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    Paris à 78 tours: Piaf, Gonzagão, Chevalier, Carmen e grande elenco no baile dos 135 anos da Torre Eiffel

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Não é de hoje que se canta que não há mês como abril é em Paris – como diz um foxtrote estreado com sucesso na Broadway, lá nos idos de 1933. Vinte anos depois, coube ao carioca Dick Farney gastar seu inglês na primeira gravação brasileira de “April in Paris”, afirmando em sua voz de travesseiro que, antes da Cidade Luz, “never knew the charm of spring”. Versos insuspeitos de Yip Harburg que abrem este passeio musical em 78 rpm que a Discografia Brasileira faz pela Cidade Luz, até porque – eis outro charme da primavera parisiense – seu principal cartão postal acaba de completar 135 anos.

    Foi em 31 de março de 1889 que se viu pela primeira vez a Torre Eiffel. Curiosamente, a estrutura de 324 metros de altura, feita como uma atração da Exposição Universal de Paris (que comemorava o centenário da Revolução Francesa), foi projetada pelo engenheiro Gustave Eiffel para ser provisória: 20 anos depois seria posta abaixo. Mas foi ficando, sob protestos de alguns (“É desproporcional! É feia!”) e só deixou de ser a estrutura mais alta do mundo em 1930, quando em Nova York foi inaugurado o Edifício Chrysler, com seus 329 metros.

    Na capital francesa, a “bonne vieille” torre seguiu como o principal lugar para se ver, lá do céu, “ma grande ville”, como cantou o astro Charles Trenet no fox postal “Si tu vas a Paris”, aqui regravado por Georges Henry em 1945, mesmo ano em que Luiz Gonzaga imaginou-se “Passeando em Paris”, numa valsinha instrumental como as que tocava nos inferninhos cariocas antes de se tornar o Rei do Baião. A paz do passeio imaginário até que fazia sentido: desde o ano anterior a Cidade Luz estava livre dos nazistas, confirmando as previsões de outra música, lançada em 1942 com o vaticínio de que “Paris sorrirá outra vez”.

    Marcha heroica, com direito a citação à “Marselhesa”, aliás gravada por aqui no registro mais antigo desta seleção musical: foi em 1916 que o famoso hino rodopiou nos toca-discos brasileiros interpretado pela Banda da Casa A Electrica, com seus chiados característicos. Mas límpido (afinal, em 1960 já tinha gravação em hi-fi) é o registro de outro ícone musical parisiense, “Can can”, composição do alemão Offenbach – para a opereta cômica “Orfeu no inferno” (1858) – que trazemos numa interpretação da Orquestra Copacabana.

    E já que estamos na boemia de Pigalle, aqui encontramos Wilson Batista, que, de suas andanças pelo bas fond de lá, trouxe memórias como as de Suzette, uma “lourinha do can-can” da qual teve que se despedir, pois “acabou meu l’argent”, como relata na divertida marchinha “Um brasileiro em Paris”. Memórias românticas foram cantadas em bons sambas, como “Francesinha” (“Pour vous já perdi a linha”), gravado pelos Trigêmeos Vocalistas, e “Fui a Paris”, no qual Moreira da Silva arruma um dicionário “para não bancar o otário” na conquista de uma “francesa linda de verdade”.

    Menos mal que as moças também tinham seus galãs para ostentar nas escapulidas até a França: como Déo Maia, que, quando avisa ao “nêgo” de sua viagem (“Vou a Paris”), conta que será acompanhada pelo estadunidense Jack Paar quando embarcar no “Costeleta”, ou melhor, no Constellation, da Pan Air. Ou ainda Linda Batista, que tem o francês Jean Gabin para chamá-la de “mon coeur” em “Malandro em Paris”.

    E teve Carmen Miranda, que também quis ir um dia a “Paris” e gostou: até se declarou para a cidade – “Paris, Paris, je t’aime!” – mas descobriu que gosta muito mais do Leme, como diz a marchinha lançada às vésperas da Copa do Mundo de 1938, disputada na França. Já as também malandríssimas Dircinha Batista e Aracy Cortes não precisaram viajar para zombar da elite metida a francesa: a primeira pedindo “l’argent” emprestado em “Bonjour, mon amour”; a segunda abusando do carioquês em “Tem francesa no morro”: “Donê muá si-vu-plé lonér de dancê aveque muá...”

    Era como se este samba, de 1932, fosse a continuação brasileira de outro, lançado dez anos antes em Paris, onde os Oito Batutas fizeram sucesso em 1922, convidando os franceses a aprender a novidade: “Le samba se danse / Toujours em cadence / Petit pas par ci / Petit pas par la...” (passinho pra cá, passinho pra lá), dizia a letra de “Batutas”, maxixe de Pixinguinha (melodia) e Duque (versos) que era o ponto alto das apresentações do conjunto carioca no dancing Sheherazade, como já contamos em outro texto neste site.

    Paris vista do alto numa ilustração feita para a Exposição Universal de 1889.
    Reprodução da internet / Biblioteca Universitária de Darmstadt, Alemanha 

    É provável que Edith Piaf, se tivesse idade e condição social para frequentar a casa noturna, tivesse aprendido os passos brasileiros. Mas, aos seis anos naquele 1922, a menina dava só os primeiros passos artísticos, aos trancos, acompanhando o pai nas performances de rua que este fazia nas calçadas, em pleno vaivém de casais apaixonados, músicos, curiosos, pedintes e outros transeuntes, como os personagens de um de seus sucessos, “Sous le ciel de Paris”, aqui transformada em “Sob o céu de Paris”, na voz macia de Ivon Curi.

    Já a Piaf letrista despontaria como autora de dois imensos sucessos românticos. Primeiro “La vie en rose” (com música de Louis Guglielmi), que ela mesma gravou em 1947 e só chegou por aqui dois anos depois, como “A vida cor de rosa”, em versão de Oswaldo Santiago. Já “Hymne à l’amour” saiu originalmente em 1949, também gravada por Piaf, que dedicou a letra – feita sobre melodia de Marguerite Monnot – ao pugilista Miguel Cerdan, seu companheiro à época. No Brasil, tornou-se “Hino ao amor”, com versões de dois letristas diferentes: Odair Marzano (mais reagravada) e Caubi de Brito.

    Também lançada em disco por Piaf foi a música que, por aqui, ganhou fama como “Os pobres de Paris”, que só em discos de 78 rotações foi gravada 12 vezes no mesmo ano de 1956. Sabe-se, no entanto, que a versão brasileira foi feita não a partir do original francês, mas da tradução – errada – que a música recebeu nos Estados Unidos. Isso porque o estadunidense Jack Lawrence, ao ouvir “La goualante du pauvre Jean” (“A balada do pobre Jean”), de Marguerite Monnot, entendeu que as duas últimas palavras eram “pauvres gens” (gente pobre), transformando a música em “The poor people of Paris”, como foi gravada pela orquestra de Les Baxter, alcançando o topo das paradas de sucesso dos EUA em 1954.

    Já do repertório de Maurice Chevalier vem “A canção de Paris”, aqui vertida para o português por Arnaldo Pescuma, que volta às metáforas primaveris para cantar, como um autêntico chansonier, a alegria de estar na cidade, ainda mais vivendo o amor – aqui, inevitavelmente, rimado com flor. Mais feliz foi Lamartine Babo rimando Paris e Brasis em mais um romance desta seleção musical, “Juju e Balangandãs”, marchinha de meio de ano caprichosamente gravada em dueto por Mário Reis com a estreante Mariah – nome artístico da socialite Maria Clara Correa de Araújo.

    E assim nosso passeio musical vai chegando ao fim, não sem antes cantarmos a vontade de voltar a Paris em duas músicas: primeiro nos vibratos de Roberto Vilar em “Doce França” (versão brasileira da “Douce France” original de Charles Trenet); depois, no canto charmoso de Agostinho dos Santos enfileirando lembranças alegres em “A última vez que vi Paris”, fox de Jerome Kern com letra em português de Haroldo Barbosa.

    A caminho do aeroporto (não o Charles de Gaulle, mas o de Orly, contemporâneo deste repertório) convém fazer um alerta aos franceses – ou pelo menos os que aprenderam o samba “toujours em cadence” de Pixinguinha e cia. – que quiserem retribuir a visita: o Rio de Janeiro está longe de ser o “petit vilage caché sous les fleurs sauvages” (pequena cidade escondida por flores selvagens), como diz a letra de “Si tu vas à Rio”, versão de Jean Broussolle para nosso “Madureira chorou”, gravado com sucesso (com jeito de rumba) na França dos anos 1950.

    Assim, o grand finale não poderia ser de outra forma que não em ritmo de samba. Aliás, um pitoresco samba-exaltação de Joubert de Carvalho dedicado à capital francesa. No desfecho de “Paris, Paris”, vamos mais uma vez ao velho e eterno monumento central recém chegado aos 135 anos de história: “Nada mais belo se diz do alto da Torre Eiffel: ‘Paris, Cidade Luz... Paris!’”

    Na foto principal: a Torre Eiffel como prinicipal atração em um cartaz publicitário da Exposição Universal de Paris, em 1889 / Reprodução da internet / Perfil do Ministério da Cultura da França na rede social X  

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