plateia a bisar e a trisar “Flor do lodo”. Sua última revista seria “É por aqui, sinhô”, levada em 1961 no Teatro Zaquia Jorge, em Madureira.

    A ausência se deu também nos discos. Após um hiato de 18 anos, voltou a gravar em dezembro de 1952. Seriam apenas mais três discos de 78 rotações até 1954. Entre as músicas, o samba-canção “Flor do lodo” e dois sambas, “As cadeiras de iaiá” (do seu último disco, em 1954) e “Denguinho”, de 1953. Esta última tem como coautora (ao lado de César Cruz) a própria Aracy. “Uma das suas muitas composições, a maioria das quais permanecem inéditas, pela recusa sistemática da estrela em gravá-las ou editá-las. Segundo Aracy, sempre que perguntada pela razão: ‘não vale a pena’”, revelou seu biógrafo.

    Retornou aos palcos em grande estilo em janeiro de 1965, aos 60 anos, pelas mãos de Hermínio Bello de Carvalho – a quem fora apresentada por Jota Efegê no lendário Zicartola –, primeiro na série “O menestrel” do Teatro Jovem, em Botafogo, ao lado de Jacob do Bandolim (que era seu fã confesso), depois no musical “Rosa de ouro”, também de Hermínio, estreado em março de 1965 e continuado em 1967. Os long-playings lançados com o repertório dos shows trazem as últimas gravações em disco de Aracy, ao lado de Clementina de Jesus e do conjunto Rosa de Ouro (Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nelson Sargento, Anescarzinho do Salgueiro e Jair do Cavaquinho). Ali ela revivia antigos sucessos e apresentava composições recentes, como as belas marchas-rancho “A harmonia das flores”, de Pixinguinha e Hermínio, e “Os rouxinóis”, de Lamartine Babo, gravada em disco em 1957 pelos Rouxinóis de Paquetá e interpretada por ela na revista “Bom mesmo é mulher’, em janeiro de 1958.

    'Rosa de ouro', 1965: a veterana Aracy Cortes e o novato Paulinho da Viola.
    Foto: Coleção José Ramos Tinhorão / IMS

    Em novembro de 1967, deu seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. A vedete que, nos anos 1930 – “quando somente possuía automóvel quem era rico”, frisou Ariosto Pinto no Correio da Manhã de 30/10/1962, afirmando que ela chegara a ter três veículos, um “para as primeiras horas do dia, outro para a tarde e ainda outro para as madrugadas, quando saía do teatro” –, disse no MIS que vivia de uma pensão do governo. Em depoimento a Simon Khoury na Rádio Jornal do Brasil em 26/08/1975 – com trechos publicados no JB do dia seguinte –, ela confessou que estava recolhendo recortes de jornais para requerer sua aposentadoria.

    Problemas de saúde a levavam volta e meia a repousar no Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá. Problemas financeiros a obrigavam a morar de aluguel. Queixava-se em entrevistas à imprensa, mas seguia firme. Em novembro de 1976, com “Uma rosa na boca da noite”, voltou a fazer shows. Seguiram-se um espetáculo no Teatro Dulcina, em 1978, e o “Noturno”, em 1980, ao lado do comediante Carvalhinho.

    Sem que nenhum órgão público demonstrasse interesse, conseguiu vender seu acervo (fotos, recortes de jornais, algumas roupas) ao pesquisador Ary Vasconcelos em 1983. No ano seguinte – quando foram lançados, pela Funarte, a biografia escrita por Ruiz e um LP contendo algumas de suas gravações originais –, morava em São Cristóvão, num quarto alugado. Sobrevivia “com dois salários mínimos que recebe do Estado, numa situação que fere sua auto-estima”, apontava Mara Caballero na edição do Jornal do Brasil de 26/03/1984, a cinco dias do aniversário de 80 anos de Aracy.

    Esta, prestes a participar – por vontade própria, segundo a matéria – da série de shows “Linda flor”, feita em sua homenagem, na Sala Sidney Miller da Funarte, ao lado de Marília Barbosa e do grupo Chorando Baixinho, enfatizava: “Com pureza d’alma, não gosto mais da profissão”. Ao falar sobre o mesmo show com Ana Lígia Petrone, correspondente carioca d’O Estado de S. Paulo (01/04/1984), ela confidenciou: “Acho que essa é minha despedida”. Ainda não seria: o espetáculo – que teve casa cheia no Rio – foi levado em maio e junho para a Sala Guiomar Novaes, em São Paulo.

    Foi a última apoteose. Aracy nos deixou em 08/01/1985, aos 80 anos. “(...) tinha um pouco de Marlene e um pouco de Leila Diniz”, disse à Folha de S. Paulo (09/01/1985) o pesquisador, jornalista e então vereador Sérgio Cabral no velório, no saguão do Teatro João Caetano, a poucos metros da Praça Tiradentes, onde a lendária artista reinara absoluta por décadas. Na mesma ocasião – ainda de acordo com a Folha –, Hermínio Bello de Carvalho afirmou, emocionado, que ela foi “grande até o fim”.

    Foto principal: Aracy Cortes na década de 1920 / Reprodução da internet

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