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    De Guaratinguetá ao Catumbi, aos discos e ao rádio: Bonfiglio de Oliveira, o maior trompete do choro

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Artista dos mais populares do mundo no século 20, Louis Armstrong era o jazz em pessoa. Da década de 1920, quando fez suas primeiras gravações, até a morte, em 1971, rodou o planeta – pessoalmente ou através de seus discos – popularizando não só o gênero musical estadunidense, como o próprio trompete.

    Na música popular brasileira, o instrumento também se fez presente desde os primórdios, nas mãos e no sopro de chorões pioneiros como Henrique Alves de Mesquita, Casemiro Rocha, Luís de Sousa e Albertino Pimentel, entre outros. Nenhum deles, no entanto, foi mais marcante do que Bonfiglio de Oliveira.

    “Foi a figura mais importante do trompete no choro”, na definição do flautista, professor e pesquisador musical Leonardo Miranda, numa entrevista para a série de vídeos “Passagem de Som”, produzida pela Casa do Choro para seu canal no YouTube. Pertencente à “geração que consolidou a linguagem do choro como ela é hoje”, Bonfiglio foi muito atuante nas décadas de 1910 a 30, como compositor e trompetista em discos, no rádio e no teatro. Depois de sua morte, em 1940, o instrumento perdeu espaço como solista à frente de regionais, ainda segundo Miranda: “Os bandolinistas e flautistas acabam sobressaindo e os instrumentos de metais ficam em segundo plano.”

    “Aparentemente, pelo que se pode notar nos registros sonoros das décadas em questão, os trompetistas passaram a se dedicar mais ao repertório das big bands, a outros gêneros musicais com mais destaque no mercado fonográfico ou até mesmo ao repertório orquestral”, explica outro estudioso do tema, o trompetista Juan Varela, na dissertação de seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Música na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), apresentada em fevereiro deste ano – a íntegra pode ser acessada/baixada aqui.

    No texto, Varela destaca a importância de músicos posteriores a Bonfiglio para a história do trompete no Brasil – como Porfírio Costa, Pedroca, Geraldo Medeiros e Plínio Araújo, todos devidamente verbetados no trabalho. Ainda assim, ele argumenta que só na década de 1990 o instrumento recuperou seu protagonismo enquanto solista de choro, graças à atuação do músico-tema de sua dissertação, intitulada “Trompete no choro: abordando o estilo interpretativo de Silvério Pontes”.

    Curiosamente, coube ao próprio Silvério – em pleno contexto de revitalização do choro e do samba – trazer de volta a música de Bonfiglio, especialmente a partir de 1999, quando gravou, em seu dueto com o trombonista Zé da Velha, duas composições do trompetista-chorão: “O bom filho à casa torna” e “Tudo dança”, esta faixa-título do segundo CD da dupla (Rob Digital, 1999), um dos destaques daquele ano. “Começamos a tocar as músicas do Bonfiglio por aí e elas viraram verdadeiros chicletes nas rodas de choro”, relembra Silvério Pontes. “A gente tocava e enchia o salão.”

    Com o novo sucesso, voltava à tona o velho nome de Bonfiglio de Oliveira, ou “Bomfiglio”, como fora registrado em sua cidade natal, Guaratinguetá (SP), com uma grafia ligeiramente diferente da que permaneceu nos discos e na maioria das fontes de referência sobre a música brasileira do início do século 20.

    Há divergências também quanto à data de seu nascimento: ao contrário da maior parte dos verbetes sobre Bonfiglio, segundo os quais ele teria nascido há 130 anos (27-09-1894), a informação foi recentemente corrigida pelo professor e historiador Antônio Figueiredo Júnior, que em suas incursões pelos arquivos de Guaratinguetá (como na Paróquia de Santo Antônio, onde o músico foi batizado) desencavou sua certidão de nascimento. Nela, ficamos sabendo que veio ao mundo precisamente três anos antes, em 27-09-1891.

    Atualizações feitas pelo professor em seu livro “Bomfiglio de Oliveira, o piston mágico do Brasil”, perfil biográfico lançado em abril deste ano com a confirmação de outros dados importantes em sua trajetória: era filho de Maria das Dores e Feliciano José de Oliveira, este músico e primeiro professor do filho, que começou tocando bumbo na Banda União Beneficente, de sua cidade natal. Já na Banda Mafra, o adolescente Bonfiglio passaria a se dividir entre o contrabaixo (instrumento do pai) e o trompete, que aprendeu a tocar com o maestro Acosta, diretor do conjunto.

    O beabá guaratinguetaense de Bonfiglio se completa no Colégio São José, onde estudou, e de cuja banda participou ativamente, sob a batuta de Frederico Gioia, sacerdote salesiano a quem o jovem trompetista dedicou sua primeira composição, o dobrado “Padre Frederico Gioia”. A partir daí, era seguir na banda e ter um emprego, possivelmente como “funcionário público de uma das agências dos Correios” na cidade paulista, segundo Antônio Figueiredo Júnior. Só que o moço, que passou a percorrer cidades do interior com seu trompete, foi parar em Barra Mansa (RJ).

    Isso em alguma noite entre 1910 (de acordo com a maioria das fontes de referência) e 1912 (segundo o biógrafo), quando Bonfiglio foi ouvido pelo violonista Lafayete (irmão do flautista Patápio) Silva, que prontamente convidou-o a vir para o Rio de Janeiro, para trabalhar na orquestra do Cinema Ouvidor. A sala — pioneira a abrigar uma sessão de cinema no Brasil (nos idos de 1896) — foi a primeira das muitas em que Bonfiglio defendeu seu ganha-pão na então capital do país, em orquestras ou pequenos conjuntos que garantiam o som naqueles tempos de cinema mudo.

    “Quando o Bonfiglio chegou de Guaratinguetá, foi morar na minha casa”, contou Pixinguinha na série Depoimentos para a Posteridade, do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (06-10-1966). “Já era um artista, um grande executor.” Desta vez, quem fez o meio-campo foi o principal trompetista brasileiro do começo do século 20, Luís de Sousa, o Sousa Pistão, que escalou o jovem músico para tocar trompete e contrabaixo num sarau em sua residência. “Pixinguinha, seus irmãos e o velho Alfredo também estavam lá e se encantaram com a habilidade de Bonfiglio na execução dos dois instrumentos”, informou o jornalista Sérgio Cabral na biografia “Pixinguinha, vida e obra” (Funarte, 1978).

    A convite do pai de Pixinguinha (o “velho Alfredo”), foi morar na casa deles no Catumbi — um casarão de oito quartos e quatro salas com espaço suficiente para abrigar, além da numerosa família, músicos que necessitassem de pouso. A Pensão Vianna, como o local ficou conhecido, seria futuramente lembrada também pelas rodas de choro que abrigava, com participação não só dos Vianna, como de seus talentosos hóspedes — além de Bonfiglio de Oliveira, passaram por lá o pianista e compositor Sinhô (autodenominado “Rei do Samba”) e Irineu de Almeida, que se chegava à roda tocando trombone, bombardino ou oficleide.

    Foi no velho casarão que o músico recém chegado do interior de São Paulo fez sua imersão no choro — estreitando laços não só com Pixinguinha (iniciante na flauta), como também com seus irmãos Otávio (vulgo China, violão e banjo), Leo (também violonista) e Henrique (cavaquinho). Também se aproximou de outros mestres que frequentavam a roda, como Candinho Trombone, o violonista Quincas Laranjeira e o maestro Heitor Villa-Lobos, apaixonado confesso pela música dos chorões.

    Mas o amigo mais chegado era mesmo Pixinguinha, o flautista adolescente que, naquele início da década de 1910, fazia seus primeiros trabalhos de músico — como numa choperia da Lapa chamada La Concha. “O garoto só recebeu permissão paterna porque o autor do convite fora o seu próprio irmão Otávio e um dos companheiros de trabalho seria Bonfiglio de Oliveira”, conta o jornalista Sérgio Cabral na biografia de Pixinguinha.

    Na choperia La Concha: Bonfiglio de Oliveira no contrabaixo (à esquerda) e Pixinguinha na flauta (à direita) / Coleção José Ramos Tinhorão / IMS

    Logo Bonfiglio ingressou no Choro Carioca, conjunto com o qual o amigo flautista havia estreado em estúdio, na Casa Faulhaber, gravando inclusive composições próprias (1911). Os primeiros discos com a participação de Bonfiglio saíram em 1914, pelo selo Phoenix, como se pode constatar através de intervenções faladas no meio das gravações. “Chora, Bonfiglio! Pistão!”, ouve-se no registro da polca “Carne assada” (Pixinguinha), na qual o compositor tem as companhias também de seus irmãos Léo e Henrique (nos violões) e mais Honório (no cavaquinho), Beto (no bandolim) e Jorge (no bombardino).

    A escalação do conjunto é uma informações dadas pelo pesquisador José Silas Xavier em seu livro “Proezas de Pixinguinha” (Ed. Telha, 2023), que traz também comentários do autor sobre outras gravações desta leva, como a de “Não tem nome”, mais uma composição do flautista imberbe: “É uma polca bonita e Pixinguinha toca flautim nessa gravação, onde sobressai o pistom de Bonfiglio de Oliveira.”

    Seu nome também se destaca na apresentação falada – “Solo de pistom do Bonfiglio!” – que se ouve no início da gravação de “Guará”, polca do trompetista (em homenagem a sua cidade natal) que, assim como a valsa “Rosecler”, está entre as gravações do Choro Carioca lançadas em 1914. As duas não eram, no entanto, as primeiras de autoria de Bonfiglio lançadas em disco: em 1913 já haviam saído – também pela Phoenix – a valsa “Lilinha” e a polca “Aglaeth”, ambas soladas pelo próprio compositor, com acompanhamento creditado a “cavaquinho, violão e trombone”.

    Pixinguinha também estará lado a lado com Bonfiglio nos carnavais: seja brincando em blocos de sujo do Catumbi ou mesmo a trabalho, como na folia de 1917, empunhando seu trompete no Grupo do Caxangá, conjunto “comandado por João Pernambuco e constituído esses anos por Pixinguinha, Caninha, Donga, Bonfiglio, Monteiro Lopes Filho, Osmundo, Nola e outros”, segundo o cronista e escritor Edigar de Alencar, no livro “O fabuloso e harmonioso Pixinguinha” (Ed. Cátedra, 1979). Fora do carnaval, o conjunto era atração de salões como o da Kananga do Japão, um dos pontos altos da Rua Visconde de Itaúna, na desaparecida Praça Onze – ambas varridas do mapa para dar lugar à hoje octogenária Avenida Presidente Vargas.

    Em contraste com os salões de baile e o carnaval de 1917, este mesmo ano teve também “Horas melancólicas”, primeira canção gravada na obra de Bonfiglio (com versos do onipresente Catulo da Paixão Cearense), lançada em disco Odeon no vozeirão de Vicente Celestino.

    Já em 1918, o surto da Gripe Espanhola resultou num hiato em sua estada carioca: depois de contrair a doença, Bonfiglio retorna a Guaratinguetá para se tratar aos cuidados de sua mãe. Além da cura, a temporada seguirá na lembrança do artista por motivos românticos: num sarau, apaixona-se (e é correspondido) pela jovem Glória Escobar, uma das grandes paixões de sua vida. O relacionamento, no entanto, é proibido pelos pais da moça, “por questão de preconceito de cor”, segundo depoimento de Manoel Ângelo, amigo de Bonfiglio, reproduzido por Antônio Figueiredo Júnior na biografia do trompetista. Da tristeza compõe “Glória”, valsa que será gravada em 1931 por Gastão Formenti, com versos escritos por Branca Coelho sob medida para a situação do parceiro.

    Deus, oh, Deus
    Tendo por caridade compaixão
    Piedade da infelicidade
    Que se abriga em mim
    Enviai um raio de esperança
    De rósea bonança
    Para quem não cansa de sofrer assim

    Refeito da gripe, já em 1919 Bonfiglio está de volta ao Rio, onde atua como diretor de harmonia do rancho mais popular do carnaval carioca. “Imortalizou-se no Ameno Resedá”, destaca Alexandre Gonçalves Pinto, o Animal, no livro “O choro: reminiscências dos chorões antigos” (1936), no qual faz um diário afetivo de suas andanças pelas reuniões musicais do Rio do início do século 20. “Como diretor de harmonia, levou este querido rancho ao apogeu e com a beleza de suas marchas.”

    Também reforçou os Oito Batutas – elevando-os a nove – na Exposição do Centenário da Independência (1922) e, já no ano seguinte, quando o conjunto voltou rachado de uma turnê pela Argentina (dando origem aos Oito Cotubas, fundado pelo dissidente Donga), integrou a Orquestra dos Batutas, assim reformatada para se apresentar no cabaré Assírius em maio de 1923. “Além de Pixinguinha, China e Raul Palmeri (do grupo original dos Oito Batutas), integravam a orquestra o pianista José Ribas, Bonfiglio de Oliveira (pistom), Euclides Galdino (o mesmo pianista dos Oito Cotubas), Submarino (bateria) e Luiz Americano (saxofone e clarinete)”, como escala novamente José Silas Xavier no livro “Proezas de Pixinguinha”.

    Com os Batutas em Joinville (SC), em 1927: Bonfiglio de Oliveira é o segundo da direita para esquerda na fila do meio (Coleção José Tamos Tinhorão / IMS)

    Uma amostra de sua ótima forma como trompetista nesta época são gravações como as que fez em 1926, de choros de sua autoria como os ótimos “O vestido de Guiomar” e “Associação Esportiva de Guará”. Outra grata surpresa é o maxixe carioca “O malandrinho”, composição de Bonfiglio lançada em 1925 pelo flautista Edgard Freitas, com acompanhamento do Grupo do Donga.

    Em paralelo à atividade de compositor (deslanchada nesta década de 1920), Bonfiglio seguia em múltiplas frentes de trabalho: lecionava trompete no Instituto Nacional de Música e tocava em orquestras de cinema e teatro – nesta última atividade, um dos pontos altos de sua trajetória foi a participação na Companhia Negra de Revistas, que, liderada pelo ator/autor De Chocolat, fez imenso sucesso em 1926, com o espetáculo “Tudo preto”, no Teatro Rialto. Mais adiante nesse mesmo ano, quando a companhia encenou “Penumbra” (versão negra da revista francesa Ba-Ta-Clan), aproximou-se de Lamartine Babo, um dos compositores do espetáculo.

    Pois o grande Lalá se tornará um dos parceiros mais recorrentes na parte cantada da obra autoral de Bonfiglio de Oliveira. São dele os versos do maxixe “Não posso comer sem molho”, gravado por Francisco Alves e Gastão Formenti (1928), do samba “Sonho brasileiro”, que saiu em disco na voz de Yolanda Osório (1931), e da modinha “Teus olhos castanhos”, lançada por Augusto Calheiros (1930). Uma gravação que “não figurou nas paradas, já àquele tempo duvidosas, mas o seu agrado ficou patenteado na boa vendagem que aquela edição fonográfica teve”, como relatou o cronista Jota Efegê em sua coluna n’O Globo (08-09-1977).

    Teus olhos são dois astros pequeninos
    Que brilham nos meus olhos peregrinos
    Castanhos são os teus olhos cismadores
    Que até parecem dois amores
    Tão cansadinhos de chorar, chorar

    Já o ano de 1930, quando saem as primeiras gravações de novas composições de sua autoria, como o choro “Amoroso” (pelo Quarteto Brunswick) e o samba “Iaiá da Bahia” (por J. Thomaz), é marcado também pela maior homenagem recebida pelo artista em toda a sua trajetória: o presidente da República Washington Luís lhe oferece um trompete prateado gravado com dizeres que dão a dimensão de sua projeção: “Ao maior pistonista do Brasil, Bonfiglio de Oliveira — homenagem do Governo de Washington Luís”.

    Dos anos seguintes à honraria são os primeiros registros de sua trajetória no rádio, iniciada na Mayrink Veiga (como instrumentista e maestro do Programa César Ladeira) e, a partir de 1934, desdobrada nas Rádios Philips (Programa Casé) e Sociedade. Ainda era contratado da Mayrink quando, numa temporada realizada entre março e julho de 1933, apresentou-se em Portugal, na Espanha, na Itália e na França, como músico da Companhia Teatral de Jardel Jércolis, uma das mais prestigiadas no país.

    Já nos estúdios de gravação, o principal marco da década de 1930 na trajetória de Bonfiglio de Oliveira é sua participação em conjuntos da Victor formados por Pixinguinha, arranjador contratado da gravadora desde 1929. Destes destacam-se as orquestras Victor Brasileira e Diabos do Céu e o pioneiro Grupo da Guarda Velha, “admirável conjunto musical, tipicamente brasileiro”, “composto de verdadeiros ases em seus instrumentos”, como publicou o Correio da Manhã (17-01-1932), com a escalação completa do grupo. Nela se vê, além de Pixinguinha e Bonfiglio, os nomes de Luiz Americano (sax e clarinete), Donga (violão e cavaquinho) e Faustino da Conceição, o Tio Faustino, no “tão-tão e instrumentos de batuque”.

    Pois foi justamente sob a direção de Pixinguinha que a Orquestra Típica Victor gravou em 1937 mais uma composição de Bonfiglio de Oliveira dedicada a sua cidade natal, “Saudades de Guará”, até hoje uma das músicas de sua autoria mais tocadas nas rodas e saraus. Ainda mais popular até os dias atuais é o choro “Flamengo” (1931), cuja composição tem inspiração incerta: para alguns pesquisadores, foi feita em homenagem ao bairro (onde o compositor viveu), enquanto outros defendem que é dedicado ao clube rubro-negro, cuja popularidade crescia – assim como a do futebol – naquele início dos anos 1930.

    Em 1932, foi a vez de Bonfiglio gravar outra composição sua que permanece até os dias hoje no repertório das rodas de choro, a valsa “Mar de Espanha”. Uma permanência que se deve, em parte, a Jacob do Bandolim, que incluiu Bonfiglio – de quem regravou também “Glória” e “Flamengo” – entre os chorões primordiais que revisitou em sua discografia.

    Do mesmo ano é o lançamento fonográfico de uma das gravações mais inusitadas do repertório de Bonfiglio de Oliveira: “O vendedor de pipoca”, rumba feita em parceria com Alberto Ribeiro, que comparece na gravação como intérprete, terçando sua voz com a do baterista Luciano Perrone. No acompanhamento está uma certa Orquestra Típica Cubana, que, embora sem instrumentistas creditados, é bem provável que tenha o compositor da música entre os trompetistas que se fazem ouvir ao longo de todo o arranjo.

    Já com acompanhamento dos Diabos do Céu – também sob a direção de Pixinguinha – a década de 1930 assistiu ao lançamento de inúmeras marchinhas carnavalescas de Bonfiglio de Oliveira. Como “Mais uma estrela”, parceria com Herivelto Martins que Mário Reis gravou em 1934 e ganhou nova vida a partir de 1972, quando foi relembrada por Nara Leão na trilha sonora do filme “Quando o carnaval chegar”, de Cacá Diegues.

    Brilhou
    Mais uma estrela no céu
    E a nossa lua-de-mel
    Que mal começou
    Tão depressa se acabou
    Depois
    Que você se despediu
    Mais uma estrela surgiu
    E o coração
    Apagou-se na ilusão

    Já entre as cantoras que fizeram gravações originais de marchinhas de Bonfiglio estão algumas das mais populares da chamada era do rádio. Como Aurora Miranda, que em 1934 gravou “Chorando”, da parceria com André Filho. No ano seguinte foi a vez de Dircinha Batista lançar “O teu sorriso me prendeu”, composta com o baterista Walfrido Silva, também parceiro do trompetista em “Margarida”, marchinha que saiu em disco em 1937, num dueto de Carmen Miranda com Ascendino Lisboa.

    Na última viagem que Bonfiglio de Oliveira fez a Guaratinguetá, em 1939, “estava praticamente cego”, como escreveu seu biógrafo, Antônio Figueiredo Júnior: “As constantes viagens, a vida noturna, seus inúmeros compromissos como músico e uma diabete não tratada adequadamente abalaram profundamente sua saúde.” Ainda assim, participou de rodas de choro, noites musicais em cabarés e uma apresentação – a última em sua cidade natal – no Cine Teatro Central, no antigo Largo do Rosário.

    Sua morte – em 19 de maio de 1940, aos 49 anos incompletos – passou em brancas nuvens na imprensa da época, a julgar pela inexistência de qualquer referência ao fato nos jornais e revistas hoje acessíveis pela Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Uma total indiferença que não chega a surpreender, mas, felizmente, contrasta com a presença de seus choros em repertórios como os do já citado Jacob do Bandolim e Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, que em 1951 lançou em disco a até então inédita “Triste alegria”.

    Já em 1979, foi a vez do flautista Nicolino Cópia, o Copinha, lançar pelo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro um LP inteiramente dedicado ao trompetista-chorão. Entre as 12 músicas do repertório estão inéditas como “Relembrando o passado”, “Contemplando o Paraíba” e os dois choros que seriam retomados por Silvério Pontes e Zé da Velha já na virada entre os séculos 20 e 21: “Tudo dança” e “O bom filho à casa torna”.

    O dueto de trompete e trombone regravaria na sequência outras composições de sua autoria, como “A Cesar o que é de Cesar”, “Flamengo” (ambas em 2000), “Por que choras” e “Saudades de Guará” (estas em 2011), mantendo viva a música de Bonfiglio de Oliveira e fazendo valer o que se lê na lápide sob a qual descansam seus restos mortais, no Cemitério Municipal de Guaratinguetá: “Com a sua arte atingiu a imortalidade.”

    Na foto principal: foto de Bonfiglio de Oliveira sobre colagem (Coleção José Ramos Tinhorão / IMS)

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