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    Haroldo Barbosa: os 110 anos do craque do rádio, da TV e da música que criou expressões, bordões e canções inesquecíveis

    Fernando Krieger

    tocar fonogramas

    Responda rápido: quem foi o inventor da famosa “Escolinha do professor Raimundo”? Se você pensou em Chico Anysio, intérprete do icônico mestre no rádio e na televisão, vá lá, um doce pra você pelo bom chute. Mas a resposta está errada. O divertido personagem e seus atrapalhados alunos – que surgiram em 1952 em “A cidade se diverte”, da Rádio Mayrink Veiga – saíram da imaginação fertilíssima do criador deste e de tantos outros programas: o compositor, versionista, publicitário, autor de peças radiofônicas e jingles, redator de programas de rádio e TV, discotecário, sonorizador, locutor de futebol, comentarista de turfe... (ufa!), enfim, do múltiplo e talentoso Haroldo Barbosa, carioca nascido no bairro de Laranjeiras em 21/03/1915 e criado desde os sete anos em Vila Isabel.

    Em entrevista a O Pasquim (edição de 9 a 15 de abril de 1974), Haroldo contou a origem do seu nome de batismo e do irmão também: “Meu pai é de Campos. Ele era civilista, grande amigo do Ruy Barbosa, entusiasmado por aquela campanha. (...) Meu pai – que era Barbosa também – pôs, em homenagem, Evaldo Ruy Barbosa, Haroldo Ruy Barbosa. Eu tirei isso, não existe mais”. Seu mano, que ficaria nacionalmente conhecido como Evaldo Rui, homenageado por nós neste post, foi definido pela Revista da Música Popular de novembro de 1954 como “um compositor autenticamente popular e um dos mais notáveis letristas (...)”.

    A mesma definição pode ser aplicada ao seu irmão mais novo, que começou na música ainda jovem, tocando cavaquinho – instrumento aprendido com Hélio Rosa, irmão de Noel – nos bailes de Vila Isabel, onde moraria, como contou ao Pasquim, até os 22, 23 anos. Haroldo conheceu Noel e Hélio no Colégio de São Bento. Segundo diria ao semanário, foram eles “que praticamente me levaram pro caminho da música e do rádio”. Assim como os irmãos Rosa anos mais tarde, Haroldo e Evaldo passariam pelo drama de um pai suicida: Albertino Barbosa tirou a própria vida quando Haroldo tinha dois anos; Manuel Garcia de Medeiros Rosa faria o mesmo em 1935, quando Noel já contaria 24. O próprio Evaldo Rui (1913-1954) acabaria tendo o mesmo triste destino.

    Fontes diversas apontam que foi no famoso “Programa Casé”, da Rádio Philips, onde trabalhavam Noel e Hélio, que Haroldo debutou em rádio, em 1933, aos 18 anos, como contrarregra. Mas ele, aos entrevistadores do Pasquim, revelaria “uma mancha que nunca consegui apagar”: seu começo foi como calouro, na Rádio Guanabara, usando o pseudônimo Harold Brown (disse, entre risadas), cantando “Moonglow”, com Ary Barroso ao piano – que “não tocava nada de foxtrote. Me acompanhou em ritmo de cateretê” (mais risadas) –, conseguindo obter um honroso quarto lugar.

    Na Rádio Philips, encontrou Romeu Ghipsman, “meu orientador ‘número um’ em matéria de música, quem me tornou capaz de, logo após a minha entrada para aquela estação, confeccionar programas artísticos (...)”, diria em depoimento à revista Carioca (23/10/1937). Depois passaria pela Sociedade e pela Transmissora, atuando como discotecário. Em 1937, quando deu a entrevista para a Carioca, Haroldo já estava na poderosa Nacional, substituindo Octavio Mendes, diretor da discoteca. Na emissora, além de ocupar esta função, foi responsável por programas como “Para os amigos do jazz” – este em parceria com Aloysio de Oliveira.

    “Quase ninguém o conhece, fora dos meios radiofônicos. Aliás, mesmo no rádio só o conhecem os que entendem do ‘riscado’... Fala pouco. Não gosta de festejar ninguém. Mas, quando dá uma prosinha, é um gosto ouvi-lo... Eis aí Haroldo Barbosa, mestre em discoteca”, descreveu-o Ricardo Barreira em sua coluna “Rádio” do jornal O Imparcial (23/05/1939). Na Nacional, Haroldo passou a jogar nas onze: tornou-se sonorizador de peças teatrais da emissora e também locutor, inclusive de futebol. “Agora, Haroldo Barbosa é um dos nomes favoritos entre os ouvintes das reportagens esportivas”, assinalou o redator de O Malho em 02/11/1939.

    Dois anos depois, estrearia como autor de peças radiofônicas. Duas delas, “O homem que não valia um conto de reis” e “Anita e a paisagem”, receberam, na Fon-Fon de 29/11/1941, uma crítica entusiasmada feita por Pedro Bloch, que também não economizou elogios ao autor: “Quero dizer que Haroldo Barbosa é um escritor humano (...). Haroldo Barbosa tem valor: sabe escrever, sabe como escrever e sabe o que escrever”.

    A função de novelista não causaria prejuízo às demais. Haroldo continuou criando programas de sucesso na Nacional, sozinho ou em parceria com José Mauro: “Cavalgada da alegria”, “Volta ao mundo”, “Rádio almanaque Kolynos” – uma espécie de “Fantástico” do rádio –, “Dona música”, “Canção romântica” – este feito especialmente para Francisco Alves –, “Alô, Brasil” e o inovador “Um milhão de melodias”.

    Dois cliques separados por 40 anos: Haroldo Barbosa nos tempos de discotecário (O Malho, 01-06-1939) e já veterano (Folha de S. Paulo, 06-09-1979) / Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

    “Haroldo Barbosa praticamente dominava, dos bastidores radiofônicos, a divulgação musical no Rio de Janeiro”, diz o texto do fascículo da “Nova história da Música Popular Brasileira”, da Abril Cultural (1979), dedicado a ele e a Luiz Antônio, Djalma Ferreira e Luís Reis. Por ser discotecário, Haroldo recebia diversas gravações internacionais. Passou então a bolar versões destas músicas, sentindo que havia ali um filão a ser explorado. “(...) isso lhe deu tarimba como letrista, mas resultou no maldoso apelido de ‘vampiro das versões’”, informou o redator da Abril.

    Em O Jornal de 05/06/1955, Haroldo se defendeu: “O homem da versão, se for como somos, jamais pretenderá passar à posteridade à custa de tão pífio trabalho. Há, todavia, uma necessidade de se dar ao povo – povo, massa – a noção de um texto cantado em língua estranha. (...) A prática demonstra que uma versão quando bem gravada, com a letra que todos entendem, vende mais que o disco original”. Na mesma ocasião, faria uma defesa dos ritmos nacionais: “A culpa da invasão torrencial do sucesso estrangeiro é toda do nosso rádio, de nossas orquestras, de nossos meios de divulgação musical em geral. Irradiamos 7 músicas estrangeiras para uma brasileira, em média. Um tango, um fox, um bolero, uma rumba, um mambo, uma canção napolitana e... um samba! São sete contra um (...)”.

    Foi exatamente com uma versão – para “Maria Elena”, fox de Lorenzo Barcelata – que Haroldo estreou em discos em 1942, pela voz de Francisco Alves. Das centenas que ele faria – segundo afirmou ao Pasquim, eram mais de seiscentas e tinha tudo arquivado –, diversas seriam gravadas pelo Rei da Voz, como “Quantas são (Jingle jangle jingle)”, com As Três Marias – trio vocal criado por Haroldo na Nacional, formado por Marília Batista, Bidu Reis e Regina Célia; “O dia em que me queiras”, sobre o famoso “El día que me quieras” de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera; e “Frenesi”, de Alberto Dominguez. Até mesmo a “Polonaise” em Lá bemol maior (“Heróica”) de Frédéric Chopin recebeu versos e virou um fox, “Para sempre teu”.

    Sobre esta canção, Chico Alves confessou à Carioca de 10/08/1946: “Quando o seu autor, Haroldo Barbosa, m’a entregou, eu, depois de conhecer-lhe os versos e a melodia, disse-lhe: ‘Não, Haroldo. Esta versão eu não gravo. Não faço fé no seu êxito’”. O resultado? Três mil discos vendidos em apenas um mês. Haroldo não costumava fazer traduções literais; na maioria das vezes, se guiava pelo som das palavras. Um bom exemplo é “Lili”, sua versão para a conhecidíssima valsa “Hi-Lili, hi-Lo” de Bronislaw Kaper e Helen Deutsch, cantada por Leslie Caron no filme musical “Lili” (1953) e em português por Neide Fraga.

    Não apenas versionista: Haroldo se destacaria pelo seu trabalho como letrista e também como autor de melodia e letra; muitas de suas criações acabariam se tornando clássicos da nossa música popular. A primeira composição sua foi, segundo disse ao Pasquim, um samba feito aos 14 anos com Manoel Santos, de apelido Osso. Já a primeira a chegar ao disco – parceria com Herivelto Martins –, ainda em 1942, foi também um samba, “Aula de música”, por Linda Batista e As Três Marias. Com Janet de Almeida – irmão de Joel de Almeida, da dupla Joel e Gaúcho –, conseguiu dois sucessos estrondosos em 1945: “Eu quero um samba”, pela voz dos Namorados da Lua, grupo liderado por Lúcio Alves, e “Pra que discutir com madame?” – e a “madame” em questão existiu de fato.

    Magdala da Gama Oliveira – a Mag, crítica musical do Diário de Notícias – detestava samba e povo, e não escondia o fato em seus textos publicados na imprensa. Como lembra Suetônio Soares Valença em “Tra-la-lá: vida e obra de Lamartine Babo” (3ª edição, Funarte, 2014), “A aversão de Magdala à vertente mais popular do rádio e, em especial, ao samba mereceu algumas respostas de defensores da música popular (...)”. Em 10/06/1944, Fernando Lobo perguntava, em sua coluna de O Cruzeiro: “Por que matar o samba, ó impiedosa madame?”. Segundo Suetônio, “o contragolpe definitivo” veio com o “samba-resposta” de Haroldo e Janet, “que traz como requinte uma citação do ‘Concerto número 1 para piano e orquestra’, de Tchaikovsky” – é só prestar atenção nos “laraiás” feitos por Janet na gravação. Ao Pasquim, Haroldo confessou, para a gargalhada dos entrevistadores: “Eu botava o disco debaixo da porta dela todo dia”.

    Da dupla com Lúcio Alves surgiria um clássico, “De conversa em conversa”, que Isaurinha Garcia registraria em 78 rotações ao lado dos Namorados da Lua, e o belo samba “Ainda”, gravado por Safira Fonseca Pinto – esta, uma das descobertas de Haroldo, foi levada por ele para a Nacional e mais tarde para a Tupi. O compositor se orgulhava de ter, como disse ao pessoal do Pasquim, “inventado” diversos artistas: Os Cariocas, Ruy Rey, Ivon Cury e Nora Ney, que começou a cantar em português por aconselhamento dele. Haroldo e Lúcio ainda lançaram, em 1951, o “Baião de Copacabana”, pelas vozes femininas do Trio Madrigal.

    Após 11 anos de Nacional, Haroldo Barbosa se transferiu em 1948 para a Tupi, onde integrou um poderoso quarteto de diretores-produtores-programadores do rádio com Almirante, José Mauro e Sérgio Vasconcellos – os “quatro grandes”, segundo a Fon-Fon de 16/09/1950. Em 1949 passou a escrever no Diário da Noite uma coluna de turfe – grande paixão sua, além da pescaria – que faria história, criada por ele, Augusto Rodrigues, Léo Pires Pinto e Aluízio Ramos Freire: “O pangaré”. A seção teria vida longa, migrando mais tarde para O Globo. Ali surgiriam inúmeros neologismos: um deles, “jabaculê”, chegaria até ao dicionário.

    Da Tupi, Haroldo foi para a popularíssima Mayrink Veiga em 1952. Lá, criou programas inesquecíveis e de grande audiência, entre eles “A cidade se diverte” – onde surgiu o professor Raimundo –, “Alegria da rua”, “Vai da valsa”, “Aí vem dona Isaura” – com a comediante Ema D’Ávila –, “Levertimentos” e “Da boca pra fora”, os dois últimos em parceria com Sérgio Porto. Não por acaso, em 1954 ele seria escolhido pela Associação Brasileira de Rádio o melhor produtor de 1953. Craque em inventar esquetes e situações engraçadas – no rádio, depois na TV, e até mesmo em suas músicas –, podia também protagonizar algumas destas na vida real.

    Como a que aconteceu em 1955 com Ary Barroso, depois de uma discussão no bar Villarino, no Centro do Rio, sobre o Fla-Flu que seria disputado no domingo seguinte: “(...) o rubro-negro Ari [sic] e o tricolor Haroldo Barbosa fizeram uma aposta, segundo a qual, se o Flamengo perdesse, Haroldo rasparia o bigode de Ari Barroso; se a derrota fosse do Fluminense, seria Haroldo Barbosa que ficaria sem bigode”, explica Sérgio Cabral em “No tempo de Ari Barroso” (Lumiar, s/ data). O favorito Flamengo perdeu de 2 a 1 – mas Ary não compareceu na segunda-feira ao Villarino, onde o esperava uma pequena multidão, para pagar a aposta. Haroldo (um ex-flamenguista, de acordo com várias fontes) o localizou na residência de Linda e Dircinha Batista e o comboio foi para lá.

    “A minha mulher não me aceita sem bigode”, apelou Ary. Haroldo ligou para dona Yvonne e ela, segundo Cabral, “respondeu que se casara com Ari Barroso e não com o bigode dele. Não houve jeito. Diante de dezenas de fotógrafos e repórteres, o bigode de Ari Barroso foi cruelmente raspado por Haroldo Barbosa (...)”. No Esporte Ilustrado de 22/09/1955, Levy Kleiman complementa: “Após ter ficado sem o bigode de estimação, (...) o rubro-negríssimo compositor proferiu uma frase histórica que bem poderá ser a arma psicológica na conquista do tri-campeonato: ‘... que o Flamengo compreenda o meu sacrifício...’”. Os jogadores devem ter compreendido, já que o time rubro-negro sagrou-se tricampeão (1953-54-55) contra o América, em jogo disputado no dia 4 de abril de 1956 no Maracanã.

    Duas produções de Haroldo Barbosa em anúncios nas páginas da revista Fon-Fon: os programas 'Vai da valsa' (na edição de 10-03-1956) e 'A cidade se diverte' (09-06-1956), da Rádio Mayrink Veiga / Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

    “Sou obrigado a ler quilos de jornais, coisa que detesto. Passo horas e horas a pensar uma piada. Quando a descubro, boto-a no programa e, irradiada, ninguém ri. Como autor do ‘Pangaré’, às vezes critico os amigos, que jamais compreenderão o que vem a ser crítica construtiva”, desabafaria à revista Manchete de 09/03/1957. Haroldo Barbosa, apelidado de Pangaré por conta da sua coluna de turfe, no trabalho estava mais para um cavalo puro-sangue-suor-e-lágrimas, a julgar pelo que disse na ocasião:

    “Escrevo quatro programas humorísticos, ou seja, 60 páginas de gracinhas por semana, e há semanas em que minha cabeça não daria para escrever a metade de um. Gostaria de beber, à noite, para espairecer, hábito que não combina com o outro, de escrever programas de rádio (...). E há mais: no dia que eu fosse escrever para rádio seguindo as regras rígidas e arbitrárias da Censura, seria um produtor ignorado”.

    À Radiolândia de 13/04/1957, anunciou que pretendia se aposentar da vida de radialista quando terminasse seu contrato com a Mayrink em abril de 1958 – ou pelo menos sair “do regime em que me encontro desde 1941, quando comecei a escrever para o rádio. Desde aquele ano até esta data, não sosseguei um instante. Levo uma vida de escravo. (...) Estou saturado, completamente lotado de rádio. (...) Escrever para o rádio não é, apenas, trabalho mental, mas físico também. Sento-me na máquina, todo dia, por volta das oito horas e somente me livro dela aí pelas 19 ou 20 horas”. Na ocasião, citou os nomes de outros radialistas que seriam, além dele próprio, os que mais trabalhavam neste ofício: Lourival Marques, Meira Guimarães, Chico Anysio e Max Nunes.

    Felizmente, não pensaria em se aposentar da música popular. “(...) pouco presente ao Carnaval”, como salientou Edigar de Alencar em “O Carnaval carioca através da música” (3ª edição, Francisco Alves/INL, 1979), compusera com Herivelto Martins, ainda em 1945, a marcha “Andorinha”, gravada por Dalva de Oliveira e Francisco Alves – não confundir com a “Andorinha” que seu xará Haroldo Lobo lançaria (em parceria com Milton de Oliveira) na voz de Ângela Maria em 1961. Com Antônio Almeida, Barbosa alcançaria um grande sucesso através da marchinha lançada por Emilinha Borba em 1947: o nome “Barnabé” foi escolhido para rimar com “funcionário letra E”, que na época recebia um salário de fome. “Barnabé” acabaria virando sinônimo de servidor público, chancelado pelos dicionários oficiais.

    A mesma Emilinha, ao lado de Ruy Rey, bailaria o “Tico-tico na rumba (Yo quiero bailar)” de Haroldo e Peterpan (José Francisco de Paula), e seria a intérprete do maior êxito carnavalesco de Haroldo (em dupla com Carlos Cruz), em 1966: “Cancan no Carnaval” (“Tem francesinha no salão, tem francesinha no cordão”...). Em 1968, 1969 e 1970, respectivamente, Haroldo compareceu à folia com as marchinhas “Eu disse... calma!”, “Na base da buzina” e “Marcha da pílula”, todas em parceria com Dunga (Waldemar de Abreu) e interpretadas por Chacrinha. “Gravo músicas do Haroldo Barbosa, na fábrica Odeon. Há três anos. É uma maneira que eu tenho de agradecer ao Haroldo o que ele fez por mim no tempo do rádio”, declarou Abelardo “Chacrinha” Barbosa a O Pasquim de 13 a 19/11/1969. Para o Carnaval de 1973, Haroldo faria, com Luiz Antônio, “Tô por fora”, marcha defendida por Osny José.

    Mais conhecido como letrista e versionista, Haroldo iria produzir sozinho diversas composições, como os sambas “São Paulo”, “Sinfonia do apartamento” – este com um quê de esquete humorístico, não fosse ele um craque nesta especialidade – e “Não se aprende na escola”. Em dupla com Geraldo Jacques surgiriam outros. Um deles, uma mistura de samba com boogie woogie, de êxito retumbante, fez parte do disco de estreia (1948) de um dos mais importantes grupos vocais brasileiros. Haroldo passou alguns meses nos Estados Unidos em 1947, chegando a se encontrar com Carmen Miranda, como mostram as fotos publicadas na Fon-Fon de 27/12/1947. Mas a ideia do samba veio do parceiro.

    “A fila enorme que se formava à porta de um teatro, na Cinelândia, para assistir a um show de Xavier Cugat deu a Geraldo Jacques a ideia de fazer um samba de protesto contra a invasão da música estrangeira. E ali mesmo, num banco da praça, ele escreveu os primeiros versos de ‘Adeus, América’, uma sátira bem-humorada (...). Completado por Haroldo Barbosa, o samba logo estava pronto para marcar a estreia em disco de Os Cariocas, um conjunto que iria revolucionar a história dos grupos vocais brasileiros”, contam Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello no primeiro volume de “A canção no tempo” (Editora 34, 1997).

    Com Jacques, Haroldo colocaria na praça os balançados “Tim tim por tim tim” e “Joãozinho Boa Pinta”. Outro clássico dos anos 1950, “Bar da noite”, foi feito a quatro mãos com Bidu Reis, uma das Três Marias que Haroldo “inventara” anos antes. Mas foi na virada da década seguinte que começaria a lançar sucessos em fileira com seu mais novo parceiro: o pianista e compositor Luís Reis, o Cabeleira. Dois deles estão entre as composições mais regravadas da dupla – e entre os maiores clássicos da música brasileira: “Nossos momentos” – que seria, para sempre, um dos carros-chefes de Elizeth Cardoso – e “Palhaçada” (“Cara de palhaço, pinta de palhaço...”) – idem para Miltinho, cuja gravação (uma das dez que este sucessaço recebeu apenas em 1961) acabaria se sobressaindo, marcando seu intérprete também pela vida afora. Da produtiva safra Reis-Barbosa viriam, ainda em 78 rpm, pérolas como “Notícia de jornal”, “Meu nome é ninguém”, “Canção da manhã feliz”, “Alguém”, “Faço um lê lê lê” e o “Samba de improviso”, no estilo bossa nova.

    Haroldo, “como outros integrantes dos quadros do rádio de sua geração, migrou para a televisão, quando este veículo se consolidou nos anos de 1950”, informa Suetônio Valença. Passou pelas TVs Rio e Excelsior, onde começou, em 1963, sua lendária parceria com Max Nunes, também oriundo do rádio. Contratado pela TV Globo em 1965, Haroldo, ao lado de Max Nunes, fez história nos anos 1970 com “Oh, que delícia de show”, “Satiricom”, “Faça humor, não faça guerra”, “Planeta dos homens” e diversos outros títulos humorísticos de sucesso – isso em plena vigência (e vigilância) da ditadura militar, que censurava a torto e a direito. Os bordões inventados pela dupla e popularizados na telinha por tantos e tantas comediantes passariam a fazer parte do cotidiano dos brasileiros: “Não me comprometa”, “Gueeenta”, “Posso esclarecer? Es-cla-re-ce-rei!”, “É um espanto!”, “Não precisa explicar, eu só queria entender...”.

    Pai da novelista, produtora, jornalista e roteirista de cinema e televisão Maria Carmem Barbosa (1947-2023), fruto do casamento com Maria Barbosa (que deu a ele mais dois filhos, Haroldo e Lucena), Haroldo Barbosa estava casado com Hilda Adelina de Jesus quando faleceu em sua cidade natal, em 05/09/1979, aos 64 anos. Vinha lutando contra um câncer desde 1975 e teve uma parada cardíaca após uma intervenção cirúrgica – a nona, segundo declaração de sua filha publicada n’O Estado de S. Paulo do dia seguinte – para a retirada de um tumor no esôfago.

    O texto do Estadão em 06/09/1979 informava que o grande orgulho de Haroldo Barbosa era “Nunca ter apelado para o palavrão para fazer piada”. Mas havia muitos outros motivos para ele se orgulhar. Um deles foi apontado por Millôr Fernandes, quando da entrevista para o Pasquim: “Você teve toda essa influência americana e é uma pessoa extremamente nativa. A sua temática básica é toda brasileira”. Ao que Haroldo respondeu: “Principalmente carioca. Se eu conseguisse extroverter toda a minha vivência de carioca... Acho que é uma grande felicidade o sujeito ser carioca... (...) Vivi sempre na aura dessa boemia do Rio. Desde garoto acompanho o sujeito batendo samba, sei de vagabundo, sei de gíria, sei o que é morro, o que é futebol. Se eu me distanciasse disso seria um injusto comigo mesmo”.

    Na imagem principal: Haroldo Barbosa em fotografia de Helvidio Araújo publicada na revista Radiolândia (13-04-1957) / Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

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