<
>
/
 
0:00
10:00
autor  
interprete  
    minimize editar lista close

    Todos os esforços foram feitos no sentido de encontrar dados mais precisos sobre a autoria dessa obra. Qualquer informação será bem-vinda.

    Domínio público
    Clique no botão para baixar o arquivo de áudio

    Posts

    Aposentadoria...? Nem pensar! Claudette Soares chega aos 90 com show, álbum novo e muitas memórias pra contar

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas


    O zap pegou Claudette Soares prestes a sair para um ensaio e quase não deu tempo de conversarmos. Acontece que 90 anos não é um aniversário qualquer, ainda mais comemorado no palco (motivo do ensaio) e, assim, passamos à conversa. “Não sou muito chegada a grandes festas, prefiro comemorações mais reservadas, com poucos amigos, mas desta vez o Thiago (Marques Luiz, empresário) resolveu fazer da festa um show e eu gostei”, diz a cantora, em meio aos preparativos para soprar velinhas no Bona Casa de Música, em São Paulo, no próprio dia do aniversário (31-10-2025). “Neste ano os amigos estarão comigo no palco – os pianistas Giba Esteves e Alexandre Viana, fora as canjas – e na plateia.”

    Bastou um elogio inicial – à disposição e à boa forma – para Claudette, sem falsa modéstia, responder ligeira e bem-humorada: “Até acho que estou bem, viu? Mas o tamanho ajuda. Imagina se eu fosse um mulherão, dessas grandonas... Ia ser mais difícil disfarçar a idade, né?” A baixa estatura (1,50m) é tema recorrente na conversa, de tanto que foi determinante para ela desde sempre. “Eu sempre fui baixinha, fazer o quê? Isso que hoje chamam de bullying foi o que sofri na época de escola”, recorda. “Mas eu dava o troco com os rapazes com quem eu saía, todos com mais de 1,80m, como quem diz: olha só o bofe que está com a nanica aqui.”

    Boas companhias nunca lhe faltaram também na música, que no ambiente caseiro era personificada por Tio Antenor, o seresteiro “que cantava igualzinho ao Orlando Silva”, mas não conseguiu ter uma carreira artística, pois, segundo Claudette, “para cantar igual ao Orlando já tinha o próprio Orlando, né?” Já no Colégio Deodoro, na Glória, onde estudou, a música podia acontecer nos bailinhos em que cantava (“Imagina que Wilson das Neves, também aluno de lá, volta e meia me acompanhava”) ou nas aulas de canto orfeônico.

    “O maestro Villa-Lobos, que coordenava o ensino musical no país todo, nos visitava de vez em quando, para assistir aos recitais”, recorda a cantora. “Certa vez, quando fiz a primeira voz no coral, ele reparou em mim e veio perguntar meu nome. Respondi: Claudette Colbert Soares. E ele: ‘Nome de artista, hein? Parabéns!’.” O elogio vinha se somar à convicção da aspirante a diva (“Sempre quis cantar, desde os dez anos de idade”), que arregaçou as mangas e foi à luta, ou melhor: aos programas de calouros. E já que a mãe, D. Dejanira, não apoiava estes primeiros arroubos da estrela mirim, quem estava sempre na primeira fila dos auditórios era a avó, D. Etelvina.

    Estava com a sábia vovó, por exemplo, no dia em que, tentando a sorte no Clube do Guri (programa da Rádio Mauá), cantou acompanhada pelo também calouro Baden Powell, antes de se tornar violonista consagrado. Já quando participou do programa A Raia Miúda (da Rádio Nacional), no Teatro João Caetano, quem estava com ela era a própria D. Dejanira – e aí Claudette fingiu que ia ao banheiro e se desviou até o palco, de onde soltou a voz, diante dos olhos arregalados (e contrariados) da mãe.

    “Eu não tinha um modelo de cantora a seguir, sabe? Tanto que, quando comecei a frequentar os auditórios, me encantavam igualmente a Dalva (de Oliveira), com seu repertório romântico, e aqueles dramas da Nora Ney”, avalia, em retrospectiva. “Repare que são duas vozes completamente diferentes, aliás como a da Emilinha (Borba), que não tinha nada a ver com elas e era outra que eu adorava.” Até que, com seu jeito próprio de cantar, conquistou seu espaço no programa “Salve o Baião!”, atração da Rádio Tamoio que, no embalo do gênero musical que tomava o país naquela virada entre as décadas de 1940 e 50, era um dos líderes de audiência.

    Foi em 1954 que Claudette Soares estreou no programa e, de quebra, virou a “Princesinha do Baião”, assim intitulada pela figura máxima da dinastia, Sua Alteza Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”. “Nos conhecemos na Tupi e foi maravilhoso”, relembra a cantora. “Pois ele, com aquela sensibilidade enorme, me sacou logo: disse para mim que eu, metidinha desse jeito, jamais seria uma cantora de baião.” Engana-se quem pensa que ela discordava: “Eu já sabia que aquilo não era a minha, mas entendi desde o início que era uma oportunidade. E que eu teria que aproveitá-la para ser a cantora profissional que eu sonhava ser.”

    E assim, quando estreou em disco (no mesmo 1954, no mês de junho), eram baiões que estavam nos dois lados do 78 rpm de nº 10.049 da Columbia: de um lado “Trabalha, Mané” (“Com todo o respeito, é chatinho, né?”) e, do outro, “Você não sabe” (“Esse é um pouco melhor.”). O segundo disco foi lançado pela Columbia em novembro do mesmo ano, com “Baião da despedida” e o mambo “Ping pong”, ambos “na mesma linha brejeira, bem popular”, mas ainda distantes das pretensões estéticas da jovem cantora, então com 19 anos.

    “O fato de eu ser mignon me trazia essa outra questão: o repertório que eles entendiam como mais adequado para mim eram essas músicas de menina engraçadinha, espevitada, e não as românticas que eu queria cantar”, observa Claudette, que, enquanto esperava a vez de cantar suas preferências, aproveitava a vivência na Columbia (“uma tremenda gravadora”) como um estágio, ou “uma preparação como jamais imaginei que fosse ter”. “E ainda tive a oportunidade de gravar com orquestra, o que foi para mim outra experiência fundamental.”

    Claudette Soares nos anos 1960 / Foto do Arquivo Público do Estado de São Paulo

    E nada era mais espevitado do que seu terceiro disco, que a gravadora levou às lojas em julho de 1955, com “Se eu pudesse rebolar” (seu último baião lançado em 78 rpm) e, na outra face, “Biruta”, um fox feito sob medida para ela. “Ali está um bom retrato de como eu era naquele momento”, recorda. O retrato cantado tem como autor – com Amado Régis – Eny de Castro Perret, que assina também a composição – com Renato Araújo – do mambo “Garota sapeca”, outra sob medida para Claudette, que a gravou em seu quarto disco, lançado em março de 1956, tendo no lado B o samba “Velho gagá”.

    Foi seu último 78 rotações gravado na Columbia, já que o disco seguinte sairia por outra gravadora, a pequena Repertório. “Uma mudança que veio em ótima hora, pois finalmente pude me aproximar do tipo de música com que eu me identificava”, diz Claudette. “Foi José Messias (radialista, produtor e cantor) quem me viu na noite e entendeu que meu lance era outro. E que eu tinha potencial para ser outra cantora, diferente da que eu vinha sendo na Columbia.”

    Pois foi o que se ouviu no 78 rpm de nº 9.074 da Repertório, que saiu em 1957 com duas faixas que antecipavam a bossa nova – o novo samba estilizado que, oficialmente, só seria inaugurado em meados do ano seguinte, com “Chega de saudade” na voz e no violão de João Gilberto. De um lado, Claudette suingava o sambalanço “Escolinha do bebop”, composição de Carlinhos (Carlos Castilho, violonista), que junto com Bebeto Castilho (seu irmão, no clarinete) e João Donato (no piano) formava o “Conjunto de Boate” – como se lê no rótulo do disco – que a acompanha neste disco.

    Já do outro lado está um dos principais marcos pré-bossanovistas: “Foi a noite”, samba-canção de Tom Jobim e Newton Mendonça que, enfim, inaugura o cancioneiro romântico na voz contralto, quente e bem colocada de Claudette Soares. Nessa época, ela já vinha frequentando a boate do Hotel Plaza, que, além de local referencial na história da bossa nova, foi onde conheceu a cantora Sylvia Telles, “uma das amigas mais queridas que fiz em toda a minha vida”.

    Foi acompanhando Sylvia que, certo dia, conheceu outro endereço fundamental da bossa nova: Rua Nascimento Silva, 107 / 201, em Ipanema, residência de Tom Jobim. “Era aquele homem lindo, alto e que, ainda por cima, estava no piano. Foi ali que ele me entregou o samba-canção ‘Só saudade’, que tive a alegria de gravar.” A gravação, com acompanhamento da Orquestra de José Briamonte, saiu no 78 rpm de nº 15.424 da Mocambo, em maio de 1962, trazendo no lado B o samba “Nós e o mar” (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli).

    Pois foi justamente seguindo um conselho de Bôscoli que Claudette, na época do lançamento deste disco (seu último em 78 rotações), já estava morando em São Paulo. “Ai de mim se eu tivesse ficado no Rio, onde eu seria mais uma de tantas, como ele me disse, quando me deu esta missão, de levar a bossa nova para lá”, reflete a cantora, ao relembrar a mudança, feita em 1961. “Ele me disse que São Paulo era um terreno a ser explorado e eu acreditei, para desespero da minha mãe, que quase me matou.”

    Na companhia do pianista Pedrinho Mattar, virou atração na Baiúca (lendária boate na antiga Praça Roosevelt) e depois no Juão Sebastião Bar e no Ela Cravo e Canela (ambos na Rua Major Sertório), entre outros templos da música paulistana. “Vim me juntar ao Dick (Farney) e ao Johnny (Alf), que já estavam por aqui, e ainda trouxe a Alaíde (Costa), que veio logo depois. Aqui é que fui feliz, sabe?”, avalia Claudette, há dois anos vivendo num condomínio em Arujá, município da região metropolitana de São Paulo.

    Foi também na Terra da Garoa que fez toda a sua discografia em long-playing, a começar por 1964, quando a gravadora Mocambo lançou “Claudette é dona da bossa”, com piano e arranjos do iniciante Cesar Camargo Mariano. Primeiro dos 16 álbuns de carreira, sozinha ou em boas companhias como a de Taiguara, Dick Farney e Leandro Braga. “É uma discografia relativamente curta para a minha carreira, mas é natural, pois sou rebelde. Nestes LPs, só gravei o que eu quis.”

    E continua exatamente assim: no novo álbum que está gravando em comemoração aos 90 anos, terá composições inéditas de veteranos como Roberto Menescal e Marcos Valle a novatos como Silva e Tim Bernardes, além de Nando Reis, Zé Renato e Joyce Moreno, entre outros amigos-fãs de sua arte. “Minha sorte é ser desse tamanho, pois se eu tivesse 1,70m eu seria insuportável”, diverte-se. “Ainda mais que sou escorpiana com ascendente em Áries, sabe lá o que é isso?!”, arremata, pondo fim à conversa, antes de partir, enfim, para o ensaio.

    Foto: Divulgação / Murilo Alvesso

    título / autor
    interprete
    acompanhamento
    disco
    ano