“Ai, que saudades que eu sinto / Das noites de São João”... Nós também, mestres Lua e Zé Dantas. Mas esse ano não tem jeito, o arraial vai ser em casa novamente. Como a data não pode passar em branco, lançamos mais uma playlist de músicas juninas. A do ano passado – contendo “Noites brasileiras”, cuja letra abre este texto – foi voltada para o repertório nordestino de Luiz Gonzaga, Marinês, Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda e outros. Neste ano, publicamos uma lista de clássicos dos festejos de junho e julho.
Duas das mais antigas e conhecidas marchas juninas – ou, como se dizia na época, “joaninas”, em alusão a São João – levam a assinatura de Lamartine Babo: “Chegou a hora da fogueira” (1933) e “Isto é lá com Santo Antônio” (1934), ambas gravadas pela mesma dupla, Carmen Miranda e Mário Reis. Em 1935, Carmen emplacou mais um sucesso do gênero, “Sonho de papel”, de Alberto Ribeiro, cuja primeira parte todo mundo sabe cantar: “O balão vai subindo, vem caindo a garoa / O céu é tão lindo e a noite é tão boa...”.
Era um tempo em que os balões povoavam os céus das cidades e as letras das cantigas de São João. Somente décadas mais tarde surgiria a Lei de Crimes Ambientais – nº 9.605, de 12/02/1998 –, cujo artigo 42 determina que é proibido “Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano”.
“Pula a fogueira”, de Getúlio Marinho e João Bastos Filho, é outra dessas músicas de que todos conhecem o estribilho. Foi lançada em junho de 1936 pelo Rei da Voz, Francisco Alves. Duas marchas juninas sobressaíram em 1939: “Pedro, Antônio e João”, de Benedito Lacerda e Osvaldo Santiago, numa interpretação bem-humorada de Herivelto Martins e da “Zefinha” Dalva de Oliveira – “Com a filha de João / Antônio ia se casar / Mas Pedro fugiu com a noiva / Na hora de ir pro altar” – e “Noites de junho”, de João de Barro e Alberto Ribeiro, novamente com Dalva.
Até aqui, as gravações da playlist apresentam acompanhamento de orquestras ou grupos regionais do Rio de Janeiro, como era comum naquela época – menos nos folguedos dos pés de serra nordestinos, onde a sanfona já reinava. O instrumento também costumava frequentar os estúdios das gravadoras do eixo Rio-São Paulo, mas como intérprete de valsas, tangos, mazurcas, rancheiras, choros etc. Com o tempo, passou a marcar presença nas músicas de temática junina, para enfim brilhar como o grande instrumento solista deste gênero.
“Feijão queimado”, de 1945, lançada no ano seguinte, é um exemplo dessa mudança de sonoridade. O arrasta-pé do ítalo-brasileiro José (Giuseppe) Rielli foi gravado pela dupla Raul Torres e Florêncio, acompanhados pelo acordeom de Rielinho (Oswaldo Rielli), filho do autor. Raul Torres bolou uma letra curta e um tanto nonsense: “Eu vou dançar no Arraiá Feijão Queimado / Eu vou dançar com a Rita do pé avermeiado”.
Maior arrecadador de direitos autorais das festas juninas, Luiz Gonzaga, cujo reinado começou ainda na década de 1940, certamente não imaginava que uma polquinha de 1946, chegada às lojas em 1947, pudesse se tornar uma das músicas mais executadas deste período de festas, segundo o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição): “Pagode russo”, que mais tarde recebeu letra de João Silva, aparece aqui em sua versão original, instrumental.
Devidamente instalados, os reis do baile sopraram o fole e deram uma nova cor à indústria do disco. Gravada no fim de 1949 para ser lançada no São João de 1950, com interpretação inspirada de Dircinha Batista, “O sanfoneiro só tocava isso”, sensacional marcha de Haroldo Lobo e Geraldo Medeiros, traz seguramente o riff – trecho executado na introdução que usualmente se repete ao longo da composição – mais famoso, mais conhecido, mais icônico de todas as festas juninas. Não existe arraial onde esta frase musical não seja escutada.
Mário Zan, também ítalo-brasileiro, lançou em 1951 uma das várias “Festa na roça” da música brasileira, talvez a mais famosa, tendo Palmeira como coautor; em 1957, Luiz Gonzaga trouxe para o terreiro a sua “Polca fogueteira”, gravada junto com o irmão Severino Januário; Gerson Filho empunhou a sanfona de oito baixos para registrar em disco a “Quadrilha brasileira”, parceria sua com José Maria de Aguiar Filho, gravada em 11 de março de 1958. No dia seguinte, o regional de Canhoto (Waldiro Tramontano) entrou em estúdio para dar à luz mais um sucesso, “Fim de festa”, de Zito Borborema.
Fechando a seleção musical, temos o clássico “Tempo de milho verde” (1963), criação do grande sanfoneiro oito baixista Zé Calixto – que nos deixou em dezembro do ano passado, aos 87 anos – e de Aquilino Quintanilha.
Foto: Raul Torres, Rielinho e Florêncio, por Santhiago / SP / Acervo José Ramos Tinhorão / IMS