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    140 anos de um mestre: o ‘saudoso’, ‘dengoso’, ‘magoado’ e ‘brasileirinho’ João Pernambuco, o Poeta do Violão

    Fernando Krieger

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    Eu acho que João Pernambuco tinha dentro de seu choro um caráter meio nordestino. Diferenciava-se muito de Nazareth, pois este era muito carioca, cosmopolita com o choro, enquanto Pernambuco era mais raiz, como um diamante bruto, era a força da natureza. (Turibio Santos)

    João Pernambuco é um enigma. Como pôde ele fazer toda aquela obra, ter aquela consistência harmônica que ele tinha, naquela época? (...) João Pernambuco era uma antena, ele captava tudo que podia ouvir, e aplicava tudo com a maior naturalidade. (Raphael Rabello)

    De violonistas para violonista, de mestres/discípulos para um dos maiores nomes do violão brasileiro. As palavras acima refletem a grandeza de João Pernambuco, compositor e instrumentista dos mais importantes e genuínos de nossa música popular, cujos 140 anos de nascimento celebramos no dia 2 de novembro.

    A “isca da obra de João Pernambuco”, segundo Turibio Santos em depoimento para o livro “João Pernambuco, arte de um povo” (Funarte, 1982), de José de Souza Leal e Artur Luiz Barbosa – de onde foram retiradas as duas declarações que abrem o texto –, é “Sons de carrilhões”, constante do “repertório de todo violonista brasileiro que se preza” – assim como o choro-estudo “Brasileirinho” (não confundir com o choro homônimo de Waldir Azevedo). Turibio segue explicando que “‘Sons de carrilhões’ é o som do eixo do carro de boi e não som de sino. O eixo do carro de boi em fricção com a madeira é que dá aquele barulho, aquela coisa monótona que por exemplo aparece no filme ‘Vidas secas’ [ver a partir dos 33’40’’], aquilo que é o som do carrilhão do choro de João Pernambuco”.

    Som que certamente João escutou bastante na sua infância em Jatobá, no sertão pernambucano, onde nascera em 02/11/1883, filho de um português com uma descendente de portugueses. Viúva em 1891, Teresa Vieira casou-se novamente e partiu com a família para a capital do estado. “É precisamente em meio às feiras de Recife que, em 1895, João Teixeira Guimarães, um menino de doze anos, aprendeu a forma com que seu povo expressa sua vida musical”, contam Leal e Barbosa, apontando a influência de cantadores, entre eles Mané do Riachão e Inácio da Catingueira, e de instrumentistas como Cirino da Guajurema e Manuel Cabeceira na vida do futuro violonista.

    Que também foi ferreiro, profissão que aprendeu desde cedo. João sempre soube conciliar a atividade profissional com a vocação de músico. Seus biógrafos contam que, depois do expediente, ele “participava de reuniões de cantadores, repentistas e violeiros no Mercado e Pátio de São Pedro, mantendo e desenvolvendo suas tendências musicais”. “Considerando a formação que ele tinha, que era de esquina, de rua, João prova aquela tese de que o autodidata vai mais longe”, complementa Raphael Rabello.

    Foi como ferreiro que começou a ganhar a vida no Rio de Janeiro, onde chegou de navio aos 20 anos, em 1904, seguindo as pegadas de seus irmãos Maria e José, já estabelecidos na então capital federal. Trabalhou em fundições no Rio Comprido (onde morava a irmã) e na Lapa (para onde se mudaria). No bairro boêmio, passou a mostrar também suas qualidades musicais. “Das relações com os companheiros de trabalho e por falar frequentemente de sua realidade pernambucana, João não escapa à característica carioca de apelidar as pessoas a partir do que se acentua em cada personalidade. Nasce então João Pernambuco”, explicam Leal e Barbosa.

    Passou a trabalhar na Fundição Indígena, da família Guinle, e em 1908 tornou-se calceteiro da prefeitura, responsável por calçar as ruas com paralelepípedos. Frequentava os bailes das grandes sociedades carnavalescas e a famosa festa da Penha. Não tardou a fazer amizade com músicos de respeito: Quincas Laranjeiras, Sátiro Bilhar, Pixinguinha, Donga – os dois últimos seriam seus parceiros no choro “Os três companheiros”. “Nessa época, possivelmente 1909, grava na Columbia, com seu violão, a gavota ‘Jaci’, de Irineu de Almeida, e o ‘Batuque sertanejo’ (de sua autoria)”, fazendo no segundo “a percussão batendo na caixa do violão”, explica José Silas Duarte Xavier em “Proezas de Pixinguinha” (Telha, 2023). Ambas saíram no mesmo lado de um 78 rotações. “É, quase certamente, a primeira gravação de João”, afirma Silas.

    O autor regravaria “Batuque sertanejo” em 18/12/1912, junto com três outras composições inéditas em disco: o tango “Saudoso”, “Júlia Martins” – homenagem à atriz e cantora carioca –, ambas de sua autoria, e “Grupo do Abacate”, “um dos primeiros discos no qual a palavra samba aparece com o significado de gênero musical”, aponta Silas. Todas as quatro seriam lançadas apenas em 1913 em discos Odeon. No início deste ano, a própria Julinha Martins levou à cera, ao lado dos cantores Eduardo das Neves e Bahiano, um dos maiores sucessos de João Pernambuco – e a primeira música cuja autoria lhe seria usurpada.

    A história – que merece um post à parte – começa por volta de 1912, com a criação do Grupo do Caxangá (ou de Caxangá, como também é conhecido), criado por foliões da pesada, todos utilizando codinomes: Guajurema (João Pernambuco), Chico Dunga (Pixinguinha), Zé Vicente (Donga), Mané do Riachão (Caninha), Zeca Lima (Jacob Palmieri) e outros – a semelhança com os nomes dos antigos mestres pernambucanos de João não era mera coincidência. E o dedo do violonista estava também no nome do conjunto: Caxangá é um bairro do Recife.

    Ocorre que, em 1913, segundo Silas, o poeta maranhense “Catullo da Paixão Cearense publica ‘Caboca de Caxangá’, em Lyra dos Salões (Editora Quaresma), como de sua autoria exclusiva”. Também o disco de Júlia, Eduardo e Bahiano com “Cabocla de Caxangá” é lançado em 1913 “somente com o nome de Catullo como autor”, informa Silas. Seria a primeira das apropriações indébitas da obra de João Pernambuco. A “Cabocla” foi um dos grandes sucessos do Carnaval de 1914, e o conjunto, que desfilava pelas ruas nos dias de folia, colhia os louros na imprensa: “Pernambuco, que é a alma do grupo, mais uma vez fez prodígios com o seu violão”, destacava o Jornal do Brasil de 23/02/1914, um dia após a visita dos músicos à sua redação.

    A toada famosa ganharia uma paródia de Tomás de Sousa em 1914, “Vadeia caboclinha”. Em fevereiro deste ano, Eduardo das Neves legaria à posteridade a primeira gravação de um clássico absoluto da música brasileira: “Luar do sertão”, de Catullo da Paixão Cearense... e, novamente, nada de crédito ao nome de João Pernambuco no rótulo do disco. Essa omissão seria motivo de muita discussão no futuro. Mas continuemos no presente.

    “O Grupo do Caxangá será um dos grandes acontecimentos do Carnaval deste ano. (...) Basta dizer que fazem parte do pessoal os ‘batutas’ Quincas Laranjeira, João Pernambuco, ‘Pichinguinho’, Accioly, Palmieri e outros mestres”. É curioso que o periodista do jornal A Rua de 07/02/1917 tenha se referido aos componentes como “batutas”. Pois foi exatamente este o nome do conjunto que, em 1919, sucedeu o Caxangá. Como explica Silas, “(...) o gerente do cinema Palais, Isaac Frankel, resolveu propor-lhes um contrato para tocar na sala de espera, como era comum naquela época”. Devido à necessidade da redução do número de componentes, surgiram os Oito Batutas: Pixinguinha, China (Otávio Vianna), Donga, Raul Palmieri, Jacob Palmieri, José Alves de Lima, Nelson Alves e Luiz Silva.

    Nono Batuta na capa de uma partitura: João Pernambuco no centro da fileira de baixo, entre China, Nelson Alves, Raul Palmieri e Donga. Na fileira de trás estão José Alves, Pixinguinha, Luís Oliveira e Jacob Palmieri. Foto da Coleção José Ramos Tinhorão / IMS

    “Esta era a formação, digamos, oficial, dos Oito Batutas, que na realidade eram nove, porque João Pernambuco participava ativamente do grupo”, afirma Silas. Com eles, João excursionou por cidades de São Paulo e de Minas Gerais e, em 1921, tocou em Curitiba, Rio, Salvador e Recife, antes de se desligar da trupe. Não participou da lendária excursão dos Batutas a Paris em 1922, nem esteve em Buenos Aires no ano seguinte, quando eles fizeram seus únicos registros em disco (como mostrado neste post). Na ocasião, os Batutas (com a flauta de Pixinguinha à frente) fizeram pousar no acetato a “Graúna”, uma das mais famosas – e deliciosas – composições de João. Este, na época, reforçava os Turunas Pernambucanos, que estavam de passagem pelo Rio.

    Várias de suas criações chegaram à cera em 1926, algumas interpretadas por ele próprio, caso do tango “Mimoso”, do maxixe “Lágrimas” e do choro “Magoado” – todas com o auxílio luxuoso do violão de Rogério Guimarães – e o já mencionado choro “Sons de carrilhões”, lançado como “Sons de carrilhão” por João, com o cavaquinho do batuta Nelson Alves. Outras, como “Crato”, “Ajueia Chiquinha”, “Seu Coitinho pegue o boi” e “Jandaia”, com letras de sua autoria, foram cantadas por Patricio Teixeira, companheiro de boemia e pescaria e um de seus grandes intérpretes, que também deixaria registradas em 1927 a canção “Poeta do sertão” (que guarda certa semelhança com a “Cabocla de Caxangá”) e em 1929 as toadas “Preto no branco” e “As emboladas do Norte”.

    Pela voz da cantora, violonista e pesquisadora Stefana de Macedo, outras criações de João Pernambuco vieram ao mundo entre 1929 e 1930 – sempre com o autor ao violão: “Siricoia”, “Biro biro iaiá”, “Tiá de junqueira” (lançada em 1922 pelo Bahiano como “Tiá de junqueiro”), “Estrela d’alva”, “Vancê”, “Sodade cabocla” e “Maneca dos Gerais” (as três últimas em parceria com E. Tourinho). A audição destas músicas deixa claro que João, conhecido e admirado por sua obra instrumental, nada ficava a dever quando compunha canções letradas, com melodias e ritmos oriundos das lembranças de seu Nordeste natal.

    O primeiro número da revista O Violão (dezembro de 1928) inaugurou sua Galeria de Perfis com o “grande João, o Tom Mix [obs: referência ao famoso cowboy do cinema] do Pinho, enfim, o poeta da viola”. O texto fala de seu jeito simples, de seu terreno em Teresópolis, onde ele passava os finais de semana – segundo seus biógrafos, lá ele pretendia construir a Vila Viola, para onde se mudaria depois de se aposentar –, e o classifica como “uma alma infantil acomodada naquele corpanzil de atleta” (ele media 1,84m). Foi mais ou menos por essa época que a pensão onde morava, na Lapa, pegou fogo. Segundo depoimento de Jandyr Teixeira Guimarães, sobrinho de João, ao livro de Leal e Barbosa, o tio estava na rua: “quando viu o incêndio correu, subiu as escadas que já estavam pegando fogo e salvou seu violão”.

    Na edição de O Violão de janeiro de 1929, um anúncio da Casa Cavaquinho de Ouro colocava João entre os professores do estabelecimento, ao lado de Joaquim dos Santos (Quincas Laranjeiras), e uma propaganda da Casa Bevilacqua listava quatro “músicas nacionais para violão do grande violonista João Pernambuco” postas à venda: “Estudo nº 1 – ‘Cecy’ – valsa” (composta em homenagem a uma sobrinha, filha de seu irmão José), “Lágrimas” (aquela de 1926), “Interrogando” – outra composição conhecidíssima de quem estuda o instrumento – e “Rebuliço”. Seu autor gravaria as duas últimas em janeiro de 1930. Foi neste mês que, aos 46 anos, ele fez, ao lado de Zezinho Oliveira (o futuro Zé Carioca), a maioria dos seus registros em disco, interpretando também “Dengoso”, “Sentindo”, “Recordando”, “Rosa carioca”, “Magoada”, “Suspiro apaixonado”, “Pó de mico” e “Sonho de magia” – cujo trecho inicial serviria de inspiração para Villa-Lobos em seu “Prelúdio nº 5”, de 1940.

    “Em 1934 passa a trabalhar na SEMA – Superintendência de Educação Musical e Artística – a convite de Villa-Lobos, tendo sido promovido a contínuo, função que exerceu até o fim de sua vida”, contam os biógrafos Leal e Barbosa, que consideram “inconcebível” a situação: “(...) o aspecto mais nocivo e de ingratidão para com João Pernambuco é o de mantê-lo trabalhando na portaria da Superintendência de Educação Musical e Artística assistindo alunos e professores circularem com seus instrumentos e ouvindo-os, respirando assim toda uma atmosfera musical sem dela participar. Isto equivale a colocar um músico a trabalhar limpando instrumentos musicais ao invés de tocá-los”.

    O pior ainda estava por vir: o famoso e desgastante embate envolvendo a autoria de “Luar do sertão”. Gondin da Fonseca, no Correio de Manhã de 09/02/1936, publicou um artigo intitulado “Catullo e João Pernambuco”. Nele, o autor afirmava não considerar Catullo “o maior poeta do mundo”, embora fosse seu amigo, e contava que o mote de “Cabocla de Caxangá” fora apresentado ao poeta por João Pernambuco, assim como o tema “Meu engenho é de Humaitá” – também intitulado “É de Maitá” por algumas fontes –, cuja letra dizia:

    Eu tomo o tope no galope galopado
    Ô lelê tô assentado
    Na cadeira do Ingá
    Gema no peito que eu também gemo na bola
    Ô lelê capim de Angola
    Boa terra é beira-má

    ...que Catullo transformara em:

    Ó que saudade do luar da minha terra
    Lá na serra prateando folhas secas pelo chão...

    Gondin, no Correio da Manhã de 25/07/1937, voltou ao assunto: “Catullo é um formidável poeta. (...) Não há negar, todavia, que foi João Pernambuco o autor invisível de toda a sua obra da segunda fase: Catullo escreveu, Pernambuco inspirou. Fez mais: ensinou-lhe nomes de aves, de plantas, de coisas sertanejas; deu-lhe assuntos, músicas (como a do ‘Luar do sertão’) e vocabulário”. Dois anos depois, uma nota na Fon-Fon de 08/07/1939 informava que, ao saber que uma casa editora havia publicado a música dando autoria apenas a Catullo, Renato de Alencar teria protestado numa crônica na Gazeta de Notícias, afirmando ser João Pernambuco o autor da melodia e Catullo o da letra.

    Por toda a primeira metade da década seguinte, foi basicamente o que a imprensa noticiou quando se falava de “Luar do sertão”: “letra de Catullo, e música do folclore pernambucano, estilizada por João Pernambuco” (Gazeta de Notícias, 12/01/1940); “a canção ‘Luar do sertão’ não é só de Catullo e sim também de João Pernambuco” (O Imparcial, 02/03/1940); “letra de Catullo Cearense e música de João Pernambuco, autores vivos e de saúde robusta” (Excelsior, 15/03/1941); “‘Luar do sertão’ consagrou Pernambuco como compositor popular” (O Imparcial, 07/09/1941); da mesma maneira procederam o Correio da Manhã de 13/06/1944, A Noite de 14/06/1944 e outros mais. Ou seja, não parecia ser uma questão.

    Mas houve confusão, e da braba. Ainda em 1937, Villa-Lobos mostrou o “Luar do sertão” num programa de rádio no dia 7 de setembro, atribuindo a autoria a João Pernambuco. Fred Figner – fundador da Casa Edison – escreveu ao maestro, tomando as dores de Catullo. Este também enviaria uma carta a Villa-Lobos, dizendo que a canção era dele, registrada em1915 por Figner na Biblioteca Nacional. O imbróglio foi se estendendo: Guimarães Martins, advogado e herdeiro legal de Catullo, levou o caso à justiça; Almirante se arvorou em ferrenho defensor de João, publicando artigos e debatendo com Catullo através da imprensa.

    Em janeiro de 1947 – já com Catullo no céu dos poetas –, foi feita uma reunião na Rádio Tupi para uma tentativa de esclarecimento do caso. Dela fizeram parte Almirante, Sylvio Salema, Djalma Maciel, Max Nunes, Hélio Bastos Couto, Guimarães Martins e João Pernambuco. Depois de três horas, elaborou-se um documento concluindo que a melodia era “arranjo ou estilização do motivo folclórico ‘Engenho de Humaitá’” e que, “enquanto não se resolver judicialmente a controvérsia, deveria aquela canção [‘Luar do sertão’] ser apresentada ou difundida como: ‘Letra e arranjo musical de motivo folclórico de Catullo da Paixão Cearense’”. Todos os presentes concordaram e assinaram... menos João.

    “Vale lembrar que João Pernambuco mal sabia ler e escrever devido a sua condição humilde de operário (...), enfim, era um homem do povo. (...) Entendemos serem estas as únicas razões que explicam a não participação de João Pernambuco de uma forma mais direta nas questões da controvérsia, pois as coisas não eram tratadas ao nível de seu entendimento”, concluem Leal e Barbosa. Na verdade, como aponta Silas, João não era de todo analfabeto: “(...) existem documentos que provam que ele tinha instrução, ainda que rudimentar (foto sua com dedicatória, carteira de identidade e título de eleitor)”. Mas era, sim, uma pessoa simples e inexperiente em determinados assuntos. Não soube se impor na questão da autoria de suas músicas apropriadas por Catullo.

    Que não poderia mesmo ser o verdadeiro compositor, a julgar pela opinião de quem conviveu com ele. Em correspondência enviada por Villa-Lobos a Almirante, datada de 13/01/1947, Villa-Lobos descreveu a ocasião em que Catullo mostrou-lhe o “Luar do sertão”: “Entretanto, como era uma música nova que ele me mostrava e eu o sabia de antemão incapaz de escrever uma célula melódica que fosse, perguntei-lhe quem era o autor, ao que ele me respondeu ser um autêntico sertanejo que vinha de conhecer naquele momento. Mais tarde, vim a saber que se tratava de João Teixeira Guimarães (...)”.

    Pixinguinha, num de seus depoimentos ao Museu da Imagem e do Som do Rio – feitos em 1966 e 1968, com trechos publicados no livro “As vozes desassombradas do Museu” (MIS, 1970) –, ao ser perguntado sobre quem seria o autor de “Luar do sertão”, revelou: “Eu acho que é do João Pernambuco. A letra seria do Catullo da Paixão Cearense, pois este não sabia fazer música. (...) Eu ouvi o João Pernambuco cantar o ‘Luar do sertão’ e ‘Cabocla de Caxangá’ antes de o Catullo colocar as letras”.

    José Silas Xavier destaca uma declaração de Almirante – “Catullo (...) até 1912 não havia produzido nada, absolutamente nada, em poemas sertanejos, especialmente dos costumes nordestinos” – e outra de Mozart de Araújo, segundo a qual Catullo “não fazia música”. Para Silas, “a conclusão é a de que a participação do vate maranhense se limitou à readaptação das letras das músicas de João Pernambuco – ou por ele recolhidas”. Em seu livro, Silas também comenta sobre a possibilidade – aventada há anos – de ser João o verdadeiro autor de “Azulão”, canção geralmente atribuída a Hekel Tavares e Luiz Peixoto.

    Polêmicas à parte, as músicas de João continuaram a sair em discos de 78 rotações – na verdade, regravações de “Luar do sertão” (muitas), “Poeta do sertão”, “Graúna”, “Cabocla de Caxangá”, “Sons de carrilhões” e “Interrogando”, as duas últimas gravadas respectivamente em 1952 e 1953 por Dilermando Reis, que ajudaria a popularizar a obra violonística de João Pernambuco, bem como fariam mais tarde Turibio Santos, Baden Powell, Caio Cezar, Leandro Carvalho e tantos outros.

    Não foi por acaso que João, de acordo com seus biógrafos, passou “a tocar e a se apresentar cada vez menos em público. De um lado por ter sido alvo de expropriações, de outro por não ter sido reconhecido com a mesma dedicação e respeito que sempre manteve em relação à música e ao instrumento e, sobretudo, aos músicos”. Em janeiro de 1947, ficou muito abalado com o falecimento do irmão José, um dos “três apóstolos” – como eram chamados os manos João, José e Pedro, muito ligados entre si. No mês seguinte, musicou o poema “Canção do violeiro”, de Castro Alves – sua última composição. Tempos depois, seria internado por causa de um mal que afligia seu coração; este finalmente parou de bater em 16/10/1947, dezessete dias antes do seu 64º aniversário.

    Ao Catumbi compareceram amigos como Pixinguinha e Donga; na hora do sepultamento, contam Leal e Barbosa, a despedida foi “com todos os presentes cantando ‘Luar do sertão’ como prova de reconhecimento de seus amigos ao seu verdadeiro autor”. Em 2021, o estado natal de João concedeu a ele uma honraria que certamente o teria feito muito feliz: em sua homenagem, 16 de outubro passou a ser, em plena terra do frevo, o Dia Estadual do Choro!

    Foto: João Pernambuco em 1928 / Coleção José Ramos Tinhorão / IMS

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