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    Pelé em 78 rpm: nos 85 anos do Rei do Futebol, lembranças musicais do craque que foi 'muso' e compositor

    Pedro Paulo Malta

    tocar fonogramas

    Não bastasse jogar o futebol que jogou. Conquistar três Copas do Mundo pela seleção. Ser chamado de Rei do Futebol na primeira delas, aos 17 anos. Vencer duas Libertadores da América e dois Mundiais pelo Santos Futebol Clube. Ter disputado 1.363 partidas e marcado 1.283 gols: de bicicleta, de cabeça, de fora da área, driblando um time inteiro e de pênalti, como foi o milésimo, no Maracanã. Ter sido eleito o Atleta do Século XX por uma revista europeia. Cortejado por nobres e bacanas do mundo todo.

    Não bastasse ser Pelé, o melhor jogador de futebol de todos os tempos, ele ainda tocava violão. Gostava de samba e de moda de viola. Cantava e compunha. E mesmo que estivesse longe de ser um pelé na música, até que fez sucesso como artista, sendo gravado por intérpretes importantes e gravando também como cantor, com direito a dueto com Elis Regina. Fora as homenagens e citações a seu nome nas obras de outros compositores, em épocas e interpretações as mais diversas.

    Pois neste 23 de outubro de 2025, quando ele completaria 85 anos, reunimos algumas anotações sobre sua relação com a música popular brasileira. Uma relação começada em sua cidade natal, Três Corações (MG), ouvindo os sons que saíam pelo rádio de seus pais, D. Celeste e Seu Dondinho, mas que o acompanhariam pela vida toda. E as primeiras anotações encontramos aqui mesmo na Discografia Brasileira, na virada entre as décadas de 1950 e 60, quando, depois de participar da primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil, em 1958, virou muso nos mais variados gêneros musicais.

    No choro, por exemplo, seus dribles e investidas ofensivas inspiraram músicas como a serelepe “Ataca, Pelé”, do cavaquinista Tico Tico (também solista da gravação), e “Pelé”, composição de Oiram Santos na qual os solos de Eli do Banjo se alternam com versos cantados em coro em saudação ao craque. Já na polquinha instrumental “Pé de Pelé”, é o acordeonista Antônio Mariano da Silva, vulgo Cambuí – também autor da música, em parceria com Nhô Zé, apelido de José de Moura Barbosa – quem conduz o tributo ao camisa 10, como num baile do interior.

    O nome do craque foi parar também em crônicas espirituosas, como uma do baiano Gordurinha que não trata exatamente do futebol: “Minha vizinha nunca foi Pelé, mas fica dando bola pra mim”, canta Paulo Tito no baião “Pelé”, de 1960. Do ano seguinte é “Maria Espingardina”, composição de Jorge Costa e Zé da Glória em que Germano Mathias, craque do samba sincopado, promete se vingar de uma traição jogando “como o mestre Pelé, que é um Deus nos acuda quando está com a bola no pé...”

    A popularidade, no entanto, era tão grande que houve quem se perguntasse do que gostava mais: Pelé ou mulher? Alvarenga e Ranchinho equiparam as duas preferências – observe-se que estamos no comecinho dos anos 1960 – na “Marchinha do Pelé”, que compuseram e gravaram pro carnaval de 1961. Já o cantor Carlos Augusto, como que respondendo à dupla humorístico-caipira, evocou o nome do craque na folia de 1962, ao entoar a “Marcha do Pelé” (Paulo Borges, Mariano e Cobrinha), reafirmando sua macheza: “o maior é o Pelé”, mas “o meu caso é outro, eu gosto muito é de mulher”.

    Mas o leitor ou a leitora não se espante: mesmo o grande Wilson Batista também deu suas caneladas ao exaltar o “Rei Pelé” em um cha cha cha de 1962, co-assinado por Jorge de Castro e Luiz Wanderley, este também intérprete da primeira gravação: “Vamos tomar café!”, diz a rima de Wilson e companhia, à beira do nonsense e, atualmente, também do racismo. A música teve outra chance de emplacar em 1964, quando, transformada em marcha e com ajustes na letra, foi relançada nas vozes infantis do Coro do Clube do Guri. Não adiantou: “Rei Pelé” não aconteceu.

    Quem esperava que, desta forma, a rima com café também fosse pro ralo, se deu mal, como se pôde ouvir na voz de Antônio Borba, cantando em ritmo de samba que “da cor do café é o Rei Pelé”, como diz a letra de “O Rei Pelé” (José Toledo, J. Audi e Jean Manzon), insuperável na rasgação de seda: “Deus fez o mundo em sete dias, no oitavo fez Pelé...” Mesmo com o perfil impoluto – “amigo e companheiro”, “exemplo e educação” – que se ouve na “Homenagem a Pelé” (Jorge Duarte). E com a história pitoresca do frevo-canção “A Lua disse” (Gildo Branco), segundo o qual o astronauta soviético Yuri Gagarin – primeiro ser humano a desbravar o espaço – resolve que vai trocar o céu pelo Brasil, para brincar o carnaval e conhecer Pelé.

    Mas nada se compara à enxurrada de homenagens em 1958, quando ele trouxe da Suécia, com seus companheiros da seleção brasileira, a primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil. E aí são poucos os tributos musicais que, diferentemente da eterna “A taça do mundo é nossa” (Maugeri, Maugeri Sobrinho, Victor Dagô e Lauro Muller), não citam Pelé e seus companheiros de glória.

    A seleção brasileira que venceu a Suécia na final da Copa do Mundo de 1958 - em pé: Djalma Santos, Zito, Bellini, Nilton Santos, Orlando e Gilmar; agachados: Garrincha, Didi, Pelé, Vavá, Zagallo e o massagista Mário Américo / Reprodução da internet

    Em algumas delas, como os sambas “Rei do futebol” (Wilson Batista e Jorge de Castro, aqui mais inspirados) e “Escola de Feola” (Nelson Ferreira e Luiz Queiroga), só os titulares são escalados na letra. Mas, na maior parte das homenagens cantadas, tem lugar também para os reservas, como o samba “Aquarela da vitória” (Denis Brean e Osvaldo Guilherme) e as marchas “Brasil Brasil” (Alceu Menezes), “Copa do Mundo” (Aldacir Louro e Linda Rodrigues) e “Rebola, Feola” (J. Campos, José Saccomani e Toninho).

    Já o samba-choro “Brasil campeão” (Ronaldo Magalhães) consegue a proeza de escalar os titulares na primeira parte e, na segunda, descrever uma jogada completa: “Em ritmo de samba o baile começou. Didi para Pelé... Pelé centrou. Garrincha com a pelota... sassaricou. E entregou lá na frente a Vavá, que atirou... Goooooool de Vavá! E a roseira balançou”, canta Humberto Martins, antecipando em 41 anos a tabelinha dos sonhos imaginada por Chico Buarque em “O futebol”, de 1989.

    Há, ainda, as gravações abertas por narrações de gols – todos de Pelé. Um deles numa tabela com Zagallo na marcha “Fanzoca do mundo”, autoparódia de Miguel Gustavo (autor de “Fanzoca de rádio”, sucesso em 1957) que é mais uma a escalar os titulares campeões, na voz do palhaço Carequinha. Outro de cabeça, novamente com assistência de Zagallo, antes do “Samba da vitória” (outra de Aldacir Louro e Linda Rodrigues). E ainda um terceiro, após receber passe de Nilton Santos e driblar dois adversários, abrindo a gravação da marcha “Copa do Mundo” (Carlos Alberto de Nóbrega).

    E aí vieram os Mundiais seguintes: depois de se contundir nos de 1962 (quando o Brasil conquistou o bi, no Chile) e 1966 (na Inglaterra), o tricampeonato vencido no México, em 1970, confirmou Pelé como o maior jogador de futebol de todos os tempos. E assim vieram novas homenagens musicais, não mais em 78 rpm (formato extinto desde 1964), mas em LP: a primeira delas foi o sambão “Obrigado, Pelé”, composto por Miguel Gustavo (autor de “Pra frente, Brasil”) e gravado pelo MPB-4.

    Pelé, o cantor, em estúdio / Reprodução da internet - site G1

    Em 1974, quando o craque anunciou sua despedida do futebol e vestiu pela última vez a camisa do Santos, foi a vez de Jackson do Pandeiro homenageá-lo (em parceria com Sebastião Batista), perguntando no refrão: “Quem é aquele moço com a bola no pé? É o Rei Pelé.” Já em 1978, um ano após sua segunda — e definitiva — despedida do futebol (desta vez pelo New York Cosmos, dos EUA), foi lembrado em outros dois sambas. Como codinome de um “Pivete” (Chico Buarque e Francis Hime) e citado no título de uma composição de Gonzaguinha – “E por falar no Rei Pelé?” – em que o futebol serve de metáfora para a luta diária do povo brasileiro.

    Entre as muitas outras homenagens ao Atleta do Século XX – assim proclamado pela revista francesa L’Équipe em 1981 – destacam-se lançamentos já do século XXI. Primeiro em 2004, quando Jorge Ben Jor biografou o ídolo no samba-rock “O nome do rei é Pelé”. Depois veio o duo Palavra Cantada, entoando as façanhas de “Pelé”, composição dos irmãos Paulo e Zé Tatit. Já em 2020, Alcione lançou “O homem dos Três Corações”, canção de Altay Veloso e Paulo César Feital que alinha o ex-craque – então chegando aos 80 anos – a Pixinguinha, Tom Jobim, Luiz Gonzaga e Radamés Gnattali, entre outros grandes artistas.

    Capas de discos: o LP com a trilha sonora do filme 'Pelé' (1977) e o compacto de 1969 com Elis Regina / Reproduções da internet

    Pois se o êxito do Pelé compositor não chega aos pés desses pelés da música brasileira, pelo menos uma música frequentou as paradas de sucessos no começo dos anos 1980: a moda “Cidade grande (“Abre a porteira), que Jair Rodrigues gravou em 1981, em dueto com o próprio autor. Jair, aliás, foi um dos primeiros a gravar músicas do Rei do Futebol, em 1968, quando lançou “Recado à criança”. O outro foi Wilson Simonal, também amigo fraternal de Pelé, que nesse mesmo ano gravou “Gosto tanto de você”.

    Já em 1969, ninguém menos que Elis Regina dividiu o microfone com Pelé, interpretando, num compacto simples, as músicas “Perdão, não tem” e “Vexamão”, ambas composições do mestre da bola. E em 1977, quando o documentário “Pelé” (François Reichenbach) chegou aos cinemas, foi a vez do showman Sérgio Mendes gravar as músicas que o ex-jogador compôs para o filme, entre elas “Meu mundo é a bola”, na voz do próprio Pelé.

    O Rei do Futebol ainda emplacou mais um sucesso: o “ABC do bicho-papão”, canção de sua autoria que gravou em 1985, com o conjunto infantil Trem da Alegria, e foi fartamente veiculada na TV como jingle de uma campanha nacional de alfabetização.  Quando faleceu, aos 82 anos (29-12-2022), vitimado por um câncer, os obituários informaram que eram mais de cem as músicas deixadas pelo compositor Pelé.  

    Foto principal: Pelé com violão / Reprodução da internet - Site Museu da Pelada

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