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    Pixinguinha por José Silas Xavier: nova biografia repassa a trajetória e a obra do genial músico

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Pixinguinha, afinal, se chamava Alfredo da Rocha Vianna Filho ou... Júnior? E o apelido? Veio de Pizindim – que seria “menino bom”, segundo uma certa “avó africana” – ou de “bexiguinha”, diminutivo de “bexiga”, como o povo chamava a varíola? E o nascimento: foi em Piedade, Santa Teresa ou no Catumbi? Em 1898, como o próprio acreditava, ou 1897, como descobriu Jacob do Bandolim? Nasceu no dia 23 de abril – hoje Dia Nacional do Choro – ou em 4 de maio, como levantou recentemente o pesquisador Alexandre Dias...? Perguntas que não são incomuns numa história tão antiga e tão cheia de detalhes importantes a serem desencavados. Detalhes que, diga-se, nem o próprio Pixinguinha fazia questão de saber ou informar com precisão – os biógrafos que arregaçassem as mangas.

    E assim se fez depois de sua morte, esta com data precisa: 17-02-1973 (a duas semanas do carnaval daquele ano). O primeiro foi o jornalista Sérgio Cabral, que em 1978 lançou “Pixinguinha, vida e obra” pela recém-criada Funarte, que no ano seguinte publicou também “Pixinguinha: filho de Ogum bexiguento”, de Marília Trindade Barboza e Artur Oliveira Filho. No mesmo 1979 saiu pela editora Cátedra “O fabuloso e harmonioso Pixinguinha”, do escritor Edigar de Alencar, que em 1982 editou o cordel “Pixinguinha: vida e morte do grande músico negro”. Depois, ainda vieram “O lendário Pixinguinha”, de Sebastião Braga (Muiraquitã, 1995), “A escuta singular de Pixinguinha”, de Virginia Bessa (Alameda, 2010), e “Pixinguinha: o gênio e o tempo”, de André Diniz (Casa da Palavra, 2012).

    E aí o leitor ou a leitora não há de se arregalar com a informação de que a saga do nosso herói acaba de ganhar mais um livraço. Literalmente: em 737 páginas, as “Proezas de Pixinguinha” (título da obra) são esmiuçadas com rigor pelo autor, o pesquisador José Silas Xavier, que se debruça não só sobre todas as imprecisões biográficas do genial flautista-saxofonista-compositor-arranjador, como também sobre sua obra. Não à toa, 192 páginas do livro são dedicadas à discografia completa comentada de Pixinguinha e outras 290 trazem verbetes das composições (671 ao todo!) do autor de “Rosa”, “Lamentos”, “Um a zero” e “Carinhoso” – este último destrinchado (em 28 páginas e meia) desde o contexto da composição até as regravações mais recentes.

    Aos 84 anos, Silas não sabe precisar exatamente quando começou a juntar recortes e fazer anotações sobre Pixinguinha. Mas a origem da paixão é antiga. “Quando eu era menino, em Guarani (MG), ouvíamos muito rádio: em outubro, começavam a tocar os lançamentos de carnaval e eu, colado no rádio, ficava maravilhado com aqueles arranjos todos do Pixinguinha. Depois, passei a colecionar o jornal de modinhas, que chegava lá na fazenda de trem”, recorda o funcionário aposentado do Banco do Brasil, que aos poucos foi organizando seus guardados em pastas. “Só depois de colaborar com a equipe do IMS no conteúdo pro site oficial do Pixinguinha é que percebi que meu material podia dar um livro. E não é que deu?”

    No comecinho da década de 1970, quando trabalhou na esquina das avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, no Centro do Rio, gostava de aproveitar o horário de almoço para bater perna até a Travessa do Ouvidor, onde ficava o Bar Gouvea, escritório de Pixinguinha. “Sabe que eu nunca consegui falar com ele? Primeiro porque eu tinha um certo receio de me aproximar, não queria incomodar. Depois, porque ele estava sempre rodeado de todo tipo de gente e aí eu deixava pra próxima. Até que ele morreu”, recorda, sem arrependimentos. O mesmo não se pode dizer sobre a Faculdade Nacional de Filosofia, que Silas deixou de cursar quando passou no concurso para o Banco do Brasil. “Achei que a vida já estava resolvida e desisti do meu sonho, que era ser jornalista.”

    Tanto que, quando descobriu um colega de serviço que era vizinho de um músico contemporâneo de seu ídolo, não sossegou até conseguir uma entrevista. “Era o Rogério Guimarães, que dirigia a Victor em 1929, quando Pixinguinha foi contratado. Conversamos na casa dele, em Niterói, onde ele me contou ótimas histórias não só do Pixinguinha, mas de todo o ambiente do rádio e dos discos nessa época”, relembra José Silas Xavier, que, em paralelo à carreira de bancário, deu outro jeito de estar perto da música: entre 1969 e 1992, produziu nada menos que 14 discos para a Fenab (Federação Nacional de Associações Atléticas Banco do Brasil), entre os quais os cultuados “Chorando Callado” (1981) e “Os pianeiros” (1986).

    E playlist, Silas? Já fez...? Não? Então, vamos lá: quais suas preferidas de Pixinguinha em 78 rotações?

    “Olha, a minha número um do Pixinguinha é ‘Rosa’, a música dele que eu mais adoro. Mas quero na primeiríssima gravação, lá de 1917, antes da letra do Cândido das Neves.” Como assim, Silas? Mas essa parceria não é com Otávio de Souza, que era mecânico no Engenho de Dentro? “Ih, rapaz... O Pixinguinha inventou essa história, não viu lá no livro?”, rebate o biógrafo, que também contou sua versão na série de Pixinguinha na Pauta, da Rádio Batuta  – ouvir a partir do minuto 28.

    Coube a Orlando Silva fazer a gravação mais conhecida de “Rosa”, do outro lado do disco em que está o primeiro e fundamental registro cantado do “Carinhoso”. Aliás, vamos com essa gravação, Silas?

    “Olha, a letra do Braguinha foi muito importante pro sucesso do ‘Carinhoso’ e, aliás, eu gosto muito da gravação que a Elizeth Cardoso fez. Mas meu gosto vai mais pras coisas antigas, sabe...? E aí minha gravação preferida do ‘Carinhoso’ é a primeira, de 1928, instrumental ainda, com a Orquestra Pixinguinha-Donga. Aliás, tem flauta nessa formação, mas não é tocada pelo Pixinguinha – ele participa como regente.” Da mesma década é o choro “Graúna”, composição de João Pernambuco que Silas escolheu entre as gravações realizadas por Pixinguinha com os Oito Batutas em 1923, durante passagem conturbada do conjunto pela Argentina – episódio que mereceu um capítulo inteiro em “Proezas de Pixinguinha”.

    E as que você ouvia pelo rádio na fazenda, na infância, quais eram?

    “Ah, a primeira que eu lembro é ‘O orvalho vem caindo’, o samba do Noel que o Almirante gravou com aquele arranjo incrível do Pixinguinha e o acompanhamento dos Diabos do Céu”, define o pesquisador. “Outro arranjo histórico que não posso esquecer jamais é o de ‘O teu cabelo não nega’, com aquela introdução que Pixinguinha escreveu a partir da ideia do Lamartine (Babo, autor da música, com os Irmãos Valença). Lamartine tinha o costume de cantarolar suas ideias para o arranjador, como fez com outras duas que eu adoro: ‘Na virada da montanha’ (com Ary Barroso) e ‘Chegou a hora da fogueira’, esta talvez o maior sucesso junino de todos os tempos.”

    Voltando ao carnaval, a memória afetiva de José Silas Xavier resgata dois sambas do Estácio que caíram na boca do povo depois de serem lançados – ambos em 1935 – com “arranjos espetaculares de Pixinguinha”: “Implorar”, primeiro sucesso de Moreira da Silva, e “Você chorou”, lindamente cantado por Francisco Alves. Ambos são exemplares de uma das principais contribuições do arranjador Pixinguinha para a música brasileira: “o papel central” que ele dá aos instrumentos de percussão, que até ali eram usados de maneira discreta, “pontuando” aqui e ali, geralmente “nas bordas” dos arranjos, como observa o violonista e arranjador Paulo Aragão em uma – a terceira – das cinco vídeo-aulas que ele produziu e gravou para o site oficial de Pixinguinha.

    “E as macumbas que foram gravadas com arranjos dele? Já ouviu?”, evoca Silas, trazendo para nossa seleção musical “No terreiro de Alibibi”, na interpretação do Conjunto Tupi, de J. B. de Carvalho. “Uma gravação espetacular que o Villa-Lobos adorava, assim como o Mário de Andrade, para quem esta talvez fosse ‘a obra mais perfeita da gravação nacional’.” Ainda mais sucesso fez “Cadê Vira Mundo”, que acabou sendo uma das mais cantadas no carnaval de 1932, depois de ser gravada pelo Conjunto Tupi e, logo depois, pelo Grupo da Guarda Velha, de Pixinguinha. A seção de corimas da playlist de José Silas Xavier se encerra com a Orquestra dos Batutas tocando “Capote do mangô é teu”, uma composição do babalorixá Faustino Pedro da Conceição (o Tio Faustino) cantada pela carioca Elsie Houston, musa-xodó do movimento modernista de 1922.

    “Outra gravação que me emociona é a primeira de ‘Sofres porque queres’, lá de 1917, com Pixinguinha na flauta nesse que é um dos meus choros preferidos”, rebobina nosso pesquisador-biógrafo, antes de desencavar, desta mesma época, o tango “Carne assada”, que já havia sido lançado em disco (em 1916, pela Orquestra Luiz de Sousa) quando Pixinguinha o regravou em 1928, rebatizado como “Número um”. Um detalhe curioso: Carne Assada – que dava nome também a uma polca de Pixinguinha gravada em 1914 pelo conjunto Choro Carioca – era outro apelido do músico nos tempos de menino (além de Pizindim), dado por seu irmão Otávio Vianna, vulgo China.

    E do Pixinguinha saxofonista, Silas, não vamos ouvir nada?

    “Claro que sim. Escolho o ‘Pagão’, minha preferida entre as gravações que ele fez com o Benedito Lacerda na flauta, já na década de 1940”, escolhe Silas. História também não falta a este choro: no livro, sabemos que ele não era totalmente inédito em 1947, quando saiu no famoso duo de sax e flauta: a segunda e a terceira partes, além de um trecho da primeira, já tinham sido gravadas pelo próprio Pixinguinha em 1926, no choro “Tapa buraco”. Outra boa: a primeira parte de “Pagão” é idêntica à primeira de “Dedos duros”, choro gravado (e com autoria assinada) pelo violonista argentino Oscar Alemán, que na década de 1920 viveu no Brasil, onde aprendeu a tocar cavaquinho e ficou fascinado pela jazz-band de Pixinguinha.

    A playlist afetiva de José Silas Xavier se completa com mais um número obrigatório da obra de seu biografado: “Lamentos”, que, “segundo o pesquisador Jairo Severiano, é a segunda música mais gravada de Pixinguinha”, como se lê no verbetão (oito páginas) de “Proezas de Pixinguinha” dedicado ao famoso choro, muito conhecido também na versão cantada a partir de 1966, quando, com letra de Vinicius de Moraes, foi lançado em gravações de Elizeth Cardoso e do conjunto MPB-4. “Mas escolho a gravação do Jacob do Bandolim, que também faço questão de homenagear, pelo tanto que ele adorava o Pixinguinha”, sublinha o biógrafo. “Basta ver como ele se empenhou, como diretor musical e arranjador, no concerto dos 70 anos do Pixinguinha, realizado em 23 de abril de 1898, quando ele estava completando 71 anos.”

    E assim, de volta ao eterno quebra-cabeças biográfico do genial chorão, nossa conversa chegou ao fim, até porque música e história é o que não falta entre as incontáveis “Proezas de Pixinguinha” que José Silas Xavier conta em seu novo livro. Mas que fique claro: nosso herói “nasceu mesmo no dia 23 de abril de 1897 no subúrbio de Piedade”, segundo o texto, no qual sabe-se também que quem o apelidou de Pizindim foi uma prima que todos chamavam por Santa e não a avó, que aliás não era africana. Já sobre o nome – se terminava em Filho ou Júnior – segue a dúvida: para Silas, “o melhor é chamá-lo Alfredo da Rocha Vianna ou Alfredo Vianna, como os chorões e copistas antigos a ele se referiam”.

    Até que venha a próxima versão da incrível e fundamental história de Pixinguinha.

    Foto: Alessandra Santos

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