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    Alfredo Le Pera, 125 anos: o parceiro mais importante de Carlos Gardel na criação de tangos imortais nasceu (quem diria) no Brasil

    Fernando Krieger

    tocar fonogramas


    “Que o tango é argentino, não há dúvida. Mas existem coisas ligadas a ele que deixam alguns argentinos, amigos meus, meio chateados. O tango mais famoso é ‘La cumparsita’, autoria de Gerardo Matos Rodríguez, um uruguaio. O autor de 99 por cento das letras dos tangos de Gardel foi Alfredo Le Pera, brasileiro, nascido em São Paulo, mas criado em B. Aires. Outras: o primeiro bandoneón chegou em Buenos Aires pelas mãos de Bartolo, um marinheiro brasileiro. Há um tango cuja letra fala nele”.

    O texto de Ataíde Ferreira publicado no jornal Pioneiro, de Caxias do Sul (22/12/1984), tem um quê de provocativo... mas procede. Ele poderia ter ido mais longe, lembrando que o próprio Carlos Gardel nascera Charles Romuald Gardés no dia 11 de dezembro de 1890, em Toulouse, na França – embora haja quem defenda que ele fosse natural de Tacuarembó, interior do Uruguai. Sobre Bartolo, o brasileiro que teria levado o bandoneón para Buenos Aires por volta de 1870, há na internet páginas que fazem alusão a esse fato, como a do dançarino e coreógrafo argentino Marcelo Solis.

    Quanto a Alfredo Le Pera – que passaria à posteridade como letrista, jornalista, poeta, autor teatral, crítico de teatro e roteirista de cinema –, pode-se afirmar que ele era tão argentino quanto seu amigo e parceiro Gardel, embora, assim como este, tenha casualmente nascido em outro país – no caso, o nosso. As informações sobre sua vida foram sempre bastante desencontradas. Quem jogou alguma luz sobre o assunto foi Martín Correa, no livro “Alfredo Le Pera: El poeta brasilero de Gardel” (Imp. Tradinco, 1993; 2ª edição de 1995), onde algumas dúvidas são tiradas, como as relacionadas à data e ao local do seu nascimento.

    Martín Correa publica, logo nas primeiras páginas da segunda edição, os fac-símiles da certidão de nascimento (a original, manuscrita, e a segunda via do documento, datada de 9 de março de 1994) de Alfredo – registrado assim, sem sobrenome –, filho dos italianos Alfonso Le Pera e Maria Sorrentino, nascido no Brasil, mais especificamente na cidade de São Paulo, em 7 de junho de 1900 – há 125 anos, portanto. O livro traz também a imagem da segunda via da certidão de batismo (de 14 de janeiro de 1994) de Alfredo – novamente grafado sem sobrenome –, onde seus pais aparecem como Affonso Le Pezo e Maria Soorentina; neste registro pode-se ler a mesma data de nascimento, 07/06/1900.

    Após o casamento, Alfonso e Maria vieram para o Brasil, residindo primeiro no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, onde, segundo informação de José Barcia transcrita no livro de Martín, uma “grave epidemia” (de febre amarela ou gripe asiática, as fontes divergem) acabaria tirando a vida do primogênito, Rodolfo, nascido em 1897. Alfredo veio ao mundo no bairro paulistano de Cidade Jardim, segundo sua biografia, embora alguns afirmem que o local correto seria o Bixiga. Quando tinha mais ou menos dois meses, os pais decidiram partir para Buenos Aires, onde tiveram mais um filho, José (em 1904), e uma filha, Elvira.

    Alfredo passou a infância e a adolescência no bairro de San Cristóbal. Em sua época de estudante, no Colegio Nacional Bernardino Rivadavia, chegou a receber uma carta de felicitações do Ministerio de Instrucción Pública por uma extensa monografia escrita para a disciplina de literatura espanhola, do professor e dramaturgo Vicente Martínez Cuitiñ, a quem o jovem aluno ficaria bastante ligado. Ingressou na faculdade de Medicina, abandonando o curso no quarto ano.

    Foi estudante de piano no Conservatório La Salvia. Gostava de frequentar os cafés da Avenida Corrientes e as casas noturnas da região, convivendo com pessoas ligadas às artes cênicas e a círculos literários como o La Siringa, do escritor e ensaísta José Ingenieros. Nos anos 1920, seriam montadas diversas peças de sua autoria, entre elas “La plata de Bebé Torres”, um grande sucesso, escrita com Pablo Suero e Manuel Sofovich.

    Na mesma década, trabalharia como cronista e crítico teatral nos jornais El Telegrafo, El Mundo, El Plata e Ultima Hora. Data dessa época, segundo Jose Rojo Alonso – em texto publicado no livro de Martín –, o primeiro encontro de Le Pera com Gardel – e não teria sido, digamos, dos mais amistosos: “Como jornalista da Ultima Hora, ele certa vez fez uma referência irônica à popularidade e à aparência de ‘compadre elegante’ do Zorzal Criollo [obs: um dos apelidos pelos quais Gardel ficou conhecido]. Gardel foi até o jornal e o repreendeu, quando trocaram palavras ásperas, saindo o cantor mais ou menos desagravado com a explicação do jornalista de que ele havia escrito o artigo a pedido de terceiros”.

    Como tudo na vida de Le Pera, também este primeiro encontro apresenta diversas versões. Pablo e Carlos Taboada, num dos inúmeros textos publicados na internet sobre o letrista de Gardel, contestam a história: “Sempre foi dito que na década de 1920 ele foi cruel com Gardel e que Gardel foi ao jornal para repreendê-lo. A verdade é que, além dessa alusão (mencionada mais de uma vez por um amigo de ambos, Edmundo Guibuorg), não encontramos até o momento a crítica ao cantor” [feita por Le Pera na imprensa]. Já a página “Poesía más poesía” menciona o livro do ator Tomás Simari, “¡Mi historia la escribo yo!”. De acordo com esta fonte – citada também por Martín Correa –, os futuros parceiros teriam se conhecido em 1923, após uma apresentação de Simari no Teatro de Verano.

    Em 1929, segundo Rojo Alonso, Le Pera viajou para Paris, bancado pelo empresário do Teatro Sarmento, “para observar e comprar o que considerasse novidade nas revistas [teatrais]”. Nesta primeira estadia parisiense, aproveitou seu trabalho como jornalista e ouviu, para o Noticias Graficas (de Buenos Aires), personalidades como o ex-presidente argentino Marcelo Torcuato de Alvear. Voltou à Argentina para trabalhar na companhia de cinema United Artists “como tradutor e redator das legendas em espanhol de alguns filmes norte-americanos falados em inglês (...)”. Diz Alonso que ele “dominava os idiomas espanhol, italiano, francês e inglês”. Retornando a Paris, conseguiu entrevistas com o cineasta René Clair e a cantora e dançarina Josephine Baker. Também conseguiria depoimentos de Alfred Hitchcock em Londres e de Marlene Dietrich em Berlim.

    Foi através do estúdio Paramount que se deu a reaproximação de Gardel e Le Pera. As primeiras experiências deste no cinema ocorreram em três filmes rodados na França em 1932 e lançados em 1933, todos estrelados por El Mago Gardel. Como roteirista e coautor de quatro composições – três em parceria com Carlitos e uma com Don Aspiazú, “Por tus ojos negros” –, Alfredo participou do longa “Esperame”, para o qual foi chamado numa tentativa de salvar, num período curto de tempo, um script cheio de estereótipos e inconsistências culturais e geográficas. Da mesma época são o curta-metragem musical “La casa es seria” e o longa “Melodía de arrabal”.

    A safra estadunidense de filmes nos quais Le Pera trabalhou – como autor do argumento e letrista de canções, sempre ao lado de Gardel – começa com “Cuesta abajo” (1934), que tem “Mi Buenos Aires querido” na trilha sonora. Aqui, Le Pera faz uma ponta, contracenando com Gardel e Mona Maris (ver a partir dos 16’37’’). Depois vieram “El tango en Broadway” (1934), “Tango Bar” (1935) – que tem o mega sucesso “Por una cabeza” como tema central – e “El día que me quieras” (1935). Deste último tomaria parte como figurante o menino (então com 13 anos) Astor Piazzolla, futuro ás do bandoneón, numa rapidíssima aparição como um pequeno jornaleiro (veja aos 4’26’’). O livro de Martín Correa cita ainda o filme-revista “Cazadores de estrellas” (1935), no qual Gardel faz uma pequena participação.

    Martín Correa avalia que “(...) o cinema não foi o veículo mais apropriado para Alfredo Le Pera deixar sua memória à posteridade portenha. Seu status como roteirista é provavelmente o menos julgado na penumbra de uma sala de cinema toda vez que, na tela que o público tem diante de si, aparece a imagem de Gardel. (...) A única coisa que realmente importa nos filmes que têm Gardel como um artista incomparável é ele (...). O que a Alfredo Le Pera merece ser creditado, como um impulso criativo com um sotaque pessoal indiscutível e não compartilhado por ninguém, é o mérito de suas estrofes aliadas ao tango, seu profundo senso de tocar com versos a sensibilidade das pessoas”.

    Carlos Gardel, Mona Maris e Alfredo Le Pera numa cena do filme ‘Cuesta abajo’, 1934 (Reprodução da internet)

    Não só em relação ao tango, como assinala Martín: “Ainda há outras coisas na manga, como canções, valsas, melodias, zambas [obs: estilo de música e dança folclórica da Argentina] e, ocasionalmente, foxtrotes”. Martín explica que as músicas “que compõem sua obra completa estão ora repletas de nostalgia, ora de dor de amores mortos, e muitas vezes da amargura que desfila da alma, quando não se consegue esquecer os momentos de felicidade vividos no passado. Seus temas se dividem entre Buenos Aires, o bairro e o amor, e para seu tratamento utiliza apenas uma linguagem culta, ou pelo menos uma linguagem que não recorre às palavras do colóquio comum, e menos ainda àquelas que o lunfardo [obs: designação da gíria argentina] prodigalizava sem reservas aos letristas”.

    José Gobello e Jorge A. Bossio, no livro “Tangos, letras y letristas” (Plus Ultra, 1975), destacam que “Le Pera tentou usar, em suas letras, uma linguagem que fosse inteligível para todo o mundo de língua espanhola, expandindo assim a geografia do tango. É verdade que Gardel, com sua mímica, quebrou as barreiras da linguagem. Como a de todo grande intérprete, sua linguagem era universal. No entanto, isso não significa que deve-se descartar a colaboração de Le Pera, que, ao empurrar o cantor para além do localismo fechado em que se desenvolveu a poética do tango, contribuiu para abrir caminho para uma ampla conquista”.

    No livro de Martín, Jose Rojo Alonso arrisca uma contabilidade: “Reuni, até o momento, os títulos de 41 letras de Le Pera, sendo que 33 foram cantadas e uma dançada nos filmes de Gardel, muitas de gêneros distintos”, como tangos, canções, valsas, rumbas, foxtrotes e zambas, entre outros. A primeira composição a ganhar uma letra de Le Pera, em 1931, foi um tango de Enrique Santos Discépolo, “El carillón de la Merced”. Dois anos depois, a parceria Gardel-Le Pera, já então bastante produtiva, iria começar a entrar no repertório dos artistas brasileiros.

    “¡Qué quieren los brasileños!” é o título de uma peça de autoria de Le Pera, Pablo Suero e Manuel Sofovich. Talvez Alfredo, cuja ligação com seu país de origem era praticamente nenhuma, não soubesse exatamente o que queriam seus compatriotas – que acabariam sendo, de fato, ex-compatriotas: ele e outras pessoas perderiam, através de decreto assinado pelo presidente Artur Bernardes em janeiro de 1926, “os direitos de cidadãos brasileiros, por se terem naturalizado argentinos”, como explicava não só A Noite do dia 15 daquele mês, mas também outros quatro periódicos do dia 16: A Manhã, Correio da Manhã, O Brasil e Jornal do Commercio, todos publicando os nomes dos “contemplados” com o decreto, Le Pera inclusive. Ele possuía, contudo, um amigo brasileiro, o ator Raul Roulien, como declarou em Nova York a Gilberto Souto (Cinearte, 15/10/1934): “Raul e eu somos velhos amigos, de Buenos Aires. Ele trabalhou numa companhia minha” [de teatro].

    Em 1933, sua produção musical começou a aparecer por aqui em discos de 78 rotações, primeiramente na voz de cantantes estrangeiros, como a vedete argentina Lely Morel, que interpretou o tango “Silêncio”, de Carlos Gardel, Alfredo Le Pera e Horacio Pettarossi, acompanhada pelos violões de Tito Sosa e Carlos Portela e pelo piano de Heriberto Muraro. O disco saiu em julho; no mês anterior, a mesma cantora emprestara sua voz ao tango “Melodía de arrabal”, de Gardel, Le Pera e Mário Battistela, desta vez ao lado da Orquestra Típica Pedro Vergez, registro lançado em setembro.

    “Silêncio” e “Melodía de arrabal” fariam parte de um 78 rpm do cantor Progresso Ardanuy (nascido na França, tal como Gardel) que chegou ao público naquele ano de 1933, com os mesmos acompanhantes de Lely Morel: Tito Sosa e Carlos Portela (violões) e Muraro (piano). Já o nosso Rei da Voz, Francisco Alves, seria o primeiro a lançar por essas plagas, num mesmo disco, duas obras-primas do Rei do Tango em parceria com Le Pera. De um lado, a valsa-canção “Amores de estudante”, que recebeu letra em português de Renato Braga, irmão do compositor João de Barro, o Braguinha. Do outro, “Meu Buenos Aires querido”, tango-canção com versão brasileira do próprio João de Barro.

    Gravado por Chico Alves com a Orquestra Típica Victor em 13 de novembro de 1934, o 78 rotações com as duas músicas chegou ao público em janeiro de 1935. Cinco meses depois, aconteceria a tragédia no Aeroporto Olaya Herrera, em Medellín, na Colômbia. Gardel – que detestava voar de avião – encontrava-se em turnê pela América do Sul com seus músicos. Le Pera integrava a comitiva. No dia 24/06/1935, o aeroplano saiu de Bogotá para Cali – onde Gardel iria se apresentar mais tarde –, fazendo uma escala em Medellín para abastecimento. Na hora da decolagem, após a aeronave percorrer normalmente cerca de 500 metros, “quando suas rodas mal haviam saído do chão”, como recorda Rojo Alonso, colidiu violentamente “com outro [avião] trimotor que estava parado e com os motores ligados, aguardando sua vez de decolar para Bogotá”.

    Piloto e passageiros não resistiram ao acidente. Apenas o violonista e cantor uruguaio José María Aguilar (“El Índio”) sobreviveu. Após o seu falecimento em 1951, teve início um horrível boato, publicado inclusive em alguns jornais brasileiros, como o Lavoura e Comércio de Uberaba (MG) de 15/04/1957, O Diário, de Santos, edição de 27/06/1963, e o Jornal da Orla (também santista) de 30/05/1993. Segundo essas e outras fontes, Aguilar teria deixado em seu testamento a história “verdadeira” do desastre.

    De acordo com a sua versão, Le Pera e Gardel haviam se desentendido antes do voo por questões de negócios. Já embarcados, continuaram a discussão. Com o avião prestes a decolar, Le Pera teria atirado em Gardel, mas o tiro acabou pegando no piloto, que perdeu o controle da aeronave, levando-a a colidir com a outra. Dizia-se que Aguilar não contara antes o que aconteceu para não perder o direito à indenização que a companhia aérea pagaria a ele até o fim da vida.

    ‘Recuerdos’: um retrato de Alfredo Le Pera e a capa da partitura de sua primeira composição (‘El carrillón de la Merced’, com Enrique Santos Discépolo) entre fragmentos de uma carta enviada por seu grande parceiro, Carlos Gardel (Reproduções da internet)

    O livro de Martín Correa levanta hipóteses sobre as possíveis causas para o acidente que, 90 anos atrás, acabou causando a morte de Gardel, então com a idade de 44, e Le Pera, com 35. Em relação ao ocorrido, o autor é enfático: “A obra poética de Alfredo Le Pera deve ser resgatada do esquecimento imposto pelas circunstâncias que levaram à tragédia de Medellín, com a qual ele não teve absolutamente nada a ver e à qual, infelizmente, os desorientados contribuíram com sua falsa cota da própria realidade, para a qual teceram considerações caluniosas que causaram estragos por muito tempo. Felizmente, porém, o trabalho árduo dos investigadores serviu para esclarecer definitivamente sua inocência”.

    Francisco Alves voltaria ao repertório de Gardel e Le Pera em 1945, com mais um clássico da parceria – e do próprio tango: “O dia em que me queiras”, com letra em português de Haroldo Barbosa. Na década de 1950, as criações da dupla inundaram o mercado fonográfico dos discos de 78 rotações. Rubens Peniche, em 1952, resgatou “Silêncio” (agora numa versão de Alraqui) ao lado de Alfredo Grossi e sua típica. Haroldo Barbosa, especialista em verter músicas estrangeiras para nossa língua, providenciou novos versos para “Cuando tú no estás”, de Gardel, Le Pera e Battistela, que Emilinha Borba levou ao disco em 1953 com Vero (Radamés Gnattali) e sua orquestra sob o título “Quando tu não estás”.

    No fim do ano, “Melodía de arrabal”, a mesma gravada em 78 rotações em 1933, faria sua reaparição por aqui, desta vez transformada num samba – samba mesmo, não zamba – por Ariowaldo Pires, o Capitão Furtado, e rebatizada como “Melodia de arrabalde”. Sairia num disco da Dupla Ouro e Prata (Miguel Ângelo Roggieri e Oswaldo Cruz), com acompanhamento de Poly (Ângelo Apolônio) e seu conjunto, chegando às lojas em março de 1954. Neste mesmo ano, a composição teria lugar em mais dois acetatos, um de Rolando e outro do paulistano Carlos Lombardi, considerado um dos melhores intérpretes brasileiros de tango. Ainda em 1954, surgiriam por aqui mais três clássicos absolutos do gênero, frutos da parceria Gardel-Le Pera, todos com letras em português do fluminense (do município de Paraíba do Sul) Giuseppe Ghiaroni. Dois faziam parte de um mesmo disco de Albertinho Fortuna: de um lado, “Amargura”; do outro, “Morro abaixo” (“Cuesta abajo”). O terceiro é a imbatível “Por uma cabeça” (“Por una cabeza”), com Alcides Gerardi.

    “Silêncio” ganhou mais duas releituras em 1956: a do argentino Alberto Castel e a de Eladir Porto (que levou ao disco uma letra em português feita por ela própria). No ano seguinte, vieram três gravações de “Sus ojos se cerraron” (“Seus olhos se fecharam”) com versos escritos por Ghiaroni: a de Eladir Porto, a de Francisco Magno e a de Dalva de Oliveira. Na mesma época, José Lopes emprestou sua voz para a “Melodia de arrabal”, agora com letra de João Martucci. No que diz respeito aos 78 rotações, praticamente não haveria mais novidades: em 1959, Albertinho Fortuna resgataria a versão de Eladir Porto para “Silêncio”; a mesma Eladir mostraria a letra de Juracy Rago para “Meu Buenos Aires querido” em 1961; e chegariam ao acetato mais duas leituras do clássico “El día que me quieras”: a de Ivanildo Sax de Ouro (1960) e a de Silvana de Oliveira (1963), esta cantando a versão feita por Haroldo Barbosa, “O dia que me queiras”.

    Como se vê, da vasta obra deixada por Gardel e Le Pera, apenas poucas composições da dupla chegaram aos discos de 78 rotações por aqui. Na era dos long-playings e dos CDs, vieram outras: “Arrabal amargo”, “Caminito soleado”, “Golondrina”, “Guitarra, guitarra mia”, “La vida es un sueño”, “Volver”, “Volvió una noche”... De acordo com pesquisa feita na página do Instituto Memória Musical Brasileira, os artistas que mais gravaram as criações da parceria nos três suportes fonográficos (78 rpm, vinil e CD) são José Lopes (10 músicas), Albertinho Fortuna (9), Lydia Mazzotti (7), Francisco Petrônio e Carlos Lombardi (6 para cada um, mesma quantidade de músicas soladas pela guitarra havaiana de Poly).

    Le Pera não chegaria a ouvir os grandes nomes da MPB que emprestariam seu talento e suas vozes aos clássicos imortais que ele e Gardel legaram à posteridade. Bibi Ferreira abraçou “Cuesta abajo” (também gravada por Caetano Veloso) e “Por una cabeza” (idem por Jair Rodrigues). O vozeirão de Nelson Gonçalves atacou de “Meu Buenos Aires querido”. Já “El día que me quieras” – ou sua versão em português, “O dia em que me queiras” – foi a preferida de uma turma da pesada: Leny Andrade, Toquinho, Luiz Ayrão, Maria Bethânia, Roberta MirandaHebe Camargo e Agnaldo Rayol, Tânia Alves, Rosemary, Ângela Maria e Roberto Carlos.

    Três meses antes do acidente em Medellín, Gardel e Le Pera fizeram, em 25/03/1935, nos estúdios da Casa Victor em Nova York, uma gravação promocional em disco – mas sem música: os amigos e parceiros celebravam a assinatura de um contrato de exclusividade com a gravadora. Nesse raro registro sonoro, pode-se escutar a voz de Alfredo Le Pera no meio da fala de Carlos Gardel, que menciona seus filmes recém-terminados, “El día que me quieras” e “Tango Bar”, e anuncia ainda a turnê que faria pela América Latina.

    “Le Pera foi um poeta imenso, uma sensibilidade, uma poesia, segundo me disseram tanto Lito Bayardo como Julio Jorge Nelson, os historiadores com quem mantive contato. (...) era um homem de temperamento muito introvertido, voltado para dentro, não para fora, e tinha qualidades notáveis como poeta (...)”, declarou o empresário teatral Carlos Roth, citado por Martín Correa. Este, ao comentar a máxima de que “Carlos Gardel canta cada vez melhor”, é taxativo: “(...) se na realidade ‘El Mago’ canta melhor, é por influência leperiana (...)”. E arremata: “Sem desmerecer de forma alguma as notáveis criações que cercaram a carreira de Gardel, quando ele formou uma dupla com Le Pera surgiram suas melhores e mais importantes criações, muitas das quais mantêm sua relevância natural, como ‘El día que me quieras’, admirada por todas as gerações, as de ontem, as de hoje, as de sempre...”.

    Na foto principal: Alfredo Le Pera (de terno mais escuro) com Carlos Gardel em Nova York, 1935 (Reprodução da internet). 

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