Ottilia Amorim é uma das nossas primeiras atrizes. Encontra-se bem em qualquer gênero, é alegre, viva, transmite a sua animação aos papeis de que se encarrega, contagia o público da sua alegria.
(Diário Carioca, 23/12/1932)
Em dezembro de 1932, Ottilia Amorim acabara de fazer 38 anos. Ainda despertava comentários empolgados, como o transcrito acima. E também extasiados, como o de Paschoal Carlos Magno, em artigo publicado no jornal O Radical do dia 18 daquele mês por ocasião da estreia da peça “O Brasil é nosso”, escrita por ele e encenada no Teatro República, Centro do Rio de Janeiro: “Achamos a sra. Ottilia Amorim cada vez mais admirável. Seus números mereceram verdadeiro delírio de aplausos. A sua entrada em cena, na primeira sessão, foi debaixo de palmas e de flores. (...) Ela é uma artista completa: vai do samba, da molecagem e do sacudir das ancas à dama aristocrática, fina, inteligente. Passa da revista para a comédia sem perder o seu brilho de estrela”.
Nenhum exagero, a julgar pelas declarações dos críticos teatrais da época. Mário Nunes, que acompanhou Ottilia praticamente desde o début dela nos palcos, em 1911, mencionou a artista em incontáveis textos, muitos deles transcritos nos quatro volumes do seu livro “40 anos de teatro”, publicado nos anos 1950. “Otília, figura interessante de brasileira, cheia de encantos e dengues, revelando seu valor de atriz, quatro papeis que interpretou bem, provocante de qualquer maneira” (1920); “Ela é uma atriz interessante, graciosa, expressiva e alegre” (1921); “Otília, na melhor época de sua carreira, é atriz completa, representa, canta e dança, agradando plenamente” (1923).
Costumavam ser cheios de júbilo os adjetivos recebidos por essa carioca do Catumbi, nascida há 130 anos, em 13/11/1894, cujo nome era grafado pela imprensa de maneiras diferentes: Otilia, Otília (com acento) e Ottilia, este último – muito usado na época – aqui preservado para dar um charme de “Rio antigo” ao texto. Rio que era não só a capital federal, mas uma espécie de capital dos teatros. A moça passaria por muitos: Carlos Gomes, Chantecler, Pathé, Rio Branco, República, Palace, Centenário, Cassino Beira-Mar, Recreio e principalmente São José, em cujo palco ela pisaria pela primeira vez em 1918 e onde se consagraria como lenda em revistas, burletas e mágicas.
Nas capas: Ottilia Amorim na revista Comedia, edição de 26/07/1919 (Hemeroteca Digital da BN), na partitura de “Zizinha”, no folheto com as letras da peça “Não é nada disso!...”, de 1932 (ambas da Coleção José Ramos Tinhorão/IMS), e na Revista de Theatro e Sport, edição de 03/02/1918 (Hemeroteca Digital da BN)
Ex-interna de um colégio de freiras – do qual saiu aos 12 anos, após a morte do pai, José Amorim, indo trabalhar como costureira na Fábrica Mota Rezende para ajudar a mãe, Cecília, e a família, que passava por dificuldades financeiras –, Ottilia encontrou o caminho do circo por volta dos 15 anos. Na mesma época, faria sua estreia na vida artística através do curta-metragem “Noivado de sangue” (1910). Não teria longa carreira no cinema: estaria ainda em “O conde de Luxemburgo” (1911), “A vida do Barão do Rio Branco” (1912), “Alma sertaneja” e “Ubirajara” (ambos de 1919) e, mais tarde, em “O campeão de futebol” (1931). No longa “Alma sertaneja”, de Luiz de Barros, Ottilia, já uma estrela dos palcos, protagonizou uma ousada cena de nudez numa cachoeira: o Correio da Manhã de 20/04/1919 publicou a fotografia com a legenda “O banho de Maria”, nome da sua personagem.
Como corista, debutou no mundo do teatro de revista – onde brilharia por duas décadas e meia – em 1911, antes de completar 17 anos. Embora o “Dicionário histórico e literário do teatro no Brasil” (Cátedra, 1975) e a “Enciclopédia da música brasileira” (Art Editora/Publifolha, 2000, 3ª edição) afirmem que sua estreia aconteceu na revista “Peço a palavra”, no Carlos Gomes, Bricio de Abreu – que a entrevistou em 1965 para a edição de fevereiro de A Cigarra – traz informação diferente: teria sido na companhia de operetas de Leopoldo Fróes, na peça “Princesa dos dólares”, encenada no Teatro Rio Branco.
O pré-guerra não foi um período tranquilo. “Os anos que precederam a Primeira Guerra foram muito instáveis no Brasil. (...) No teatro, a crise causada pela guerra já se anunciava há alguns meses, antes desta ser deflagrada”, conta Delson Antunes em “Fora do sério: um panorama do teatro de revista no Brasil” (Funarte, 2004). “Fecharam com a guerra o Lírico, o São Pedro, o Recreio, o Carlos Gomes e o Rio Branco. Só o São José resistia impávido e atravessou a crise”, recorda Mário Nunes. Perto do fim da I Guerra (1914-1918), quando os teatros reabriam suas portas, houve outro momento de desespero ainda em 1918, como lembra Nunes: “A terrível epidemia de gripe, a influenza espanhola, que assolou o mundo em setembro e outubro (...). O teatro não podia ser poupado. Numerosos casos se registraram. (...) Na primeira quinzena de novembro, a pouco e pouco, o Rio foi renascendo”. E o teatro de revista foi se modificando.
“O modelo da Revista de Ano caía em desuso (...). Era o início da grande época dos espetáculos carnavalescos, que marcou o período áureo do gênero, as décadas de 20 e 30”, afirma Delson Antunes. Ottilia participou ativamente deste novo formato. A rotina, já desde antes da guerra, era exaustiva: peças encenadas uma após a outra, de segunda a segunda, com até três sessões diárias. Não ficavam muito tempo em cartaz – à exceção das que, adoradas pelo público, conseguiam se segurar por semanas e até meses –, o que torna tarefa quase impossível contabilizar as dezenas de espetáculos dos quais Ottilia tomaria parte em sua longa carreira.
Em 1918, então já bastante popular, ela passou a fazer parte da companhia teatral do São José, capitaneada pelo empresário Paschoal Segreto. “Ali é que conseguiu o seu verdadeiro renome como atriz de revistas. Seus êxitos foram enormes. Tornou-se popularíssima”, recordaria Bricio de Abreu em 1965. Para o São José, Ottilia – exímia maxixeira – chegou a escrever, em parceria com Antônio Tavares, a revista-fantasia “Tango maxixe” (como informou a Revista de Theatro e Sport de 20/09/1919).
Tangos, maxixes, marchas e sambas eram frequentemente lançados nos palcos e depois ganhavam as ruas no período de Momo, podendo até chegar aos discos, como explica Roberto Ruiz no livro “Araci Cortes: linda flor” (Funarte, 1984): “O incipiente rádio ainda não podia dar conta dessa tarefa e era, ainda, dos palcos da revista que saíam, para os estúdios de gravação e as edições de partituras, (...) os êxitos em marchas e sambas”.
Aracy, sua biografada, mostrou às plateias diversas músicas em primeira mão, inclusive sambas; mas não foi ela quem introduziu esse ritmo nas revistas, como explicam o próprio Ruiz – “O samba coube a Otília Amorim” – e Orestes Barbosa, em seu livro “Samba: sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores” (Livraria Educadora, 1933): “Não se pode esquecer Otilia Amorim, a precursora do samba no palco”.
Cantava, representava, fazia a plateia rir (“Otília se se dedicasse à comédia conquistaria honroso lugar”, escreveu Mário Nunes) e dançava – e, nesta última arte, não raros eram os pedidos de bis. Ficariam célebres suas atuações no bailado oriental de “Papagaio louro” (1920) e sua dupla com Pedro Dias em inúmeras peças, com destaque para o bailado acrobático de “O caradura” (1918) e a dança dos “caubóis” da revista “Pé de anjo” (1920), que ainda seria lembrada por décadas.
Jota Efegê, em O Jornal de 07/04/1968, recordou que a peça foi “mantida em cartaz por muito tempo e com um total de representações que varou o de duas centenas”, fato nada comum na época. E ressaltou: “Na verdade a grande atração, o maior êxito do espetáculo, era um fox-trot dançado por Otília Amorim e Pedro Dias com trajes de far-west (...)”. A foto dos parceiros em ação seria publicada tanto em O Malho de maio de 1940 quanto no número de Teatro Ilustrado de janeiro de 1960.
Ottilia Amorim em cena: com Alfredo Silva no Teatro São José (reprodução do livro “Fora do sério”, de Delson Antunes) e com Pedro Dias em “O pé de anjo”, na revista Teatro Ilustrado, edição de janeiro de 1960 (Hemeroteca Digital da BN)
Pela voz de Ottilia, surgiriam nos palcos diversos sucessos em primeira mão, nenhum deles levado ao disco pela grande estrela. Em 1920, causou furor a marcha “Pois não”, de Eduardo Souto e Philomeno Ribeiro, que a vedete cantou em “Gato, baeta & carapicu” – referência aos nomes dos integrantes das três grandes sociedades carnavalescas do Rio de então, respectivamente Fenianos, Tenentes do Diabo e Democráticos. “Foi a canção dominante no Carnaval de 1920, entoada febrilmente nas ruas e nos bailes”, afirma Jota Efegê n’O Globo de 08/02/1972. A música foi gravada apenas em 1922 – mas não por Ottilia.
Outro estouro carnavalesco surgiria em 1925: “Zizinha”, de José Francisco de Freitas, era a “Marcha da folia para 1926”, conforme está impresso na partitura da música, onde também se lê: “Criação da querida artista brasileira Ottilia Amorim na revista ‘Se a moda pega’ da parceria [Carlos] Bittencourt – [Cardoso de] Menezes”. É a foto de Ottilia que aparece na capa da partitura, mas foi o obscuro cantor Fernando que acabou levando para o disco, em 1926, o grande sucesso do maestro Freitinhas.
Ottilia teve a primazia de lançar no teatro, junto com Francisco Alves, ao menos dois grandes êxitos: “Esta nega qué me dá” (de Caninha), da revista homônima de 1921, e o “Samba de verdade” de Brancura e Nilton Bastos, em “Não é isso que eu procuro” (1928). Já o samba “Que vale a nota sem o carinho da mulher”, de Sinhô, teria sido “cantado e dançado por Francisco Alves e Otília Amorim” na peça “Eu quero é nota” (1928), de acordo com o livro “Francisco Alves: as mil canções do Rei da Voz”, de Abel Cardoso Júnior (Revivendo, 1998) – mas Mário Nunes apontava que o par de Ottilia nesse número, que chegou a ser repetido três vezes a pedido da plateia, era Jardel Jércolis.
Em dezembro de 1923 (segundo a revista A Maçã do dia 15), aos 29 anos, Ottilia se casou com o ator César Marcondes, com quem contracenara em diversas ocasiões. Já nessa época era dona da própria companhia de revistas, criada em dezembro de 1922, e rivalizava em popularidade com a (cerca de sete anos mais jovem) estrela Margarida Max.
“É a fase [meados dos anos 1920] em que as mulheres, as grandes estrelas, superam em valor comercial, em objeto de marketing direto, os atores bufos, os astros da farsa. Não se vai mais às revistas principalmente para rir por causa do texto e da mímica (...); vai-se ver a beleza, a sensualidade e o desembaraço corporal de Otília, Margarida [Max], Manoela [Matheus], Aracy [Cortes], as duas Antônias [Denegri e Otello], e ouvir-lhe as vozes, nem sempre maviosas, em cantigas brejeiras, melodias harmônicas e agradáveis, letras maliciosas”, observa Salvyano Cavalcanti de Paiva em “Viva o rebolado! Vida e morte do teatro de revista brasileiro” (Nova Fronteira, 1991).
Mesmo com tudo isso, “A Extraordinária” Ottilia – como ficaria conhecida – não entrava para a indústria do disco. Até a rival Margarida Max, mais jovem e mais nova nos palcos do que ela, gravaria primeiro, em 1929: dois 78 rotações, quatro músicas apenas. Ottilia, ao menos, deixaria mais registros fonográficos – mas ainda assim escassos: onze fonogramas no total. Em um deles, Ottilia aparece também como compositora.
No dia 10/12/1930 – com recém-completados 36 anos –, fez para a Victor seus primeiros registros: “Desgraça pouca é bobagem”, samba de J. Aymberê (José Aymberê de Almeida), e, em dupla com Pilé, “Vou te levar”, marcha de Clínio Júlio d’Epiro e Amil (Vicente de Lima). O disco com as duas músicas foi para as lojas apenas em fevereiro de 1931, quando ela já tinha outro 78 rotações na praça, lançado em janeiro, contendo duas gravações feitas no dia 30/12/1930: o samba-batuque “Nego bamba” e o samba “Eu sou feliz”, os dois de autoria de J. Aymberê. Por esse disco, que representaria de fato sua estreia fonográfica, Ottilia recebeu uma boa crítica na revista Phono-Arte de 28/02/1931:
“Ouvimos a conhecida artista dos palcos cariocas em disco, através a [sic] sua primeira gravação para a Victor. Ottilia se saiu excelentemente da dura prova de cantar diante do microfone, pois gostamos imenso da reprodução de sua voz, que se mostra fonogênica e firme, além da cantora possuir dicção nítida, articulação precisa e entoações claras. (...) Além do mais, (...) mostrou-nos ser em disco ótima tradutora de sambas, (...) em que nos agradou imenso cantando dois bons sambas de J. Aymberê: ‘Eu sou feliz’ e ‘Nego bamba’, este último o melhor e podendo ser taxado de excelente; notamos apenas a esquisita marcação daquela percussão no tamborim, em vários intervalos, que nos pareceu mal enquadrada no ritmo de conjunto”. O crítico mostrava não ter entendido o espírito da coisa: o samba, até então amaxixado, estava tomando outros rumos.
O segundo disco também foi resenhado – sem tanta animação – pela mesma revista: “(...) ouvimos ainda Ottilia cantar, ou melhor, dizer o samba quase falado ‘Desgraça pouca é bobagem’, de J. Aymberê, peça que não se inscreve entre as melhores produções do apreciado autor, e cuja parte vocal é todo tempo acompanhada por piano solo, o que deixa o ambiente vazio para um samba desse gênero, em que o ritmo de conjunto orquestral seria um fator de realce”. O crítico esqueceu de dizer que a interpretação da cantora é deliciosa! Sobre a outra faixa, escreveu o analista da Phono-Arte: “No complemento da chapa, Ottilia e Pilé, já conhecido dos amadores, cantam e dizem de forma gaiata a marcha de Clínio J. d’Epico com letra de V. de Lima intitulada ‘Vou te levar’, boa no gênero”.
Ottilia na revista O Malho de novembro de 1944 (Hemeroteca Digital da BN), numa foto do livro “Viva o rebolado!”, de Salvyano Cavalcanti de Paiva (Coleção José Ramos Tinhorão/IMS) e na Revista da Semana, edição de 01/10/1921 (Hemeroteca Digital da BN)
A seção “Intérpretes em evidência” daquele mesmo número de Phono-Arte (28/02/1931) trazia em destaque os nomes de Francisco Alves, Sílvio Caldas, Mário Reis, Almirante e Arthur Costa; já “no mundo feminino”, o periódico enchia a bola de apenas duas cantoras: Carmen Miranda, “uma estrela ainda a brilhar sem competidora”, e Ottilia, debutante em gravações: “Outra artista já veterana em palco e que ótimo resultado deu em discos foi Ottilia Amorim (Victor) que atuou em excelente forma através [de] algumas chapas carnavalescas. Poderá fazer grande carreira diante do microfone para o qual possui todos os requisitos exigidos”.
É através das gravações deixadas por Ottilia que pode-se avaliar com mais precisão o fascínio que ela exercia nas plateias dos anos 1920 e 1930 – não só as cariocas e paulistas, mas as dos teatros de outros estados onde ela também se apresentava. Não era cantora de vozeirão ou de afinação impecável, mas quanto charme colocava nas suas interpretações! A graciosidade, a brejeirice, a sedução, a malícia que emprestava às suas personagens também estão presentes em seu canto. Em 05/02/1931, aprontou no estúdio da Victor mais dois sambas, “Mangueira” (de João Martins) e o buliçoso “Sem você” (dela em parceria com Otávio França), lançados no mesmo mês. Seus três primeiros discos chamaram a atenção de Mário de Andrade, que, na segunda edição (1933) do seu “Compêndio de História da Música” – segundo relata Lúcio Rangel no Jornal do Brasil de 05/12/1959 –, não poupou elogios à cantora e ao seu repertório.
Sua carreira fonográfica prosseguiria em março de 1931, com mais três sambas. No dia 11, levou ao acetato “Tu não nega sê home”, do pernambucano Nelson Ferreira; no dia 26, gravou mais dois, que a Victor soltaria em maio: o politicamente incorreto “Por amor ao meu mulato” – de Oswaldo Gogliano, o Vadico, futuro parceiro de Noel Rosa – e “Na miséria”, do maestro Gabriel Migliori. Outras duas músicas registradas em estúdio no dia 23 de março em São Paulo – o samba de batucada “Na farra, na venda e na cadeia”, de Josué de Barros, e o “Jongo” de J. Aymberê e Marzullo –, constantes no catálogo da gravadora Victor (veja aqui na página do Instituto Moreira Salles), acabariam inutilizadas e não comercializadas.
Mesmo destino tiveram quatro registros feitos no Rio em 24, 26 e 27 de novembro de 1931: “Mulato de qualidade”, samba de André Filho; “Flor de amor (Não vai zangar)”, samba-canção de João Martins – ambos seriam lançados por Carmen Miranda em 1932; “Isabel”, marcha de André Filho que Gerusa Basto levaria ao disco em 1932; e “Mulata”, samba de Heitor dos Prazeres. Ottilia faria suas derradeiras gravações em disco para o selo Columbia: o 78 rpm saiu em janeiro de 1932 com “Napoleão”, marcha de Joubert de Carvalho, e “Óia a ganga”, samba-macumba de Artur Braga.
Em São Paulo, onde passaria a morar – mantendo também um apartamento no Rio –, seria integrante da Companhia de Comédias Modernas e, em 1935, da Companhia Procópio Ferreira. Nesta década, começou a atuar nas rádios daquela capital, como anunciava o Correio Paulistano de 05/08/1934. Na Record, trabalhou como radioatriz, “a principal figura feminina da Cia. Manuel Durães” (Correio Paulistano, 04/07/1937), e retomou a carreira de cantora (Carioca, 06/11/1937). “Otilia Amorim brevemente iniciará uma série de gravações, na Columbia”. Infelizmente, a notícia divulgada pela Carioca de 18/12/1937 não iria se concretizar. Nos anos 1940, ainda era possível encontrar, na imprensa, matérias sobre sua atuação no rádio – e quase nada sobre sua viuvez: a “Vamos Ler!” de 12/03/1942 trazia a informação de que César Marcondes havia falecido, sem mencionar a data.
Ela se casaria de novo, como informava a Revista do Rádio em suas edições de 01/08/1950 – que mencionava “Oscar Jordão, antigo empresário teatral e marido da ex-atriz Otilia Amorim” – e 18/11/1952 – “Otília Amorim, estrela, durante muitos anos, do teatro de revista, esteve no Rio com seu marido sr. Oscar Jordão (...)”. Ao contrário dos velhos tempos, estava “livre de preocupações financeiras” (O Cruzeiro, 20/11/1954). Em 1955, foi uma das homenageadas – ao lado das atrizes Pepa Ruiz, Antônia Denegri, Manoela Matheus, Margarida Max, Lia Binatti, Gilda de Abreu, Zaíra Cavalcanti e Aracy Cortes – na peça “A grande revista”, de Carlos Machado (conforme notícia publicada em 26/05/1955 em periódicos como Jornal do Commercio e Ultima Hora).
Aos 68 anos, recebeu da Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em 19/08/1963, a medalha e o diploma Homenagem ao Mérito, junto com dezenas de personalidades que “há mais de 25 anos vêm lutando pela melhoria do Teatro Brasileiro”, segundo informava A Noite de 16/08/1963 – no caso de Ottilia, eram mais de 50 anos. Na entrevista de duas páginas concedida a Bricio de Abreu (A Cigarra, fevereiro de 1965), “a maior vedete de teatro de revistas do Brasil” – nas palavras do seu interlocutor – falou sobre a morte do gênero, que dava então seus últimos suspiros: “(...) hoje é diferente. Para fazer Teatro de Revistas, há necessidade de um grande capital. Ninguém vence mais com aventuras teatrais!”.
Diversas fontes indicam como “cerca de 1970” o falecimento da grande estrela. Marcelo Bonavides – que, em sua página na internet, prestou seu tributo a ela, publicando raras fotografias da artista, inclusive duas feitas na década de 1960, pertencentes ao arquivo do Cedoc (Centro de Documentação e Pesquisa) da Funarte –, traz informação diferente: “Otília Amorim faleceu em São Paulo em 1969, segundo o pesquisador Antônio Ribeiro”. Pois a informação procede. O Diário da Noite de São Paulo, em sua edição de 27/12/1969, na coluna “Falecimentos”, publicou os nomes de doze pessoas que haviam partido “ontem, nesta capital” – ou seja, em 26 de dezembro. O décimo nome é o da “Sra. Otilia Amorim Jordão – Aos 75 anos de idade, viúva do sr. Oscar Ribeiro da Silva Jordão”. O sepultamento seria naquele dia no cemitério do Araçá, informava a nota.
Nenhuma menção à grande estrela que brilhara num passado não tão distante assim. Afora esta notinha tão protocolar quanto indigente, sua morte não foi notícia. Passaria ao limbo do esquecimento, como tantos outros artistas do passado, alguns deles apontados por Henriqueta Brieba – ela mesma hoje praticamente desconhecida – no Jornal do Brasil de 18/08/1976: “Trabalhei em muitos teatros, com muitas companhias, nem dá para lembrar mais; ao lado de Alfredo Silva, Otilia Amorim, Cândida Leal, Pedro Dias, todos já morreram e ninguém deve se lembrar mais deles”.
Aqui neste espaço, ela há de ser sempre lembrada: a vedete “petulantemente encantadora”, como Frei Ranzinza a chamou na Revista de Theatro e Sport de 20/12/1919. A “estrela do São José” que, nas palavras do crítico Lafayette Silva (Comedia, 10/05/1919), “Tem a graça e a vivacidade indispensáveis e, por que não dizê-lo, a malícia também (...). Dança, canta, enche uma cena”. Foi Mário Nunes, em O Malho de 02/07/1927, quem fez a definição mais sucinta, precisa e definitiva da querida artista: “Ottilia Amorim – Carnaval de todo o ano”.
Imagem principal: Ottilia Amorim na foto de capa da Revista de Theatro e Sport (03/02/1918) / Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional