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    Mora nos sambas de Monsueto, o showman do Leblon que cantou as mazelas sociais, as gírias e, claro, a dor-de-cotovelo

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    “Vou botar pra jambrar”, bradava o “Comandante”, personagem negro e corpulento que era a síntese do malandro carioca num dos quadros do humorístico Noites Cariocas, uma das maiores audiências da extinta TV Rio na virada entre os anos de 1950 e 60. Entre caretas e gargalhadas, o homem era uma fábrica de gírias e bordões, que enfileirava em suas aparições semanais: “Castiga!”, “Diz!”, “Morou...?” Um tipo que, pela identificação imediata com o povão, caiu nas graças dos telespectadores — a ponto de virar garoto-propaganda de uma das redes varejistas mais populares do país, o Ponto Frio Bonzão.

    Mas aí chegou 1965 e a audiência ficou meio confusa: como assim o “Comandante” é o autor daquele belo e sofrido samba que estava no disco de estreia de Maria Bethânia?

    Eu vou lhe dar a decisão
    Botei na balança, você não pesou
    Botei na peneira, você não passou
    Mora na filosofia
    Pra que rimar amor e dor?

    Os mais chegados à música popular e ao carnaval já sabiam: “Mora na filosofia” era um dos tantos sambas de Monsueto Menezes, o multiartista que, antes de arrancar risadas na TV, já era compositor dos bons. Mas o público médio foi descobrindo aos poucos, à medida que os artistas da nascente MPB passaram a regravar seus sambas. A própria Bethânia gravou mais um dele, “A fonte secou”, em 1969, seguida de Caetano Veloso, que lançou sua própria interpretação (bluesy) de “Mora na filosofia”, em 1972, mesmo ano em que Milton Nascimento gravou “Me deixa em paz”, em dueto com Alaíde Costa, no histórico LP “Clube da esquina”.

    Curiosamente, este último samba – co-assinado pelo discotecário alagoano Aírton Amorim – foi também sua primeira música gravada. Isso no dia 6 de agosto de 1951, data em que Linda Batista foi ao estúdio da RCA Victor para fazer a gravação original do samba que, lançado em disco no mês de outubro, foi um dos mais cantados do carnaval seguinte. “O sucesso foi maior do que eu sonhara”, disse Monsueto, segundo a Revista do Rádio (18-05-1963), ao relembrar a repercussão de “Me deixe em paz” na folia de 1952.

    Nada mal para o rapaz de 27 anos que desde os dezessete atuava como baterista em boates da noite carioca e, já nesse começo dos anos 1950, como músico fixo do conjunto liderado por Copinha – o flautista e maestro Nicolino Copia – no Copacabana Palace. Em shows do hotel realizados por essa época, Monsueto pôde mostrar em primeira mão os sambas de sua autoria que, até então, estavam na gaveta. Como em setembro de 1954, quando teve três composições suas incluídas no repertório de “Fantasia e fantasias”, espetáculo produzido por Caribé da Rocha.

    Um dos achados de Monsueto que estava pronto para ser cantado no show era “Couro do falecido”, mas o samba precisou ser retirado às pressas do repertório, para evitar que a segunda parte fosse entendida – mal entendida, diga-se – como desrespeitosa ao presidente Getúlio Vargas, cuja morte por suicídio (24-08-1954) ainda chocava o país:

    Castiga o couro do falecido
    Bate o bumbo com vontade
    Que a moçada quer sambar
    Castiga o couro do falecido
    Morre um para bem de outros
    A verdade é esta, não se pode negar

    Menos mal que, nessa época, Monsueto já era conhecido também pela autoria do samba “A fonte secou”, sucesso do carnaval de 1954 que, para o crítico Lúcio Rangel, “pode ser colocado entre os dez mais”, como escreveu na revista Manchete (26-05-1973). Neste samba, que daria origem ao spin-off “Eu sou a fonte” (1956), Rangel informa que o compositor “deu parceria a Tuffic Lauar”, nome verdadeiro de Raul Moreno, que canta na gravação original de “A fonte secou”, acompanhado pelo conjunto do trombonista Astor Silva.

    Já no carnaval de 1955 foi a vez de outro samba de amor dolorido colocar Monsueto nas paradas de sucessos: “Mora na filosofia”, que Marlene gravou com acompanhamento de Raul (de Barros, outro mestre do trombone) e Seu Conjunto. Aqui a autoria é dividida com Arnaldo Passos, conhecido divulgador de música popular e parceiro de compositores como Geraldo Pereira, com quem assina “Que samba bom” e “Escurinha”, entre outros sambas.

    Nesse mesmo ano saiu em disco a primeira gravação de outro clássico de Monsueto, “O lamento da lavadeira”, que abre o segmento da crônica social em sua obra. A cantora deste primeiro registro é, de novo, Marlene – a mesma que já vinha fazendo sucesso com os igualmente engajados “Sapato de pobre” (1951), “Lata d'água” (1952) e “Zé Marmita” (1953). Só que, diferentemente de Luiz Antônio, autor destes três sambas (os dois primeiros com Jota Junior, o terceiro com Brazinha), Monsueto não era apenas um observador empático e agudo da injustiça social.

    Nascido há cem anos (04-11-1924), numa favela na Gávea, foi criado em outra, no Leblon: a hoje extinta Praia do Pinto, onde moravam a tia e a avó que, na ausência dos pais do menino (ambos falecidos quando era bem novinho), se desdobravam em serviços domésticos para garantir-lhe casa, comida e criação. O estudo foi só até o quarto ano primário. “Já aos 12 anos de idade, Monsueto começava a trabalhar como eletricista. Depois, preferiu trabalhar numa fábrica de tecidos, para, a seguir, dedicar-se a colar papéis em paredes”, descreveu a Revista do Rádio (18-05-1963). “Foi ainda empregado no Jóquei Clube.”

    Quando serviu ao Exército, já se firmava como “uma espécie de rei dos instrumentos de percussão da Praia do Pinto”, como definiu o Jornal do Brasil (18-03-1973). Tanto que, nas folgas, assim que tirava a farda era comum seguir direto para os salões de baile onde já trabalhava como baterista, numa vida dupla como a do Zé – seu personagem em “A corneta no samba”.

    O já citado Lúcio Rangel conta que o jovem Monsueto também se defendeu como tintureiro – ou quase isso. “Não era dono ou empregado de tinturaria”, detalhou, entre as memórias que escreveu na Manchete (26-05-1973). “Batia à porta das residências e gritava – tintureiro! Os ternos que recebiam eram, então, levados e lavados por um real tintureiro que cobrava 20 mil réis por peça e Monsueto levava-os aos respectivos domicílios cobrando 25. Ganhava assim a vida.” Economizou o suficiente para abrir uma loja em Bonsucesso, mas só até o lançamento de “Me deixe em paz”. “Devido àquele sucesso vendi a tinturaria e a bateria”, contou à Revista do Rádio (18-05-1963).

    Também pôde se dedicar mais à atividade de compositor, com outros retratos sociais em forma de samba que seriam lançados pela incansável Marlene, como “Aperta o cinto” (co-assinado por Jorge de Castro, em 1956) e “Fogo na marmita” (com Aldacir Louro e Amado Régis, em 1958). Já “Na casa de Antonio Job”, que Monsueto assina com Corumba (apelido do pernambucano Marcos Cavalcanti de Albuquerque), saiu em 1961, na voz de Peri Ribeiro:

    Um prato de pirão d'água
    Todos sentados ao redor
    No centro do prato um ovo
    Todos queriam o ovo
    Mas o ovo era um só

    “Se for mesmo aprofundar, considerando-se a agudeza do discurso social de suas letras”, observou o escritor e pesquisador Spirito Santo num texto sobre Monsueto para o site Overmundo (19-06-2007), “talvez ele tenha sido – muito mais do que qualquer Marx ou Engels da vida – a principal referência cultural na minha tomada de consciência, do que significava ser brasileiro, naqueles tempos confusos, onde se curtia uma necessidade imperativa de saborear a vida, correndo atrás da felicidade sim, porém sem nunca deixar de pensar na vida do próximo.”

    Mas, verdade seja dita: era consciente, mas não exatamente engajado em termos ideológicos, como frisa Spirito Santo: em vez de comunismo ou capitalismo, Monsueto “devia ser adepto do ‘sambismo’, nome possível para uma doutrina ideológica onde, evidentemente, só pontificavam os sambistas mais lúcidos.”

    O povão também tem vez em sua obra através do bom humor com que se opõe – “comigo a lei é no molhado!” – à “Lei seca”, rara marchinha (de 1956) neste repertório. Em dizeres do dia-a-dia que deram samba, como “Não tenho nada com isso”, o “Me inclui fora dessa” lá de 1957. Ou em expressões onomatopaicas como “Pororó” (divertida crônica de 1959, em ritmo de samba) ou o “tererê” que vai se formar em “Trote”, samba-choro espirituoso de 1958. Já em “Ziriguidum”, se falta assunto na letra, sobram ritmo, sensualidade e cumplicidade no bate-bola sorridente que Monsueto (“Diz, nêga!”) gravou com Elza Soares (“Gostou, nêgo?”) em 1962.

    Não foi ele que inventou a gíria, mas certamente ajudou a popularizar. “Quando era garoto, uma vez escutei essa palavra, dita não sei por quem”, contou o sambista à Revista do Rádio (18-05-1963). “Era uma palavra que tinha um ritmo gostoso e que não me saiu da cabeça. E eu a lancei em forma de música.” Antes de chegar ao disco, “Ziriguidum” já era um dos números musicais de “Zelão Boca Rica”, show estrelado por Monsueto em 1962 na boate Fred’s, em Copacabana. No local, também foi atração de – e compôs para – outros espetáculos, como “Copa Town” e “Sambamba”.

    Neste último samba – outro de 1962 com mais assunto nas cadeiras do que na letra – quem canta é o próprio compositor, que já atacava de cantor desde 1956, quando fez os primeiros discos de artista na Mocambo, gravando inclusive músicas de outros sambistas, para a incredulidade de alguns na imprensa. “Não acredito”, bradou Everaldo de Barros na coluna Música em Conserva, no jornal A Noite (08-12-1956), quando soube que Monsueto estava para encarar os microfones de estúdios “com sua voz de sinapismo” (NR: cataplasma ou emplastro de ervas).

    Pois ele deu conta e, mesmo sem os requintes pré-bossa-novistas ou os portamentos à antiga, soltou o gogó – fosse sambas alheios, como “Bola branca” (de Estanislau Silva e parceiros), ou nos de sua própria lavra, como “Eu quero essa mulher assim mesmo”, que depois seria relançado por Caetano Veloso com traje roqueiro. 

    Monsueto em cena: cantando entre ritmistas e 'cabrochas' no palco do Teatro Record (Coleção José Ramos Tinhorão / IMS) e posando no estúdio da TV Rio, rodeado por artistas diversos - à frente, Elizeth Cardoso (reprodução do Jornal GGN)

    Entre discos e shows, a década de 1950 ainda viu o sambista abrir uma nova frente artística, como escreveu o crítico baiano Eustórgio Antônio de Carvalho Jr., vulgo Mister Eco, em sua coluna Madrugada, no Diário Carioca (22-03-1957): “Com aquele jeitão de pugilista aposentado, Monsueto Menezes, sambista de raça, encontra Mister Eco na madrugada e vai informando que agora é também artista de cinema”, caricaturou o jornalista. “Que estará segunda-feira nas telas da cidade com o filme ‘Samba na Vila’ e – o que é muito importante – vai falar...”

    A comédia musical, dirigida por Luís de Barros, foi o primeiro dos 14 filmes – onze brasileiros, três argentinos e um italiano – estrelados pelo sambista, que levaria em paralelo aos trabalhos que já fazia na televisão. Fosse cantando seus sambas ou participando, com suas tiradas e caretas, de “um dos quadros humorísticos mais atraentes da TV Rio”, como escreveu a Revista do Rádio, ao jogar luz sobre o programa Noites Cariocas. “Em uma escola de samba fictícia”, relata o texto, Monsueto era “o dono da festa”, na qual contracenava com Blecaute, Chocolate e Gasolina, entre outros.

    Já com as escolas de samba de verdade, o principal marco na trajetória de Monsueto foi no carnaval de 1963, quando, na Avenida Presidente Vargas, cantou “Chica da Silva” (Anescarzinho e Noel Rosa de Oliveira) no desfile que levou a Acadêmicos do Salgueiro ao título de campeã daquele ano. Além de puxar o histórico samba, levou outra recordação especial daquele carnaval, quando chegou em casa de manhã e soube que Vera Lúcia, sua companheira, estava na maternidade. “Havia nascido a menina Verônica enquanto o papai aqui estava na Presidente Vargas”, contou o sambista – que na ocasião já tinha dois filhos e ainda teria mais um – à Revista do Rádio (18-05-1963).

    Mas Monsueto não era ligado a uma agremiação específica, como escreveu o compositor mangueirense Nuno Veloso no Jornal do Brasil (18-03-1973). “Fui eu quem o fez desfilar pela primeira vez numa escola de samba. E ele, sambista consagrado, não se importou de começar pelo princípio, tocando seus atabaques na bateria”, relembrou Nuno, também mestre em Filosofia da Arte e professor universitário. “Mas sua situação de nascido na zona sul e seu profundo amor ao próximo, impedindo-o que escolhesse qual a melhor, fez que nunca se prendesse a nenhuma escola. Durante muito tempo desfilou cada ano numa das grandes.”

    “Escola de samba” era também um dos nomes do conjunto que acompanhava Monsueto nas casas noturnas em que atacava de showman, como informava a programação cultural dos jornais na década de 1960: quando não era “Monsueto e sua escola de samba”, o anúncio dizia “Monsueto e suas cabrochas” ou, ainda, “Monsueto e sua batucada”. Independentemente do nome, o formato era o de sempre: “de bengala, com um apito na boca” e cercado de “jambetes”, o sambista comandava o espetáculo, como informou O Cruzeiro (29-02-1964), fazendo “mais tutu como artista do que como compositor”.

    Segundo a matéria, a trupe estava de malas prontas para se apresentar na Espanha, em Portugal, na França e na África (“para rever a parentada”, brincou Monsueto), para divulgar o samba. Fosse com o telecoteco de “Pratos bossa nova” ou com os versos orgulhosos de “Canta, menina, canta”:

    Lá fora tem o tango
    Tem o mambo
    O sucesso eu não nego não
    Mas o samba está na alma
    Está no sangue e no coração

    Com tantas viagens, shows na noite carioca, discos e apresentações na TV, chovia na horta de Monsueto, como souberam os leitores da Revista do Rádio (12-01-1963). Segundo a publicação, entrava mensalmente “um salário de 270 mil cruzeiros (que recebia do Copacabana Palace), mais 80 mil em discos e 200 mil pelos shows que faz em clubes e televisão”, o que fazia com que fosse, entre os sambistas, o segundo mais bem pago – atrás só de Ataulfo Alves – naquele começo dos anos 1960.

    Ainda assim, Monsueto queixou-se à Candinha, da coluna “Mexericos da Candinha”, na Revista do Rádio no dia 02-10-1965: o sambista desabafou que estava “com muita vontade de deixar de ser cantor e artista de TV”, pois não suportava mais “esperar pagamento de cachês”. Disse que, além de compor, dedicar-se-ia a uma atividade recente, de pintor de quadros, “pois como pintor ganha mais que como artista”.

    Baianas e passistas sobre piano (1968), quadro de Monsueto Menezes dedicado
    a Radamés Gnattali /  Site oficial de Radamés Gnattali ( https://www.radamesgnattali.com.br)

    “Há quem aprecie os quadros de Monsueto. Eu, sinceramente, gosto muito mais dos sambas”, pontuou Stanislaw Ponte Preta – pseudônimo de Sérgio Porto – na revista O Cruzeiro (12-11-1966), para depois fazer um contraponto elogioso. “Sou forçado a concordar que o mais recente quadro do Monsueto me impressionou muito e faria furor numa exposição em Dallas, Texas, Estados Unidos. Monsueto pintou uma Ceia de Cristo. Nela, todos os personagens são pretos. Só o Judas que é branco.”

    Na certa, Stanislaw não se incomodava tanto com sambas como “Rosto bonito”, composição de Monsueto com Caribé da Rocha que, se hoje é indiscutivelmente machista, nos anos 1950, podia ser um mero retrato dos pobres coitados que viviam por aí enfeitiçados pelas beldades ardilosas.

    Toda mulher
    De rosto bonito
    De corpo delgado
    Leva o homem ao pecado

    Mais duradouros são outros sambas de amor sofrido que Monsueto compôs nas décadas de 1950 e 60. Como o suplicante “Cachimbo da paz” (co-assinado por Raul Marques e Plínio Gesta), lançado por Raul Moreno em 1955, mesmo ano em que a jovem cantora Marisa (antes de assumir o sobrenome artístico Gata Mansa) gravou o tristonho “Só eu não” (dele com Silva Correa e Diplomata). Ou o belo “Não emplaca 61”, que, gravado pelos Demônios da Garoa, é mais um na categoria de samba que é especialidade de Monsueto: os românticos e tristes, mas aqui já com o jeitão de MPB.

    Pois foi justamente nesse contexto que Monsueto – cada vez mais showman, comediante e artista de TV na década de 1960 – virou MPB. Primeiro gravando seus próprios sambas no disco “Mora na filosofia dos sambas de Monsueto” (Odeon, 1962) e, depois, cantando os embalos do momento em outro LP, “Bigorrilho” (Polydor, 1964). Foi por essa época que virou assunto nos “papos de intelectuaizinhos nos bares da zona sul graças às regravações de Maria Bethânia e Caetano Veloso”, como salientou Roberto Moura na Tribuna da Imprensa (19-03-1973), não sem revelar o espanto da garotada da época: como podia aquele sujeito caricato que atacava de garoto propaganda do Ponto Frio fazer essas músicas?

    Monsueto já não vivia na Praia do Pinto quando ela foi consumida por um incêndio ocorrido na noite de 13 de maio de 1969. Na favela, então habitada por cerca de 5 mil pessoas, os moradores vinham resistindo bravamente às pressões do poder público, do setor imobiliário e de vizinhos favoráveis à remoção. O impasse, no fim das contas, foi resolvido como em 1967, quando a favela da Catacumba, outra às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, também foi às cinzas e seus moradores, removidos para longe. Entre os da Praia do Pinto, alguns até permaneceram na vizinhança (mudaram-se para a Cruzada São Sebastião, ali ao lado), mas a maior parte foi levada para as longínquas Cidade de Deus (na zona oeste) e Cidade Alta (zona norte).

    “A cobertura da imprensa fala que não houve mortos no incêndio, apenas 32 feridos”, aponta o historiador Mário Sérgio Ignácio Brum em “Memórias da remoção: o incêndio da Praia do Pinto e a ‘culpa’ do governo”, artigo apresentado no Encontro Nacional de História Oral, em 2012 (clique para baixar). “Moradores removidos entrevistados durante a pesquisa apontam que teria havido mortos, sim, mas nunca este número foi quantificado e nem possíveis vítimas (ou seus parentes) identificadas.”

    A julgar pelo que se vê nos periódicos da época, Monsueto não falou publicamente sobre a tragédia. É possível que – embora fosse uma personalidade com raízes na Praia do Pinto – não tenha sido perguntado a respeito. O que se vê nos jornais e nas revistas da virada dos anos 1960 pros 70 é, isso sim, o corre-corre do sambista: do Teatro de Bolso para o Fred’s, de lá para clubes como o Costa Brava e o Israelita Brasileiro, e depois o Sancho Panza, o Drink, a churrascaria Oásis... E uma ponta na chanchada “O rei da pilantragem”, de Carlos Imperial.

    Já em 1971, dublou um dos gatos boêmios no longa de animação “Aristogatas”, da Disney, e participou da gravação original do samba “A tonga da mironga do kabuletê”, samba de Toquinho e Vinicius de Moraes, intérpretes da faixa. “Como o Monsueto era uma pessoa muito engraçada, eu e Vinicius o chamamos para fazer um fanho na faixa, que discursava e não dizia absolutamente nada”, relembrou Toquinho ao jornalista Rodrigo Faour, no site Cliquemusic (11-07-2000). “Falando coisas como se estivesse protestando. Foi muito divertido.”

    Em novembro de 1972, gravava uma cena do filme “O forte”, contracenando com a atriz Léa Garcia, quando passou mal. No Hospital Miguel Couto, onde foi internado, pertinho do conjunto de edifícios – apelidado de “Selva de Pedra” – recém erguidos no terreno de sua Praia do Pinto, os médicos não lhe contaram que tinha câncer no fígado e não viveria muito. Tinha 48 anos quando faleceu, em 17 de março de 1973, na Casa de Saúde São José, em Botafogo, mesmo bairro do Cemitério São João Batista, onde seu corpo foi sepultado, acompanhado por cerca de 300 pessoas.

    “Viveu e morou na filosofia, a melhor delas”, sintetizou o jornalista Luís Pimentel numa crônica sobre ele no jornal O Dia (01-11-2017). E no centenário de seu nascimento, continua sendo um personagem – que personagem! – a ser descoberto em seu próprio país.

    Na foto principal: Monsueto Menezes na Coleção José Ramos Tinhorão / IMS

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