– (...) Mas estou notando que esquecemos de uma coisa, Pedrinho.
– Que foi?
– Esquecemos de botar casos engraçados dentro da barriga do Visconde. Como vai ser palhaço de circo, ficaria ótimo se nós o recheássemos como Tia Nastácia fez com os perus.
– Recheio de quê? – indagou o menino.
– De anedotas, por exemplo.
– Bem pensado! Mas ainda está em tempo, porque a cola não secou.
E abrindo de novo o Visconde, puseram dentro três páginas bem dobradinhas de um livro de Cornélio Pires.
(Monteiro Lobato, “Reinações de Narizinho”, 1931)
Não era somente a turma do Sítio do Picapau Amarelo que o conhecia: em cada sítio, chácara, roçado, fazenda ou granja do país naquela época, haveria alguém que guardasse em alta estima o nome de Cornélio Pires, autor de mais de duas dezenas de livros, poeta, jornalista, folclorista, humorista, contador de histórias e de anedotas que os moradores do interior sabiam de cor. Inté na cidade grande ele se fez respeitado e admirado. “Foi o autor preferido do povo, embora sua obra não se ache revestida da pureza literária exigida por certos críticos caturras”, observa seu biógrafo Joffre Martins Veiga na apresentação da coletânea “Antologia caipira: prosa e poesia de Cornélio Pires” (O Livreiro, 1960). Como se não bastasse, Cornélio ainda conseguiu uma proeza: levar para o disco, em 1929, as primeiras gravações da genuína música caipira.
Sua vida é repleta de acontecimentos tão curiosos que até parecem os causos que ele narrava em seus livros e conferências. Como os contados por Fusilo a Inezita Barroso no programa “Viola, minha viola”, da TV Cultura, que em 1999 celebrou os 70 anos dos primeiros registros fonográficos das modas caipiras: disse ele que, quando grávida, dona Nicota (Ana Joaquina) teria levado um escorregão, o que acabaria antecipando o nascimento do bebê. O filho prematuro veio ao mundo no bairro Sapopema, em Tietê, no estado de São Paulo, há 140 anos – em 13 de julho de 1884 –, e se chamaria Rogério, segundo Fusilo – a informação também está na página Recanto Caipira. Mas o padre Gaudêncio de Campos, com problemas auditivos, entendeu mal e o batizou como Cornélio.
Foi menino de nadar no Rio Tietê, caçar passarinhos com bodoque, pescar, fazer estripulias, subestimar os estudos – acabaria expulso do grupo escolar. Desde pequeno gostava de contar histórias, herança do pai, Raimundo Pires de Campos Camargo. Dizia-se descendente de João Ramalho, sertanista considerado o “pai dos paulistas” e o “fundador da paulistanidade”. Na capital deste estado, onde chegou em 1901, aos 17 anos, o moço de péssima caligrafia iria se firmar como um homem de letras: poeta, escritor e jornalista, com intensa atuação em diversos órgãos da imprensa.
Dele, pode-se dizer que fez de tudo, ou quase tudo, em sua juventude. Como o próprio contou numa entrevista a Silveira Peixoto, publicada na revista Vamos Ler! de 29/06/1939: “Já fui tanta coisa! Tipógrafo, caixeiro de sírio, oleiro, plantador de algodão, comerciante, industrial, revisor de jornais, repórter. Fui feitor da Limpeza Pública, a acompanhar varredores desde as quatro da manhã até as seis da tarde (...). Fui mestre-escola, fui professor de ginástica...”. Ao exercer esta última atividade, tinha 24 anos, conta Joffre Martins Veiga em “A vida pitoresca de Cornélio Pires” (O Livreiro, 1961).
Ante o espanto de Peixoto – talvez devido ao físico um tanto roliço do seu interlocutor –, Cornélio esclareceu: estava desempregado, pediu ajuda a um amigo político e foi nomeado para dar aulas de ginástica numa escola de Botucatu. “Você sabe ginástica?”, perguntou o repórter. “Não era preciso saber. Era preciso ensinar”, foi a resposta. “E você ensinou?”, insistiu o outro. “Não tenho muita certeza, não. Em todo o caso, posso dizer-lhe que tive as melhores intenções...”, confessou Cornélio. “A ginástica lhe aprimorou as formas, modificou-lhe os hábitos e afastou-o da bebida”, revela Martins Veiga. Em 1917, após um porre homérico no Carnaval carioca, ele de fato se tornaria cem por cento abstêmio.
Morou em Botucatu até 1914 – também residiria em outras cidades paulistas –, mas constantemente ia à capital. Numa dessas ocasiões, publicou aos 25 anos, no início de 1910, o primeiro de sua longa lista de livros: “Musa caipira” – que nasceu num banheiro. À revista Vamos Ler!, recordou a curiosa história. Em São Paulo, costumava se hospedar na pensão de uma irmã de sua mãe, Belisária, viúva do escritor Júlio Ribeiro. A tia, segundo Cornélio, “sustentava uma ninhada de sobrinhos, pobres como ela e que queriam estudar”. Como os quartos eram ocupados pelos pensionistas, ele e os outros enfileiravam suas camas no corredor.
Continuou Cornélio: “Para escrever – temendo ser ridicularizado – fechava-me no banheiro. (...) E foi ali que, um dia, compus um soneto caipira, ao qual deve ser atribuída a culpa de ter-me tornado escritor”:
Ai, seu moço, eu só quiria
P’ra minha felicidade
Um bão fandango por dia
E uma pala de qualidade
A poesia, “Ideal do caboclo”, seria musicada por Eduardo Souto e lançada num disco da Odeon em 1922 por Vicente Celestino com o título “Ideal de caboclo” – sem o nome de Cornélio no rótulo. Foi esta poesia que o fez, nas suas palavras, tomar “conta do banheiro”. Dez dias depois, entregava à Livraria Magalhães os originais de “Musa caipira”.
“Com as trinta e oito poesias que formavam seu primeiro livro, Cornélio se colocou entre os criadores da arte caipira, sendo um dos primeiros a trasladar para a literatura o linguajar do caboclo”, observa Martins Veiga. O universo da roça, do matuto do interior, com seu anedotário e seu linguajar típico – “traduzido” por ele em seus livros, que geralmente traziam um glossário nas páginas finais –, estaria presente em todas as atividades de Cornélio Pires. Tornou-se conferencista, quase um showman, contando causos e histórias engraçadas para numerosas audiências em excursões pelo país, sempre usando traje a rigor – Cornélio vestia-se muito bem. “Pronunciou, de 1914 até a sua morte, (...) aproximadamente 5.000 conferências educativo-humorísticas”, diz Martins Veiga no prefácio da “Antologia caipira”.
No mesmo texto, Veiga conta que Cornélio iniciou em 1923 “uma viagem através do Brasil como cinegrafista, acompanhado do operador Flamínio de Campos Gatti. O filme, chamado ‘Brasil pitoresco’, foi exibido em todo o Brasil (...)”. Em 1934, ele lançaria outra película, “Vamos passear”, considerado o primeiro filme sonoro independente do país.
O “bandeirante do folclore paulista” chegaria ao rádio – pelas ondas da Difusora de São Paulo – apenas em dezembro de 1936, segundo o Correio Paulistano do dia 5 daquele mês. A esta altura, já estava consagrado como autor de livros popularíssimos, “detendo o recorde nacional de vendas, à frente até de Monteiro Lobato, o best-seller depois dele (...)”, revela Abel Cardoso Júnior em “Cornélio Pires: o primeiro produtor independente de discos do Brasil” (Fundação Ubaldino do Amaral, 1986). O título desta publicação de Cardoso Júnior remete a outra atividade de Cornélio: foi ele quem abriu as portas da indústria fonográfica para a autêntica música do interior.
“(...) embora ainda de forma estilizada, conforme o gosto vigente nas cidades, os compositores urbanos vinham tentando oferecer pelo menos desde o início da segunda década do século uma ideia de como soava a música da área da viola paulista”, explica José Ramos Tinhorão em sua “Pequena história da música popular: da modinha ao tropicalismo” (Art Editora, 5ª edição, 1986), recordando gravações feitas neste período, como a que juntou os cantores Eduardo das Neves e Bahiano em 1911, um pretenso desafio sob o título “Dois caboclos paulistas”.
Tinhorão destaca que, apesar de Angelino de Oliveira “ter-se aproximado bastante do modelo original com sua célebre ‘toada paulista’ ‘Tristezas do jeca’”, levada ao disco em 1924 pela Orquestra Brasil América e em 1926 por Patricio Teixeira, “seria preciso esperar pelas iniciativas de Cornélio Pires na área do disco, nos anos de 1929 e 30, para datar, daí, o surgimento, na cidade, de uma música caipira destinada a transformar-se, enquanto música comercial, nos estilos englobados sob o nome genérico de música sertaneja”.
Não foi fácil para Cornélio provar que este gênero musical podia ser gravável e também vendável. No início de 1929, ele havia formado em Piracicaba a sua Turma Caipira – Mariano, Caçula, Arlindo Santana, Sorocabinha, Zico Dias, Sebastiãozinho e Ferrinho, de acordo com Israel Lopes em “Turma Caipira Cornélio Pires: os pioneiros da moda de viola em 1929” (ed. do autor, 1999) – para “fazerem uma temporada, no bairro de Vila Mariana, no Cine Paulicena”. Sua ligação com a música caipira vinha de berço, conforme havia revelado a Silveira Peixoto em Vamos Ler!: “Como sabe, nasci na roça. Ainda garoto, amanhecia nos fandangos, assistindo cururus e cateretês. Gostava imenso dessas danças (...)”.
“(...) Cornélio Pires achou que estava na hora de trazer a música caipira autêntica”, explica Rosa Nepomuceno em “Música caipira: da roça ao rodeio” (Editora 34, 1999). Requisitando a ajuda do sobrinho, o igualmente multifacetado – ator, cantor, compositor, humorista, radialista, produtor – Ariowaldo Pires, que mais tarde iria se destacar na música popular sob o pseudônimo Capitão Furtado, Cornélio conseguiu chegar ao engenheiro de gravação da Columbia, Wallace Downey. Este o apresentou ao chefão, o brasileiro Albert Jackson Byington Jr. Cornélio fez a proposta: levar para o acetato a verdadeira música caipira. Foi rechaçado: “Não há mercado, não interessa”, teria dito Byington.
Cornélio insistiu: pagaria a prensagem dos discos. Byington o desencorajou: menos de mil cópias não dava para fazer, e isso custaria muita grana – à vista. “Byington gostava muito de meu tio (...) e só queria evitar-lhe prejuízos na certeza de um empreendimento (ou investimento) malsucedido”, acreditava Ariowaldo Pires, citado por João Luís Ferrete no livro “Capitão Furtado: viola caipira ou sertaneja?” (Funarte, 1985). O tio saiu dali, procurou um amigo de nome Castro no Centro da cidade e voltou à Columbia com o montante de dinheiro – e ainda exigiu um primeiro suplemento de cinco discos com cinco mil cópias cada! 25 mil no total. Albert Byington quase surtou. Ainda tentou dissuadi-lo da loucura, mas acabou dando de ombros. O prejuízo seria certo, pensava.
“Assim, em maio de 1929, saía a famosa série vermelha” – que Tinhorão chamava de “cor de vinho” – “com numeração de 20.000 a 20.005, totalizando seis discos, com cinco mil cópias cada um, portanto 30 mil 78 rpms”, escreve Rosa Nepomuceno, completando: “Tudo foi colocado em dois carros para ser vendido pelo interior paulista e na Casa Cornélio, sua loja de rádios e vitrolas na Rua XV de Novembro, centro da capital. E por um preço maior do que o dos discos comuns”. O resultado? “As pessoas os disputavam e o sucesso da empreitada, evidentemente, chegou à sala de Byington. Agora as portas da gravadora estavam escancaradas para o produtor, que foi convidado a produzir outros discos, desta vez financiados e distribuídos pela empresa”.
As faixas se alternavam entre histórias e causos narrados por Cornélio, imitações feitas por ele e músicas cantadas por integrantes de sua Turma Caipira – acrescida de artistas como Antônio Godoy, Raul Torres, Serrinha, Juvenal Fontes, João Negrão –, que se apresentavam em duplas. No total, contabilizam-se 54 discos (108 gravações), disponibilizados ao público entre 1929 e 1930. Em muitos deles, pode-se escutar a voz inconfundível do próprio Cornélio anunciando as faixas. Alguns fonogramas lançados em 1929 seriam reeditados em 1930. Inaugurando a série, estava o Columbia 20.000, trazendo cenas de humor narradas por Cornélio: de um lado, “Anedotas norte-americanas”; de outro, “Entre italiano e alemão”. Mas este não teria sido o primeiro 78 rotações gravado por ele.
Entre abril e maio de 2010, o Instituto Moreira Salles montou uma exposição para comemorar a chegada da Coleção José Ramos Tinhorão – até o início daquele ano sob os cuidados do IMS de São Paulo – à sede carioca. A mostra teve curadoria do próprio Tinhorão, que selecionou diversos itens raros de seu acervo. Entre eles, o disco Columbia de número 10000002, cujo conteúdo traz uma “Fala de Cornélio Pires” sobre a vida dos caipiras. Não há nenhuma informação no rótulo, apenas uma caricatura de Cornélio, de autor desconhecido. Segundo informava a legenda feita por Tinhorão para a exposição, este disco, não comercializado, marcou a estreia fonográfica de Cornélio Pires.
À esquerda: Disco Columbia 10000002, não comercializado, com a primeira gravação de Cornélio Pires e sua caricatura no rótulo (Coleção José Ramos Tinhorão / IMS). À direita, o movimento na entrada da Casa Cornélio Pires (reprodução de A Cigarra / julho de 1930)
As primeiras bolachinhas da Columbia também não traziam nos selos as informações de autores e quase nada sobre os intérpretes. Desta primeira leva, há um “Desafio entre caipiras” e duas “Danças regionais paulistas”: uma cana verde e um cururu. No Columbia 20.006 foi enfim registrada pela primeira vez em disco uma moda de viola, recolhida por Cornélio Pires, que viria a ser um grande sucesso: “Jorginho do sertão”, lançada em outubro de 1929. A partir daí, abriu-se a porteira para uma leva de modas de viola, surgidas ainda em 1929, como a “Moda do peão” – erroneamente grafada no rótulo como “Modo do peão” –, “Mecê diz que vai casá” e “Triste abandonado”.
Através dos discos, Cornélio apresentou ao Brasil urbano a riqueza dos ritmos interioranos: “Cateretê paulista”, “Naquela tarde serena” (contradança mineira), “Toada de cururu” (contradança paulista), “Toada de cateretê”, “Toada de samba”, “Toada de cana verde”, “Reculutamento” (samba do Norte), “Que moça bonita” (canção de 1932, com letra muito bem-humorada). Outras modas de viola chegaram aos 78 rotações pela Columbia ainda em 1930, como “Sô cabocro brasilêro”, “Moda do Rio Tietê”, “Futebol da bicharada” e um grande sucesso, com várias regravações: “O bonde camarão” (bonde de cor avermelhada que marcou época em São Paulo). Inezita Barroso fez dois registros da música em 78 rotações, em 1960 e 1961, com o nome “Moda do bonde camarão”, e a cantou algumas vezes em seu programa da televisão (veja aqui e aqui).
Pela Victor, saíram cinco composições de Cornélio em parceria com outro baluarte da música caipira, Raul Torres – o nome de Cornélio aparece como autor, embora Abel Cardoso Júnior defenda que “ele nunca foi compositor”. Quatro são modas de viola: “Adeus Campina da Serra” (1937) – Tonico e Tinoco fariam, em 1952, em disco lançado no ano seguinte, a primeira das muitas regravações deste clássico –, “O moço sorteado” (1937), “Os bailes de agora” (1939) e “Quem quiser saber meu nome” (1939), todas nas vozes de Raul Torres e Serrinha. A quinta é o recortado “Dindô lelê” (1944), por Torres e Florêncio.
Na década de 1940, como informa Martins Veiga, pouca gente se interessava pelas conferências de Cornélio: “Depois de alguns espetáculos, ele percebeu que já não havia aquele entusiasmo de outros tempos”. Com sua casa de discos fechada, ele enveredou (sem sucesso) pelo ramo da indústria e do comércio: foi dono de olaria, de uma loja de objetos usados, de uma fábrica de manilha. Fez propaganda para os produtos – sem álcool – da Companhia Antarctica. Durante sua vida, ganhou muito dinheiro, mas também perdeu bastante. “A razão é que ele era muito mais idealista do que comerciante”, explica Jairo Severiano em “Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade” (Editora 34, 2008).
Protestante por formação, Cornélio foi um dos fundadores da Associação Cristã de Moços em São Paulo (1929) e mais tarde abraçaria o espiritismo. Pouco tempo antes do seu falecimento em São Paulo, aos 73 anos, no dia 17/02/1958 – uma segunda-feira de Carnaval –, vítima de câncer na laringe, ele fundou na sua Tietê natal (onde seria sepultado) a Granja de Jesus, entidade de amparo ao menor abandonado. O matuto que reabilitou a figura do “jeca” de Lobato – “Nosso irmão do campo não é esse bocó de que se fala”, dizia ele, citado por Rosa Nepomuceno – e que deu voz e visibilidade a um dos segmentos mais importantes da história da literatura e da música no Brasil – o dos caipiras – terminou seus dias no esquecimento.
Livros de Cornélio Pires na Coleção José Ramos Tinhorão / IMS
“Quando da entrega do troféu Roquette-Pinto aos melhores de 1958 foi rendido um preito de saudade a três radialistas mortos no ano passado: Almir Ribeiro, Paulo Leblon e [Armando] Corte Real. Foi esquecido o nome de Cornélio Pires (...)”, informou o texto publicado na Radiolândia de 14/03/1959. Em sua cidade natal, porém, ele seria lembrado através da Primeira Semana Cornélio Pires, documentada pela Revista Sertaneja, que publicou, em sua edição de agosto de 1959, textos e fotos mostrando a série de homenagens organizadas em Tietê entre 7 e 12 de julho.
“(...) Cornélio Pires não poderia mesmo imaginar que, tantas léguas depois, o velho caipira, tocado da roça para a cidade e aí relegado à periferia e aos cantões perdidos do país, voltaria à cena, repaginado, de terno, perfumado e radioso, com sua violinha lustrosa”, descreve Rosa Nepomuceno. O caipira mudou, sua música anda hoje bem desvirtuada, mas o legado de Cornélio se perpetuou, não só através da atuação dos seus sobrinhos Ariowaldo Pires e Mauro Pires (radialista), mas também pelas vozes das duplas de cantores e cantoras que se espalharam pelo Brasil afora. E no documentário de 2018, dirigido por Pedro Massa. E ainda em homenagens como a que fez Inezita Barroso em seu programa da TV Cultura “Viola, minha viola” em 1999, que mostrou uma rara imagem em vídeo de Cornélio, duas composições inéditas – “Estou imaginando” e “Caboclo jeitoso” (parceria com Aleixinho) – e a casa onde ele nasceu.
O pioneiro da arte caipira também se eternizou nos tributos musicais que recebeu: “Poeta verdadeiro”, moda de viola de Oscarlino e Sebastião Roque, gravada em 1960 por Oscarlino e Joselino; o dobrado “Cornélio Pires”, de Clóvis Pontes, que o próprio autor levou ao disco também em 1960; e a homônima “Cornélio Pires”, de Raul Leonardo e Nhô Chico, interpretada pelas Irmãs Volpi no programa de Inezita na TV Cultura em 2007. E, claro, nos causos espalhados por esse país afora, como o que Rolando Boldrin escutou do próprio Cornélio e mostrou no programa “Sr. Brasil”, da TV Cultura.
Aliás, Cornélio certamente gostaria que esse texto terminasse com algum dos seus famosos causos. Um dos mais conhecidos foi publicado por Joffre Martins Veiga e Rosa Nepomuceno em seus respectivos livros: um grã-fino, viajando pelo interior, ao passar pela casa de um matuto resolveu conhecê-la, sendo muito bem acolhido. Ao ver fotos penduradas na parede, perguntou: “De quem é este retrato?”. “Minha mãe”, respondeu o capiau. “E aquele outro, de quem é?”. “Do meu pai”, disse o anfitrião. Ao enxergar a foto de um burro, sete palmos de altura e arreio enfeitado, o visitante não se conteve: “Esse também é da família?”. O dono da casa explicou: “Não, sinhô. Esse num é retrato”. “E o que é, então?”, quis saber o moço da cidade. Então o caipira arrematou: “É espeio...”.
Foto principal: Cornélio Pires na Revista Sertaneja (agosto de 1958) / Coleção José Ramos Tinhorão / IMS