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    BB, je t’aime: a histoire d’amour cheia de bossa – e marcha, e samba, e rock – entre Brigitte Bardot et la musique brésilienne

    Fernando Krieger

    tocar fonogramas

    Brevemente darei uma volta ao mundo. Espero demorar-me uma semana no Brasil. Faço questão de ser apresentada a Pelé. Irei assistir a um jogo em que ele tomar parte e quero que Pelé faça um gol para mim!
    (Brigitte Bardot ao jornalista Joaquim Menezes durante o Festival de Veneza – Revista do Rádio, 19/12/1959)

    Não foi apenas uma semana: ela ficaria entre nós por quase quatro meses. A chegada ao Rio de Janeiro foi um verdadeiro acontecimento. Tumulto no aeroporto, fuga cinematográfica, depressão, reclusão, negociação com os jornalistas, coletiva de imprensa, paparazzi para todo o lado, páginas e páginas de jornais e revistas dedicadas a ela. Um enorme rebuliço na então capital federal. De férias na cidade com o namorado da vez, o marroquino-copacabanense Bob Zagury, a musa do cinema ainda ajudaria a colocar no mapa o município de Armação dos Búzios, na época distrito de Cabo Frio, onde passeou e foi feliz por dois verões no mesmo ano de 1964.

    Na verdade, a parisiense Brigitte Anne-Marie Bardot (nascida em 28/09/1934, há exatos 90 anos) já havia chegado com força ao Brasil no final da década anterior – não corporeamente, mas através das letras da nossa música popular. E também do cinema, onde estreara em 1952, aos 17, com um pequeno papel no filme “Le Trou Normand”, de Jean Boyer. Entre 1952 e 1956, faria cerca de uma dúzia de filmes, nenhum de grande destaque para ela. O estrelato e a fama mundial viriam aos 22 anos, em 1956, com “E Deus criou a mulher”, de Roger Vadim, seu primeiro marido.

    Alçada à condição de sex symbol, a sempre polêmica e controversa atriz faria seu début no cinema brasileiro em 1959 pelas mãos – e braços e pernas e busto e boca – de uma deliciosa Norma Bengell, que a personificou/parodiou no seu primeiro filme, “O homem do Sputnik”, dirigido por Carlos Manga, onde fazia o papel de uma sedutora espiã francesa chamada, não por acaso, BB. No rádio e na TV, Brigitte era imitada pela jovem comediante Nádia Maria. La Bardot era figurinha fácil em diversos órgãos da imprensa nacional, como a Revista do Rádio: além de estampá-la vez por outra em suas capas, o periódico trazia na seção “Entrevista teco-teco” a mesma pergunta quando o entrevistado era homem: “Brigitte Bardot é o seu tipo?”.

    Seria certamente o tipo de muitos compositores brasileiros, a julgar pela quantidade de músicas que a tiveram como musa e personagem. Paulo Rogério, em 1959, num samba lançado por Francisco Egydio, sentenciava: ‘Emblema de Paris’ já não é a Torre Eiffel / Emblema de Paris não é mais o velho Sena / Emblema de Paris, Paris, Cidade Luz / É o encanto da pequena BB que nos seduz / Brigitte Bardot, venha ser iaiá desse ioiô / Brigitte Bardot, pra você tem lugar no meu chatô.

    No mesmo ano, Rômulo Paes, Eleandrade e Osmar Zan atacaram com a marcha “Brigitte Bardot” – a primeira das muitas composições que trariam o nome da francesinha no título –, com uma letra curta que é puro nonsense: Você conhece a Brigitte Bardot? Aquilo é que é mulher. Toma banho de chuveiro e não consegue molhar o pé. Ela é boa cabrocha, toma banho é de galocha!

    Ainda de 1959 é o samba sincopado “Bardot e Lolô”, de Marília Batista e Henrique Batista, que Mara Silva levou ao disco. Lollô, no caso, é a atriz italiana Gina Lollobrigida, que apareceria em outras músicas ao lado de sua colega francesa. Com Noel Rosa também citado na letra, o samba diz: Menina que não gosta do meu samba, cintura e busto à Lollô, menina sofisticada / Menina de peruca alvoroçada a la Brigitte Bardot, por que vive a fazer troça daquela coisa muito nossa que se chama bossa, que o estrangeiro não pode aprender e que um brasileiro não deve esquecer? Mas a estrangeira Brigitte mostraria, mais tarde, que iria aprender sim.

    Campeão do Carnaval, Haroldo Lobo – em parceria com Milton de Oliveira e Jair Noronha – encaixou a femme fatale numa marcha bem-humorada em 1960, interpretada por Walter Levita: ‘A Maria tá’ / Tá, sim senhor / Quem disse que tá foi o doutor / Que bom que eu vou ser pai / E o papai vai ser vovô / Se for homem, eu vou botar meu nome / Se for mulher, é Brigitte Bardot. Neste mesmo ano, BB debutou no rock brasileiro. No long-playing “Luiz Wanderley espetacular!”, o cantor mostrou (em parceria com José Batista) a sua admiração/obsessão por “Brigitte Bardot”: Eu só gosto da Brigitte Bardot, eu só quero é Brigitte Bardot / Só vou ao cinema se a fita for francesa e a estrela é Brigitte Bardot / O meu cabelo é Brigitte Bardot, o meu blusão é Brigitte Bardot / Se vejo uma dona, se ela é bonitona / Eu me lembro logo da Brigitte Bardot.

    Será que a “sacerdotisa de toda essa nouvelle vague” – como o crítico de cinema Moniz Vianna a chamou no Correio da Manhã de 01/08/1959 – tinha conhecimento destas “homenagens”? De uma ela teve, com certeza: a marcha de Miguel Gustavo lançada em dezembro de 1960 por Jorge Veiga. O cantor ainda se recuperava de um acidente automobilístico sofrido em 26 de julho quando resolveu entrar no estúdio da gravadora Copacabana de maca e tudo, “para não ficar esquecido no próximo tríduo momesco”, como explicaria ao Diário Carioca de 12/11/1960. Com o astral de sempre, soltou a voz: ‘Brigitte Bardot’, Bardot / Brigitte beijou, beijou / Lá dentro do cinema todo mundo se afobou / BB, BB, BB, porque é que todo mundo olha tanto pra você? Será pelo pé? (Não é!) Será o nariz? (Não é!) Será o tornozelo? (Não é!) Será o cotovelo? (Não é!) Você, que é boa e que é mulher, me diga então por que é que é!

    A marcha “passou quase despercebida do folião carioca”, relataria o Diário Carioca de 24 e 25/09/1961. Então, a surpresa: em visita ao Brasil, o cantor francês Sacha Distel, ex-namorado de Brigitte, escutou o disco, levou-o consigo para a Europa... e a música estourou. A Manchete de 28/10/1961 não deixava dúvidas: “(...) o disco mais vendido na França (...) já atravessou a Cortina de Ferro”, com a marchinha “gravada, agora, em polonês” – e seria também em outras línguas. Chegou ao primeiro lugar na parada de sucessos francesa, como indicava a Revista do Rádio de 11/11/1961. Mesmo recebendo diversas gravações de artistas estrangeiros, inclusive nos Estados Unidos, a que fazia realmente sucesso era a do próprio Jorge Veiga, embora ninguém entendesse a letra.

    “Isso despertou a cobiça da própria Brigitte Bardot, que mandou seus advogados processarem o autor da melodia, exigindo-lhe pelo menos 10 por cento sobre os lucros obtidos”, revelou a Revista do Rádio de 03/02/1962. A Radiolândia do mesmo mês dava mais detalhes: “Foi em Saint-Tropez, onde exibe os seus biquínis, que Brigitte Bardot ouviu a ‘sua’ marchinha carnavalesca. Adorou-a imediatamente. Mas, aconselhada pelos seus advogados, pediu 10% dos direitos autorais... e já os conseguiu”.

    O rótulo do disco com a marchinha de Miguel Gustavo gravada por Jorge Veiga em 1960 (Arquivo Nirez) e a musa durante a entrevista no Copacabana Palace numa foto da revista O Cruzeiro (01/02/1964) reproduzida da internet.

    A “Brigitte Bardot” de Miguel Gustavo receberia inúmeras releituras no Brasil em LPs. Em 78 rotações, haveria apenas mais uma, por Luiz Wanderley, que em 1961 transformaria a marcha num cha-cha-chá, versão lançada em janeiro de 1962. Neste mesmo ano, ela chegaria aos cinemas pela voz da vedetíssima Anilza Leoni, na chanchada “Bom mesmo é Carnaval”, de J. B. Tanko. Menos sorte teria a esquecida marcha “Passarela”, de Jota Júnior e Oldemar Magalhães, defendida por Bill Farr em disco lançado em novembro de 1961 – aqui BB é citada novamente ao lado de Gina Lollobrigida: Ela é boa demais, a turma cai dura pra trás / Faz da rua passarela e todo mundo está de olho nela / De frente, a cara da Lollô / De costas, o jeito da Bardot / Faz da rua passarela / Que pena que eu não sou o dono dela.

    Jorge Veiga estava por cima: em 1962 ele tirou onda com “Caixa alta em Paris”, samba de Gordurinha que aludia ao estouro do cantor na Europa, com menções ao colunista social Ibrahim Sued e ao então presidente francês, Charles de Gaulle: Você vai passar anteontem, hoje eu não vou lhe atender / Acontece que a Brigitte Bardot pelo Ibrahim mandou me dizer / Que o papai é caixa alta na França, é o Ibrahim quem me diz / O Jorginho pesou na balança, estou acontecendo em Paris / Jorge V, Jorge VI, Jorge isso e Jorge aquilo / Agora chegou a vez: Jorge Veiga em grande estilo / Me tirem a casaca no samba, eu vou dançar com a Brigitte Bardot / Napoleão era ‘Bom na parte’, eu sou bom no ouvido, pergunte ao De Gaulle.

    Motivado pelo sucesso de sua criação, Miguel Gustavo apareceu em 1962 com outra na mesma linha: “Carta à Brigitte Bardot”, através da qual o gaiato Jorge Veiga fazia uma proposta tentadora – para ele, não para ela: Brigitte, Brigitte Bardot, eu sou um milionário brasileiro / Eu tenho fazendas de café, eu me chamo Jorge Veiga e sou parente do Pelé... A citação ao jogador se justificava: em várias entrevistas, BB mencionava o nome dele como uma celebridade brasileira que ela gostaria de conhecer. O que de fato aconteceria – mas só em 1971, muito rapidamente, durante um amistoso do Santos Futebol Clube em Paris.

    Continuava o maroto Jorge Veiga: Brigitte, viens ici [venha aqui] / Escreva para Jorge Veiga, Rua Honório, Cachambi (xi!) – detalhe: o cantor morava mesmo nesta rua! Ele seguia argumentando: Brigitte recebe todo dia milhares de propostas pra casar / Mas em música é a primeira, por isso eu acho que BB deve aceitar, xavecava o Caricaturista do Samba, para enfim cair na real: Brigitte, Brigitte Bardot, você pode até mesmo não querer / Mas esta é a proposta que o mundo inteiro queria lhe fazer...

    “(...) Brigitte Bardot acaba de dar entrevista à imprensa francesa dizendo que tem proposta muito boa para atuar na televisão do Brasil – em São Paulo e no Rio”, afirmava a Revista do Rádio de 12/12/1959. De vez em quando pipocavam nos periódicos tupiniquins notícias sobre a vinda da estrela – mas ela nunca vinha. No final de 1962, Risadinha e José Roy resolveram cobrar: ‘Cadê Brigitte’, cadê Brigitte, cadê Brigitte, Brigitte Bardot? / Cadê Brigitte, cadê Brigitte? Onde Brigitte estiver eu vou / Se Brigitte estiver em Roma, em Paris, Miami, Honolulu / Quero Brigitte em Copacabana de biquíni, boa pra chuchu. E não é que seriam atendidos?

    “Novo amor de Brigitte é ‘brésilien’ em Saint-Tropez e ‘francês’ em Copacabana”, dizia a manchete do Jornal do Brasil de 05/09/1963. Até ali, BB, 28 anos, passara por um casamento oficial (com Roger Vadim) e por relacionamentos com o ator Jean-Louis Trintignant, com o cantor Sacha Distel, com o também ator e pintor Jacques Charrier (pai de seu único filho, Nicolas-Jacques, nascido em 1960) e com Sami Frey (mais um ator), além de uma tentativa de suicídio – não seria a única – às vésperas do seu aniversário, em setembro de 1960. Bob Zagury, nascido em Casablanca (Marrocos) e quatro anos mais velho que ela, vivia no Brasil desde 1955, onde se tornara jogador de basquete (pelo Flamengo) e habitué das areias de Copacabana. Por isso, a imprensa da época o identificaria sempre como o “noivo brasileiro” de BB – na prática, duas informações erradas.

    A estrela no Galeão, em 07-01-1964: Brigitte Bardot, de peruca preta, descendo do avião (seguida pelo namorado, Bob Zagury) e no carro que buscou-a na pista do aeroporto para levá-la até Copacabana, onde se hospedou. Fotos do Arquivo Diários Associados do Rio de Janeiro/Acervo IMS

    “(...) Bob apresentou-a ao samba e à Bossa Nova. Era fatal: Brigitte apaixonou-se pelo ritmo brasileiro e, de repente, em La Madrague [obs: nome da mansão de BB em Saint-Tropez] só se ouviam ‘Chega de saudade’ e ‘Maria Ninguém’, com João Gilberto, ‘Mas que nada’, com Jorge Ben, ‘Garota de Ipanema’, com o Tamba Trio, ‘Samba do avião’, com Os Cariocas, e outros hits nacionais da época”, conta Ruy Castro em “A onda que se ergueu no mar” (Companhia das Letras, 2001). No final de 1963, ela própria iria gravar, em português, a “Maria Ninguém” de Carlos Lyra, com a orquestra de Alain Goraguer e o acompanhamento luxuoso do violão de Baden Powell, que, segundo informa Dominique Dreyfus em “O violão vadio de Baden Powell” (Editora 34, 1999), desde novembro morava na capital francesa.

    Foi Zagury quem convenceu BB a passar uma temporada no Rio. A aventura, acompanhada de pertíssimo pelos periódicos da época, pode ser lida com detalhes no livro de Ruy Castro – que dedicou a ela um capítulo inteiro – e em outras fontes, como o artigo “No jardim das delícias: os dilemas de Brigitte Bardot no Rio de Janeiro”, de Everardo Rocha e Lígia Lana, publicado na revista Matrizes, da USP, em 2019. Passados os primeiros dias de tensão com os jornalistas, a pin up das telas deu uma coletiva no Hotel Copacabana Palace e, a partir daí, pôde circular mais sossegadamente. Em Búzios, onde não era conhecida, viveu quase como uma local, distante dos holofotes e de qualquer agitação. “Foi nesta pequena cidade perdida e desconhecida que eu fui mais feliz”, afirmaria ela em 2014 numa carta escrita de próprio punho, enviada aos organizadores da mostra de cinema Búzios-France.

    Não viveria só em Búzios: na sua primeira temporada brasileira, entre 7 de janeiro e 28 de abril, também frequentou o Rio, participando de almoços, saraus musicais e noitadas e convivendo com a fina flor da Bossa Nova: Tom, Vinicius, Carlos Lyra, Nara Leão, Luiz Bonfá, Edu Lobo, Dori Caymmi, Oscar Castro Neves, Tamba Trio, Luizinho Eça, Odette Lara... BB conhecia bem Copacabana: ia a lojas de discos e de antiguidades. “Já era parte da paisagem”, como escreveu Ruy Castro. Voltaria ao Rio em 18 de dezembro; novamente em Búzios, desta vez já bem conhecida dos moradores, não teria o mesmo sossego. Partiria enfim em 11/01/1965 para o México, para filmar “Viva Maria!”, de Louis Malle.

    Partiu fisicamente; mas permaneceria por muito tempo entre nós através da sua presença nas letras das músicas – ainda que a bardotmania já estivesse perdendo força, como mostra a marcha “Receita”, de Vicente Longo e Waldemar Camargo, gravada por Joel de Almeida em 1964 para o LP “Sempre é Carnaval”: Receita pra um bom Carnaval é a morena, produto nacional / Não é a Lollô nem a Bardot de Paris / É você, morena, quem faz meu Carnaval feliz. A música brasileira também iria permanecer de alguma maneira em BB, que emprestaria sua voz sensual a “Tu veux ou tu veux pas?” (“Você quer ou não quer?”), versão em francês de Pierre Cour para “Nem vem que não tem”, de Carlos Imperial, lançada em 1967 por Wilson Simonal e na França em 1969 por Marcel Zanini.

    BB, os fãs e o namorado Bob Zagury (de paletó e gravata na foto à direita) no Copacabana Palace, onde deu entrevista coletiva no dia 10-01-1964. Fotos do Arquivo Diários Associados do Rio de Janeiro/Acervo IMS

    Por que, entre tantas estrelas de cinema, seria justamente BB a contemplada com um grande número de composições em nossa terra? A explicação pode estar no fato de “Brigitte Bardot” ser um nome de rima fácil em português, além de possuir sonoridade e ritmo, um balanço, um suingue. Na concepção de Caetano Veloso – em seu livro “Verdade tropical” (Companhia das Letras, 1997) –, ele tem uma “eufonia algo pop”, assim como Gilberto Gil, Diana Dors e Marilyn Monroe. O compositor confessa: “Brigitte Bardot era uma presença feminina muito mais constante em minha mente do que a de Marilyn”.

    Caetano reverenciaria sua musa – e também a atriz italiana (nascida na Tunísia) Claudia Cardinale – em “Alegria, alegria”, lançada no III Festival da Record em 1967: Em caras de presidentes, em grandes beijos de amor / Em dentes, pernas, bandeiras, bomba e Brigitte Bardot. A canção seria gravada por seu autor no LP “Caetano Veloso”, de 1968 – cuja capa traz o desenho de uma Eva tropicalista que parece ter sido inspirada na própria BB... Já o menestrel Juca Chaves, no samba “Take me back to Piauí” – apresentado num compacto simples de 1970 e presente também no LP “Muito vivo – A sátira de Juca Chaves”, de 1972 –, reconheceria que nem a Cidade Luz nem BB já o seduziam mais: Adeus, Paris tropical, adeus, Brigitte Bardot / O champanhe me fez mal, caviar já me enjoou.

    Por muito pouco la Bardot não entrou para o repertório dos Mutantes. Em sua “Outra biografia” (Globo Livros, 2023), Rita Lee revela que a “Balada do louco” (dela e de Arnaldo Baptista, do LP “Mutantes e seus cometas no país do baurets”, de 1972) seria, originalmente, “Balada da louca”, cuja letra dizia: Se elas são bonitas, sou Brigitte Bardot / Se elas são famosas, sou Luz del Fuegô – “escrevi assim mesmo, com um acento circunflexo para rimar”, explicou nossa roqueira-mor sobre a pronúncia inusitada do nome da conhecida vedete. Em 2018, Rita entrevistou BB para o jornal O Globo, concretizando o sonho de conversar com sua “deusa-mor no panteão dos maiores ídolos do cinema”.

    O tempo, que passa para todos, também foi cruel com a musa – mas não tão cruel como Tom Zé, que pegou pesadíssimo com a quase quarentona atriz em “Brigitte Bardot”, faixa do LP “Todos os olhos”, de 1973: A Brigitte Bardot está ficando velha / Envelheceu antes dos nossos sonhos / Coitada da Brigitte Bardot, que era uma moça bonita (...) / A Brigitte Bardot está se desmanchando / E os nossos sonhos querem pedir divórcio (...) / Será que algum rapaz de vinte anos vai telefonar / Na hora exata que ela estiver com vontade de se suicidar?

    A francesa encerraria a carreira em 1974, mas não o seu périplo pela MPB. Em 1976, no LP “Olé do partido alto – Vol. 2”, Dicró contaria seu “Sonho de besta”: Já veio gente famosa visitar meu barracão: meu compadre Frank Sinatra, Brigitte Bardot e um tal de James Brown / Veio Martinho da Vila, Paulinho da Viola e a Beki Klabin [obs: socialite e atriz] / O Zuzuca do Salgueiro, Benito Di Paula e o Tom Jobim... E quem fez a comida foi a Jackie Onassis!

    “Brigitte machuca os corações masculinos ao confessar, sem o menor receio, que ama sentimentalmente os animais acima dos homens...”, dizia a legenda de uma foto na Revista do Rádio em 09/05/1959. O amor de BB pelos bichos vem de longa data. Em 1978, um adolescente Cazuza (pré-Barão Vermelho e pré-fama) já abordava, bem à sua maneira, esse aspecto dela no poema (nunca musicado) “Brigitte Bardot”, publicado no livro “Preciso dizer que te amo: todas as letras do poeta” (Globo, 2001): Deus é amor sem segredo / Nos olhos do cachorro / E a todo animal que ele quis que visse / Sua obra já pronta / Morro de medo dos teus olhos sem palavras / Bigorrilhos, duques e xerifes / Porque me viciei em sons codificados / Porque eu sei que amar é abanar o rabo / Lamber, latir e dar a pata.

    Os bichinhos em pessoa agradeceriam a atriz em 1983, pelas vozes do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone. “Brigitte Bardot”, de Péricles Cavalcanti, faixa do LP “A farra da terra”, teve participação especial do mano Caetano, citado na letra: Brigitte Bardot, você conquistou o mundo com sua beleza sem tintas, com pintas, sem truques / Brigitte Bardot, você inspirou poetas: o mano Caetano, o brother Bob Dylan et cetera / Brigitte Bardot, você é bonita demais / Você cativou os homens, agora pede liberdade para os animais / Brigitte Bardot, você é um amor, é o nosso disco voador.

    Dois rocks de 1985 celebrariam BB em suas letras: “Olhar 43”, de Luiz Schiavon e Paulo Ricardo, sucessaço do LP “Revoluções Por Minuto”, da banda RPM – Não sei se é caça ou caçadora, se é Diana ou Afrodite, ou se é Brigitte... –, e “Brigitte”, de Joe Euthanazia e Tavinho Paes, que o primeiro gravou em seu LP “Tudo pode mudar”: Vista aquele seu personagem de idade madura / Assuma o comando da nave com a Brigitte Bardot. Mais recentemente, no ano 2000, no LP “Líricas”, Zeca Baleiro lembrou dos primórdios cinematográficos de “Brigitte Bardot” dedicando-lhe uma singela valsa: A saudade é um trem de Metrô subterrâneo, obscuro, escuro, claro, é um trem de Metrô (...) / A saudade é Brigitte Bardot acenando com a mão num filme muito antigo.

    Não consta que BB tenha dado as caras ultimamente em nossa música popular. Menos mal: os versos poderiam acabar ficando sem poesia. Artista até rima com ativista, mas definitivamente não rima com racista nem com extremista – e a agora nonagenária madame Bardot tem deixado muito a desejar com declarações insultosas (ainda que na boa intenção de defender os animais) e com um posicionamento político pra lá de questionável.

    Melhor que fique guardada eternamente em nossa memória como aquele “sonho de mulher”, surgindo de repente em fevereiro como uma “francesinha no salão” para dançar o “Can can no Carnaval”. Ou uma genuína “Garota de Saint-Tropez” arrasando “com umbiguinho de fora” nas praias cariocas, motivando a criação de músicas alegres e descontraídas, como as duas marchinhas acima, das quais ela bem poderia ter sido a musa inspiradora – e quem garante que ela não foi?

    Na foto principal: Brigitte Bardot de sarongue em Búzios nas páginas da revista O Cruzeiro (04-04-1964), clicada por Denis Albanese (reprodução da internet)

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