Em sua coluna no Jornal do Brasil do dia 11 de outubro de 2004, Ricardo Boechat informava que o Ecad – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – havia concluído, na semana anterior, “a lista com as músicas que mais tocaram nas festas junina e julina pelo Brasil”. Escreveu o saudoso jornalista: “Entra ano, sai ano, ‘Cai, cai, balão’, de Assis Valente (...), está na relação (agora foi quarto lugar). Logo atrás, portanto, de ‘Festa na roça’ (Palmeira e Mario Zan), ‘Pula a fogueira’ (Amor [Getúlio Marinho] e João Bastos Filho) e ‘Esperando na janela’ (Manuca Almeida e Raimundinho)”.
Impressiona que uma música surgida 53 anos antes, cujo nome homenageia um programa homônimo apresentado pelo Capitão Furtado (Ariowaldo Pires) na Rádio Tupi de São Paulo, pudesse ainda liderar o ranking das mais tocadas nos festejos de São João. Pois é esse o caso de “Festa na roça”, de Mario Zan e Palmeira (Diogo Mulero), uma das composições mais conhecidas no gênero, gravada pelo primeiro em fevereiro de 1951. E continua, 74 anos depois, entre as mais executadas, sendo até hoje a mais rentável de todo o repertório de Mario Zan. “Ela é o primeiro lugar do Ecad na festa junina”, confirmou em 2023 a cantora, compositora e apresentadora Mariangela Zan, filha caçula de Mario, em depoimento a André Piunti.
Outro grande sucesso junino de Mario (em parceria com J. M. Alves) é a polca “Sapecando”, levada ao disco em fevereiro de 1953 e lançada em maio. Do outro lado da bolachinha havia um dobrado da mesma dupla, cujo título fazia alusão aos quatrocentos anos de fundação da cidade de São Paulo, que seriam comemorados em 25 de janeiro de 1954. Seus autores, Mario Zan e José Manoel Alves – integrante da Banda da Polícia Militar –, não podiam imaginar o que viria pela frente.
“Ainda agora, a Victor acaba de preparar um cheque para o consagrado acordeonista no valor de CR$ 250.000,00, vendagem esta que não foi conseguida por nenhum artista neste ano e que bem exprime o sucesso maiúsculo conseguido por Mario Zan com a carreira de seu estourado ‘Quarto centenário’, a música que abriu entre nós a faixa dos dobrados”, escreveu o colunista Discóbulo no Mundo Esportivo de 16/10/1953. O êxito da música era indiscutível: a Revista do Rádio de 07/07/1953 informava que o disco caminhava “nas proximidades de 100 mil discos já vendidos” – isso cerca de dois meses após lançado.
Nas capas: Mario Zan nas partituras do dobrado 'Quarto centenário' (com Carlos Galhardo, à esquerda) e da polca 'Serelepe'. Ambas as imagens da Coleção José Ramos Tinhorão / IMS
Segundo a Radiolândia de 21/08/1954, com o dinheiro Mario Zan comprou uma casa, um sítio e acabou de pagar as prestações do seu Chevrolet 52. A RCA Victor vendeu “Nada menos de 600 mil discos, em apenas um ano”, segundo Airton Rodrigues (Revista do Rádio, 09/10/1954). No fim da década, já eram mais de 800 mil exemplares comercializados (Revista do Rádio, 03/12/1960). A revista Manchete (seção “Gente”, 26/03/1988) cravou um total de 1,8 milhão de cópias vendidas. Foi simplesmente um arraso. Mario Zan conseguiu a proeza de reabilitar o dobrado e a tuba – instrumento tocado na ocasião por Amaro dos Santos, ao lado do violão de Piraci e de instrumentos de percussão – e viu sua composição regravada em setembro de 1953 (também com grande êxito) por Carlos Galhardo, desta vez em sua versão com letra.
Até então, o sanfoneiro e compositor não vivenciara um triunfo tão acachapante, embora já tivesse alguns sucessos na bagagem, como o já citado “Festa na roça”. O primeiro deles, de 1948, foi um tango brejeiro com letra de Arlindo Pinto, um dos seus principais parceiros. “‘Segue teu caminho’, gravada por Sólon Sales, já ultrapassou a casa dos sessenta mil discos”, informava a nota da Revista do Rádio de 20/06/1950. Chegaria aos duzentos mil vendidos, como o próprio autor informou na Revista do Rádio de 04/08/1953. Outro grande sucesso viria em 1952: uma música feita anos antes em pleno pantanal.
Ao lado do Capitão Furtado, de Nhô Pai (João Alves dos Santos) e de Nhá Fia (Nair de Campos Motta), Mario Zan percorreu, em 1944, diversas cidades de Mato Grosso e da região onde hoje fica o estado de Mato Grosso do Sul, tocando em cinemas e circos. Chegou em Corumbá numa chalana – nome de uma embarcação típica do local – e ficou hospedado no Hotel São Bento. Nessa ocasião, enamorou-se de uma morena. Mas ela esvaiu-se pelas águas do Rio Paraguai sem dele se despedir. Na janela do hotel, olhando para o rio, Mario compôs a melodia, que mais tarde ganharia letra de Arlindo Pinto: “Oh, chalana, sem querer, tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas vais levando o meu amor”...
A história do conhecidíssimo rasqueado “Chalana” foi contada em matéria sobre o oitentão Mario Zan exibida em dezembro de 2001 no programa “Globo rural”, com direito à exibição de uma foto da musa inspiradora, que o sanfoneiro guardaria com zelo por toda a vida. Originalmente lançada em 1952 no disco de estreia do Duo Brasil Moreno (as irmãs Dora e Antônia de Paula), a música teria inúmeras regravações a partir de então. Ficaria nacionalmente conhecida, em 1990, como um dos temas da novela “Pantanal”, da Rede Manchete, através da inesquecível interpretação dos violeiros Tibério (Sérgio Reis) e Xeréu Trindade (Almir Sater). Também esteve presente no remake feito pela Globo em 2022.
Parceiros: Mario Zan (em foto de Ávila) e Arlindo Pinto (Revista Sertaneja, junho de 1959), co-autores do famoso rasqueado 'Chalana'. Coleção José Ramos Tinhorão / IMS
Na viagem à região central do Brasil, Mario entrou em contato com ritmos próprios do lugar (a polca paraguaia, a guarânia, o rasqueado). Ali surgiriam, além de “Chalana”, outros clássicos do seu repertório, como “Três Lagoas”, “Cidades de Mato Grosso” (com Arlindo Pinto) e dois rasqueados em parceria com Nhô Pai: “Ciriema” (assim aparecendo no disco, em vez de sua grafia correta, seriema, ave muito comum no pantanal) e “Orgulhoso”, que Adelaide Chiozzo e Eliana Macedo cantariam em 1951 no filme “Aí vem o barão” (ver a partir de 1h27’30’’).
Outro enorme sucesso de Mario Zan é uma música que muitos pensam ter sido feita lá fora. Explica-se: em 1958, o Duo Irmãs Celeste gravou o rasqueado “Nova flor”, de Mario Zan e Palmeira. Ainda nos anos 1950, Pepe Avila fez uma versão em espanhol com o nome “Nueva flor” (que Julio Cesar Del Paraguay regravaria como guarânia em 1959), rebatizada posteriormente como “Los hombres no deben llorar”. Em 1975/76, sob o nome “Love me like a stranger”, foi tema da novela “Pecado capital”, na voz dos Lettermen. Em 1976, recebeu letra em alemão e virou “Fremde oder freunde”, na interpretação de Howard Carpendale. Anos depois, Roberto e Erasmo Carlos fizeram outra letra, mudando também o nome da música: “Dizem que um homem não deve chorar” foi levada ao disco por Roberto Carlos em 1992. Também recebeu registros de Julio Iglesias e, mais recentemente, de Bruno e Marrone.
“Nova flor”/“Os homens não devem chorar” teve como inspiração o final do romance de Mario com o grande amor da sua vida, a cantora Mariazinha Vieira, mãe de Noely Lima e, por conseguinte, avó de Sandy e Junior. A própria Mariangela Zan, no bate-papo com André Piunti, confirmou a história. Segundo ela, esta composição rendeu mais do que “Chalana” por ter feito um tremendo sucesso internacional. Há quem pense até que teria sido composta por um autor estrangeiro... e, a bem da verdade, foi mesmo.
“(...) Mario Zan é muito mais brasileiro que milhares e milhares de pessoas nascidas neste abençoado torrão, pois é brasileiro porque o quis. Naturalizou-se”, explicava a Radiolândia de 23/05/1959, apontando para a real origem do sanfoneiro, tratado por parte da imprensa como Mario João, paulistano do Ipiranga. Pois Mario Giovanni Zandomeneghi (pronuncia-se “Zandomênegui”) veio ao mundo no ano de 1920 em Roncade, região do Vêneto, província de Treviso, na Itália. Acabaria se naturalizando brasileiríssimo em 1954. “De italiano só conserva o seu xodó pelo Palmeiras”, brincou Airton Rodrigues na Revista do Rádio de 09/10/1954.
Mario possui duas datas de nascimento: a certidão italiana traz o dia 8 de outubro; no RG brasileiro consta o dia 9, que ficou sendo o “oficial”. Tinha três anos quando chegou ao Brasil, em março de 1924, com os pais, Giuseppe Zandomeneghi e Emma Francisca Carmelo, e os irmãos. A famiglia foi morar em Santa Adélia, região de Catanduva, no interior de São Paulo, onde já residiam alguns parentes.
Sua vocação certamente nasceu com ele. Mas o que o levou à vida artística foi um motivo bem curioso, como recordou Mariangela Zan num vídeo cheio de ótimas histórias, feito por ela em 2020 para o seu canal do YouTube em comemoração aos cem anos do artista: “Quando meu pai era menininho, nas festas que aconteciam na colônia dos italianos, ele via que aqueles assados, aqueles frangos, aquelas carnes bonitas iam todas para os músicos. Os músicos tinham prioridade. Então ele resolveu aprender um instrumento, porque, se ele aprendesse um instrumento, ele teria acesso àquelas comidas gostosas”. Começou a treinar escondido numa sanfona que seu pai havia trocado por uma espingarda e, aos dez anos, estreou animando um baile em Santa Adélia, tocando em cima de uma mesa.
Em 1934, a família foi morar na região do Ipiranga, em São Paulo, onde o jovem Mario começaria a se especializar no instrumento, tendo aulas com Angelo Reale, sanfoneiro e compositor que seria seu parceiro em diversas músicas. Trabalhava numa fábrica de meias para mulheres, enquanto corria atrás de oportunidades para se apresentar nas rádios – o que de fato aconteceria, primeiro na Educadora Paulista, depois na Tupi, na Bandeirantes, na Record... Foi na Bandeirantes que o futuro galã Walter Forster, ao escutar seu nome, resolveu simplificá-lo para Mario Zan.
No início dos anos 1940, época forte dos cassinos, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, então capital federal, onde passou a se apresentar em dancings graças à preciosa ajuda de um colega sanfoneiro que se tornaria um grande amigo, como recordaria Mariangela em 2020: “Meu pai e Luiz Gonzaga foram amicíssimos a vida toda. Se teve uma pessoa que meu pai amou nessa vida foi Luiz Gonzaga. E ele que falou: ‘Eu sou o Rei do Baião. O Rei da Sanfona é Mario Zan’”.
“Ao decidir voltar para São Paulo, Mario Zan levou do Rio experiência e um maior reconhecimento como músico. Provavelmente sua experiência musical na capital da República acentuou no músico sua identidade com as sonoridades do Estado de São Paulo e seus arredores”, avalia Vinicius Moraes Machado de Oliveira em sua dissertação de Mestrado “‘Navegando no remanso’: identidade nacional e música fronteiriça no Brasil – Décadas 1930-1950” (UNESP-Franca, 2022).
O “acordeonista do momento” (segundo a revista Flamma de agosto de 1945) estreou na indústria fonográfica aos 25 anos, em 14 de novembro de 1945, como acompanhante – ao lado de Serrinha, Piraci e Nhô Pai – das pioneiras Irmãs Castro (Maria de Jesus e Lourdes) em duas músicas, o chamego “Sou roceira” (de Cuates Castilla e Ariowaldo Pires), lançado em março de 1946, e a guarânia “Minha pequena” (de Ariowaldo com Antônio Cardoso), lançada em maio. Como autor e instrumentista, fez sua estreia com o rasqueado “Três Lagoas” (uma das músicas que ele havia composto no pantanal) e com a deliciosa rancheira “Brincando com o teclado” (dele e de Nicola Caporrino, o Alocin das parcerias com Adoniran Barbosa), ambas gravadas em 10 de abril de 1946 com acompanhamento dos violões de Serrinha e Piraci. No dia 17 de junho, fez mais dois registros, o da sua valsa “Namorados” (parceria com Luiz Alex) e o do tango “El choclo”, de Angel Villoldo, desta vez com os violões de Santana e Paulino.
As quatro estariam em seus dois primeiros discos, ambos chegados às lojas em setembro de 1946. Dali até 1963 – sem deixar de lançar discos um ano sequer –, acumularia um vasto repertório em 78 rotações: seriam 172 músicas, muitas delas regravadas pelos mais diversos artistas. Na época dos long-playings e dos CDs, lançaria incontáveis álbuns até o início dos anos 2000, quando estava em plena atividade.
Ainda em 78 rpm, também figurou como acompanhante de muita gente, como as duplas Tonico e Tinoco, Nhô Pai e Nhô Fio, Mariano e Cobrinha, Palmeira e Luizinho, além do grupo Demônios da Garoa e dos cantores Paraguassu, Ana Silva (a Inhana da dupla com Cascatinha), Teixeirinha e até Wanderley Cardoso, na “Canção do jornaleiro” de Heitor dos Prazeres, que Mario Zan transformara num baião em 1952, com Enéas Fontana no vocal, e que em 1959 marcaria a estreia fonográfica, aos 14 anos, do futuro ídolo da Jovem Guarda. Também compareceu em diversas gravações sem ser creditado: é dele, por exemplo, a sanfona da versão original – feita por Palmeira e Luizinho em 1946 – de um clássico de Anacleto Rosas Júnior, a moda “Cavalo preto”.
Não tinha gênero que o virtuosíssimo Mario, “Sanfoneiro folgado” e “Serelepe”, não tocasse: até um “Choro bossa nova” ele compôs em 1978. Em todos, exibia sua técnica impecável na sanfona, como na polca “Sombra e água fresca”, nos choros “Trem de ferro” e “Sorrindo”, nas valsas “Que linda é a vida” e “Janelinha escura”. Em 1956, viu o primogênito Osmar Zan estrear em disco aos 18 anos como instrumentista, executando a rancheira “Zan Zan”, parceria do pai com Messias Garcia. Em 1962, Mario compôs o rasqueado “Bom dia, fronteira” em dupla com outro filho, Wanderley.
São cinco os filhos de Mario: Osmar e Wanderley nasceram do casamento com Maria Esteves, também mãe de Mario Nelson. Do relacionamento com Geysa Araújo (cantora do Duo Irmãs Celeste e sua parceira no bolero “Lenda de uma flor”, de 1958) veio a filha Pérola. Depois Mario viveria por cerca de uma década com a mineira Aglaís Lopes, com quem teve a filha Mariangela Zan. Eles se separaram de maneira amigável – segundo Mariangela, eram quase irmãos – e foi a própria Aglaís quem apresentou Mario a Maria Luiza, que se tornaria sua última companheira até o fim da vida.
Mario Zan e a tuba, instrumento restabelecido desde o lançamento de 'Quarto centenário' e presente também em 'Anchieta' (Revista Sertaneja, abril de 1958). Coleção José Ramos Tinhorão / IMS
Estrela da gravação de “Quarto centenário”, a famosa tuba estaria presente em outro dobrado de sucesso, “Anchieta”, feito com Messias Garcia. O próprio Mario Zan o interpretaria no filme “Da terra nasce o ódio”, de 1954 (ver a partir dos 47’37’’), mesmo ano em que sua rancheira “Tempinho bom”, parceria com Sereno, ganharia a interpretação graciosa de Adelaide Chiozzo em “O petróleo é nosso”. “Anchieta”, com sua tuba possante, ainda faria parte em 1961 da trilha sonora de “Tristeza do jeca” (ver a partir de 1h14’40’’), de Amácio Mazzaropi.
Não só a tuba foi protagonista de músicas de Mario Zan: em 1958, ele deu vez a um famoso instrumento de percussão em “Chorando com a cuíca” e “Samba da saudade”, dois lados de um mesmo disco. Mario Zan também abraçaria algumas vezes o baião, como em “Tem pena, moreno”. São dos anos 1960 o choro “Bom de bico” e o “Charleston da saudade”, este solado por Mario e pela guitarra inconfundível de Poly (Ângelo Apolônio).
Já estava lançando LPs de 10 polegadas quando chegou ao mercado, em 1963, seu último disco como intérprete em 78 rotações, contendo o bolero “Fujo de ti” (Waldik Soriano e Jorge Gonçalves) e a guarânia “Choro por gostar de alguém” (Nilton César e Fernando Dias). Já como autor, sua última música lançada em 78 rpm, no mesmo ano, foi a canção “Natal de minha terra”, dele e de Palmeira, pela voz de Francisco Petrônio.
Impossível dar conta, num só post, da vida riquíssima que teve Mario Zan, ativo até o seu falecimento aos 86 anos, em 08/11/2006, na capital paulista, após uma parada cardíaca, deixando “Eterna saudade” em seus familiares e admiradores. Foi sepultado, segundo vontade sua, em frente ao túmulo da Marquesa de Santos. Fascinado pela história de Domitila de Castro Canto e Melo, por muito tempo zelou pela conservação da sepultura da amante de Dom Pedro I. Acabaria providenciando a construção da sua própria de frente para a dela, no Cemitério da Consolação, como foi mostrado no “Globo rural” de 2001.
Mario teve a felicidade de receber, ainda em vida, diversas homenagens, entre elas o Troféu Roquette-Pinto como melhor solista instrumental de 1954 e, por duas vezes (em 1960 e 1962), o prêmio de melhor instrumentista das emissoras de São Paulo, eleito pela Revista do Rádio. Também marcou presença em outras atividades: nos anos 1950, fundou as editoras musicais Carlos Gomes e Santos Dumont. Na década seguinte, foi por algum tempo diretor artístico de gravadoras, começando no departamento popular e sertanejo da RGE, passando depois pela Chantecler e pela Continental.
Já nos anos 1970, notabilizou-se como dono de famosos salões de baile – as casas de festa de então – em São Paulo: no Jabaquara, em Itaquera e na Vila Matilde. “Ele ganhou muito dinheiro nessa época. Mas meu pai administrava dinheiro assim (risos)... Se ele administrasse tão bem quanto ele tocava sanfona, a gente tava rico hoje! (...) Mas ele deu casa pra todos os filhos. Estudo e casa pra todos os filhos”, ressaltou Mariangela no depoimento a André Piunti em 2023. Ao lado da filha, Mario Zan apresentou pela Rede Vida, nas manhãs de domingo, o programa de TV “Mario Zan e seus convidados”, exibido entre 1997 e 1999.
O veterano Mario Zan em seu apartamento em São Paulo, em fotografia de Clovis Ferreira (Digna Imagem), em 04/12/2003 / Reprodução da internet
Somaria diversas participações no programa “Viola, minha viola”, da TV Cultura. Em 2003, aos 82 anos, tocando como nunca, fez no programa “Altas horas” da Globo uma rara aparição sentado – ele só se apresentava em pé (apesar da permanente dor na coluna) desde o “puxão de orelha” que levara do diretor teatral Ziembinsky no Rio de Janeiro, quando este o vira tocar e, segundo Mariangela, teria dito algo do tipo: “Como você vai conseguir dominar uma plateia estando sentado?”. Mario entenderia o recado direitinho.
Para o sesquicentenário da cidade que ele adotou, compôs, com André Dias e Meire Parce, o hino “São Paulo, 450 anos”. No início de 2004, foi homenageado pela escola de samba Rosas de Ouro no enredo “Dos campos de Piratininga à grande metrópole, a história de São Paulo em monumentos”, que celebrava a efeméride da capital paulista. Mario, aos 83 anos, desfilou pela agremiação ao lado da sobrinha Laura e de Mariangela.
“Meu pai amava Carnaval (...). Eu acho que a maior alegria da vida dele, depois do ‘Quarto centenário’, foi o desfile da escola de samba Rosas de Ouro”, recordou sua filha no vídeo de 2020, lembrando de uma cena inusitada: na parte de baixo do carro alegórico estavam os integrantes do conjunto Demônios da Garoa. Eles, de pirraça, ficavam chacoalhando o carro para fazer medo no sanfoneiro, que estava no alto. Para revidar, Mario – fumante inveterado, do tipo dois a três maços por dia – jogava bitucas de cigarro na cabeça deles. “Parecia um bando de moleque brincando”, disse ela.
No Ipiranga, bairro adotado por sua família nos anos 1930, foi inaugurada a Praça Mario Zan, na Avenida Presidente Tancredo Neves, em 16 de março de 2008. Neste mesmo ano, o artista foi um dos enfocados pelo documentário “O milagre de Sta Luzia”, de Sérgio Roizenblit.
Oswaldinho do Acordeon, que aparece tocando no filme ao lado de Dominguinhos e de Mario Zan, resume a importância deste último para os sanfoneiros: “Nas escolas [se] tocava as coisas do Mario Zan, na época de São João. Porque você tem que passar por isso. O primeiro ABC é Mario Zan para tocar as coisas juninas, a ‘Festa na roça’...”. Dominguinhos complementa: “Quando se falava num sanfoneiro, realmente, em São Paulo, se falava em Mario Zan, pela forma de ele tocar. Era um caipira mesmo”. O próprio Mario faz coro: “Eu me considero caipira, sertanejo”. Um ítalo-caipira nato!
Na imagem principal: Mario Zan em fotografia do Studio Tex / Coleção José Ramos Tinhorão / IMS