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    Elis em 78 rpm: em ritmo de calipso, beguine, rock e pasodoble, a pré-história de uma das maiores cantoras da música brasileira

    Pedro Paulo Malta

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    “Já na praça o primeiro 78 da cantora Elis Regina para a Continental. Essa jovem de 17 anos há dois anos é considerada a melhor cantora de Porto Alegre. Em seguida, teremos o seu aguardado LP, ‘Viva a Brotolândia’.”

    A nota publicada pelo jornal A Noite em 15-04-1961 traz uma confirmação importante sobre a estreia fonográfica de Elis Regina: seu primeiro disco não foi o long-playing “Viva a Brotolândia” (como informam algumas fontes), mas o 78 rpm que sua gravadora, a Continental, pôs no mercado em abril de 1961, antecipando duas faixas que, logo em seguida, estariam também no repertório do LP.

    No lado A da bolachinha de nº 17.894 Elis canta o calipso “Dá sorte”, composição do gaúcho Eleu Salvador (também ator e dublador), enquanto no B ela entoa “Sonhando”, uma versão de Juvenal Fernandes para o rock “Dreamin’", dos estadunidenses Barry de Vorzon e Ted Ellis. Em ambas as gravações, a cantora estreante é acompanhada pela Orquestra de Severino Filho, presente também em todas as outras faixas do LP.

    Aos 16 anos incompletos (e não 17, como informou A Noite), Elis chegava ao Rio de Janeiro para essas primeiras gravações com status de principal promessa das emissoras de rádio de sua Porto Alegre natal – primeiro a Farroupilha, onde roubou a cena no Clube do Guri, depois a Rádio Gaúcha, que lhe pagou seus primeiros cachês. Onde quer que fosse, ao lado ia o pai, Romeu Costa.

    “Era um gauchão muito boa-praça que não desgrudava da filha”, afirma o compositor João Roberto Kelly, que se lembra de Elis “muito novinha quando chegou ao Rio”. Outra recordação: “Logo de cara, quando fui ensinar à Elis a primeira música minha que ela gravou, fiquei muito impressionado com a musicalidade dela. Basta ouvir as ótimas bossas que ela improvisa na gravação. Aquilo é coisa de quem sabe muito.”

    Kelly se refere ao samba “Dor de cotovelo”, composição sua que estava entre as duas músicas lançadas no segundo 78 rpm de Elis: o disco Continental 17.968, que chegou às lojas em julho de 1961 e, no lado B, trazia “Samba feito pra mim”, do potiguar Paulo Tito. Assim como as músicas do 78 rpm anterior, essas também estavam entre as faixas de “Viva a brotolândia”, que, quando saiu, não deixava dúvidas sobre o público-alvo.

    “Aqui está um broto, cantando música de broto, para você, broto, ouvir e dançar. Elis Regina é um broto não só na idade, como no espírito também”, definia no texto da contracapa o produtor Carlos Imperial (“o disc-joquey da juventude”), também autor da letra de “Amor, amor” (do estadunidense Bill Caesar), uma das seis versões daquele repertório – de doze músicas no total – na linha romântico-espevitada que andava na moda.

    Os LPs que Elis lançou pela Continental: "Viva a Brotolândia" (1961) e "Poema de amor" (1962) / Reproduções da internet

    “Primeiro LP da ilustre desconhecida Elis Regina, que – dizem – foi lançada para fazer concorrência a Celly Campello, que, a esta altura, deve estar morrendo de rir”, alfinetou o jornalista Rossini Pinto no Correio da Manhã (09-06-1961), na coluna Esquina Sonora, antes de criticar a seleção musical, “das mais pobres possíveis”, especialmente os sambas: “Tirando ‘Dor de cotovelo’, são todos borocochôs”, avaliou o crítico, que deu uma estrela (de cinco possíveis) para o LP e, mesmo assim “com certa benevolência”.

    Cantando ainda à moda antiga, com vibratos reverentes a sua cantora preferida, Ângela Maria, a estreante ainda estava longe da artista que desabrocharia no decorrer da década de 1960. “A Elis que soava no disco, no entanto, não era a mesma menina que comovia Porto Alegre. Sua voz vinha afinada, arrumadinha, mas nada além disso”, anota Júlio Maria, em sua biografia “Elis Regina: nada será como antes” (Ed. Master Books, 2015). “Ela nunca ouvira aqueles rocks antes, sua escola era outra.”

    No mesmo clima, saiu em março de 1962 – quando Elis completava 17 anos – o terceiro 78 rpm da jovem cantora. No lado A vinha a alegre “Pororó popó”, outro samba de João Roberto Kelly que alcançou “sucesso mediano”, segundo a avaliação do compositor. Do outro lado do disco estava “Nos teus lábios”, um beguine do produtor e apresentador Haroldo Eiras em parceria de Ataliba Santos regravado por Elis – já não era inédito desde 1954, quando suas primeiras gravações, feitas por Neusa Maria e Ivan de Alencar, foram lançadas.

    Ambas saíram também no segundo LP de Elis Regina, “Poema de amor”, lançado em abril pela Continental, com arranjos de Renato de Oliveira, Severino Filho e Guerra Peixe. Segundo a jornalista Regina Echeverria, na biografia “Furacão Elis” (Ediouro, 2007), “o disco também não estourou”, apesar da “versatilidade raramente encontrada em cantoras de voz ainda em formação”, como assinala o produtor Luiz Mergulhão no texto da contracapa.

    Mais uma vez, Elis e o pai voltaram a Porto Alegre, onde ela seguia na dupla rotina, como aluna normalista do Instituto de Educação General Flores da Cunha e cantora da noite, atacando de crooner em conjuntos musicais como o Flamboyant. Até o dia em que que o produtor Aírton dos Anjos propôs novos ares numa visita que fez à família na vila do IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários), onde Elis vivia desde o nascimento, há 80 anos, em 17-03-1945. Que tal gravar dois discos na Columbia? Negócio fechado.

    Os LPs de Elis lançados pela Columbia: "Ellis Regina" e "O bem do amor" (ambos de 1963) / Reproduções da internet

    Em abril de 1963 já estava pronto o terceiro LP de Elis, que gravou todas as faixas com a orquestra de Astor Silva, trombonista e arranjador criado nas gafieiras da noite carioca. O repertório, mais uma vez, intercalava a produção nacional com versões para músicas estrangeiras. Mas “Ellis Regina” – esse era o nome do disco, assim mesmo, com L duplo – foi mais bem recebido pela crítica especializada.

    “Temos um novo LP da magnífica cantora gaúcha Elis Regina”, festejou Claribalte Passos no Correio da Manhã (14-04-1963). “Na verdade, além de sua linda voz e sua exuberância interpretativa, encontramos no disco um repertório dos melhores”, elogiou o crítico, que avaliou o álbum como “ótimo”.

    Já Dirceu Ezequiel, do jornal A Luta Democrática (09-04-1963), salientou que a jovem artista “tem merecido a atenção dos apreciadores da gente nova do rádio” e chamou atenção para suas faixas preferidas: “Ouçam a sua gravação de ‘A virgem de Macarena’ e ‘Um, dois, três, balançou’ e depois deem sua opinião.”

    As gravações mencionadas eram as mesmas que já rodopiavam nos toca-discos desde dezembro de 1962, quando foram lançadas pela CBS no 78 rpm de nº 3250. No lado A, Elis cantava “Um, dois, três, balançou”, samba de telecoteco de Alcyr Pires Vermelho e Nazareno de Brito. No B estava sua interpretação para o pasodoble “A virgem de Macarena”, com versão de A. Bourget para canção original dos espanhóis Bernardino Bautista Monterde (música) e Antonio Ortiz Calero (letra).

    E assim terminava a discografia em 78 rpm de Elis Regina, que, ainda em 1963, cumpriu o que estava previsto no contrato com a Columbia, gravando o LP “O bem do amor”. O repertório, com predominância de sambas, era o primeiro de Elis em long-playing sem versões de músicas estrangeiras. Mas ainda não seria o divisor de águas da carreira da novata cantora.

    Este só viria depois de 1964, quando Elis Regina, contratada pela Philips, se mudaria de vez para o Rio de Janeiro e, deixando pra trás os vibratos de sua pré-história artística, se tornaria uma das maiores cantoras – se não a maior – da música popular brasileira.

    Na imagem principal: a adolescente Elis Regina em clique do estúdio Lafe (Coleção José Ramos Tinhorão / IMS)

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