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    Hermínio Bello de Carvalho e a ‘Discografia Brasileira’: relembrando a versão impressa, conhecendo a versão digital

    Pedro Paulo Malta

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    Neste ano, Hermínio Bello de Carvalho não pôde cumprir o ritual de todo 28 de março: chopes gelados e papo furado com velhas amizades na mais carioca das livrarias do Rio, a Folha Seca, na Rua do Ouvidor. Confinado em seu apartamento, em Botafogo, foi por telefone e e-mail que o poeta e produtor recebeu as felicitações por sua chegada aos 85. Até o YouTube serviu de plataforma para um vídeo dedicado a ele pelos professores da Escola Portátil de Música – iniciativa criada no ano 2000 (batizada por Hermínio) e que desde então ensina música através da linguagem do choro.

    “Ah, meu filho... É muita emoção pra mim. Sou sobrevivente de um infarto, dois cânceres e um AVC, né?”, contabiliza o compositor de “Alvorada” (com Cartola e Carlos Cachaça), “Timoneiro” (com Paulinho da Viola), “Pressentimento” (com Elton Medeiros) e “Chão de esmeraldas” (com Chico Buarque), entre outros sambas. Mas a música não tem feito companhia a ele nesses dias de isolamento social. “Quando quero ouvir alguma coisa, gosto de ligar na Rádio Ministério da Educação, mas tenho passado mais tempo na frente da TV, assistindo principalmente a noticiários e novelas. Mas quando vem programa de música, é aquele monte de porcarias, né?”

    Por esse motivo vem se dedicando há alguns anos a encontrar gravações dos programas que apresentou e produziu na TVE (hoje TV Brasil) durante a década de 1980, como Água Viva, Contraluz, Lira do Povo e Mudando de Conversa. No YouTube, há trechos dessas produções, como entrevistas com Aracy de Almeida, Cauby Peixoto e Dorival Caymmi e um dueto inustado de Tetê Espíndola com Clementina de Jesus. Quelé, como era chamada, foi a mais célebre descoberta de Hermínio e já era sexagenária quando trocou o uniforme de doméstica pela carreira de cantora em 1965, no famoso espetáculo “Rosa de Ouro”, produzido por ele e dirigido por Kléber Santos no Teatro Jovem, na Praia de Botafogo.

    Já com livros publicados e discos produzidos (entre eles o primeiro de Clementina), Hermínio ingressou na Funarte na segunda metade da década de 1970. Foi lá, como diretor do departamento de Música, que se inspirou no projeto Seis e Meia – ideia do produtor Albino Pinheiro que previa shows populares programados no horário ocioso dos teatros do Rio – para formatar o Projeto Pixinguinha, que a partir de 1977 percorreu o Brasil com turnês musicais a preços populares. Outro projeto que contou com sua participação decisiva foi a pesquisa que resultou na primeira versão da “Discografia Brasileira 78 rpm”, publicada pela Funarte, em cinco volumes, em 1982.

    “Um dia, eu estava na Funarte quando Jairo Severiano (pesquisador fundamental da música brasileira) me procurou para consultar sobre a possibilidade de publicarmos aquele levantamento de dados sobre os discos de 78 rotações”, relembra Hermínio, referindo-se ao trabalho de Jairo com os pesquisadores Miguel Ângelo de Azevedo (o Nirez), Grácio Barbalho e Alcino Santos. “Me lembro que recorri a um diretor da Xerox e ele me disse que tinha justamente uma máquina nova que precisava ser colocada em teste. E assim ela foi testada, imprimindo as mil cópias dos cinco volumes da ‘Discografia Brasileira’, que foi a tiragem que conseguimos imprimir.”

    A conversa rebobina à época dos discos de 78 rotações e a memória de Hermínio vai até o sobrado de nº 19 da Rua Hermenegildo de Barros, na Glória, onde viveu até 1950: “Na minha casa, era disco ou rádio o tempo todo. Minha irmã, Gilda, estudava canto lírico e volta e meia ouvia ópera. Enquanto a música tocava, outro irmão nosso, o Hermano, regia uma orquestra imaginária.”

    A música também fazia parte da rotina acadêmica de Hermínio, na Escola Deodoro, onde tinha aulas de canto orfeônico – disciplina que se tornou obrigatória no Brasil durante a década de 1930, num projeto de educação musical liderado pelo maestro Heitor Villa-Lobos. “Me lembro de uma vez que o próprio Villa esteve lá na escola, assim como sua segunda esposa, Mindinha, e Lorenzo Fernandez, também grande maestro e compositor. Visitas marcantes de personagens ilustres que nunca mais esqueci.”

    Mas o repertório preferido do adolescente Hermínio eram mesmo as músicas de carnaval, fossem marchinhas ou sambas. “A primeira vez que me apresentei em público, novinho ainda, foi cantando ‘Periquitinho verde’, num sarau na casa de um vizinho. Fez sucesso, o pessoal gostou muito.” A marcha de Nássara e Sá Roris foi a deixa pra voltarmos ao site da Discografia Brasileira, onde o poeta buscou e encontrou a primeira gravação da música, feita por Dircinha Batista em 1937 e lançada pela Odeon no início de 38. Em seguida, foi atrás de gravações de Aracy de Almeida e se espantou com as 331 ocorrências que resultaram da busca.

    “O Jairo tem que ver isso!”, exclamou o poeta, informado em seguida que o pesquisador já até escolheu suas dez mais aqui no site. “Ficou lindo! Um belo resultado de todo aquele trabalho deles, que originou aqueles cinco volumes impressos, que se tornaram fundamentais para biografias, enciclopédias, livros de referência e outros trabalhos feitos em seguida. Aliás... Sabe que eu não fiquei com nenhum exemplar daquilo?”

    Pois bem, Hermínio... Seus problemas acabaram. Sempre que precisar, a casa é sua.

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