Quando desembarcou em Nova York na manhã de 17 de maio de 1939, após 13 dias de viagem a bordo do navio Uruguay, Carmen Miranda, “Apenas no que se referia aos discos” – nas palavras de seu biógrafo Ruy Castro –, “estava deixando para trás uma carreira maravilhosa”. Em dez anos, foram 269 gravações em 78 rotações, “recorde absoluto entre as cantoras brasileiras – sambas e marchas na imensa maioria, mas também choros, canções e até ritmos exóticos, como rumbas, foxes e tangos. Os sucessos eram incontáveis. Fizera dupla com os maiores cartazes de sua geração – nenhum maior do que ela –, como Chico Alves, Mário Reis, Sylvio Caldas, Carlos Galhardo, Almirante, Aurora”, escreveu ele em “Carmen: uma biografia” (Companhia das Letras, 2005).
Ruy Castro segue detalhando o invejável currículo da cantora que, aos 30 anos, tornara-se a mais bem paga do show-business nacional até então: “Todos os grandes compositores brasileiros tinham passado pela sua voz e ela fora responsável pela consagração de pelo menos três: Assis Valente, Synval Silva e Dorival Caymmi. E tivera a acompanhá-la os maiores músicos do país, como os flautistas Pixinguinha e Benedito Lacerda, o saxofonista Luiz Americano, os violonistas Rogério Guimarães, Jayme Florence (o Meira) e Laurindo de Almeida, o bandolinista Luperce Miranda, o pianista Nonô e grandes pioneiros do ritmo, como Bide ao tamborim, Walfrido Silva à bateria, e Russo do Pandeiro”.
Este era o tamanho da artista que o empresário Lee Shubert levaria para os Estados Unidos, após vê-la se apresentar no Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, no dia 15 de fevereiro de 1939, quando ela interpretou, com o acompanhamento da orquestra de Vicente Paiva, “sambas e marchinhas de levantar a plateia” (segundo Castro), entre eles “O que é que a baiana tem?”, e “sucessos de Carnavais recentes, como ‘Mamãe, eu quero’ e ‘Touradas em Madri’”. Carmen, naquele momento, ocupava o posto de maior estrela do Brasil – ainda o seria por muitos e muitos anos, mesmo longe do nosso país. E acabaria por se tornar um fenômeno mundial: o impacto que causou em Shubert iria se repetir numa escala ainda maior.
Na noite de 29 de maio, Carmen estreou – ao lado de Bobby Clark, Luella Gear, Jean Sablon, dos comediantes Abbott & Costello e, claro, dos seus “Miranda Boys”, como o Bando da Lua era conhecido por aquelas plagas – no musical “Streets of Paris” (“Ruas de Paris”), no Shubert Theatre, em Boston. Bastariam seis minutos – o tempo em que permaneceu no palco – para que ela conquistasse o público e, em pouquíssimo tempo, a Broadway, onde o espetáculo seria exibido a partir de junho: mesmo não entendendo patavina do que ela dizia, os estadunidenses ficaram fascinados e apaixonados não só pelos ritmos exuberantes que ela trazia de tão longe, mas principalmente por sua voz, sua personalidade, seus trejeitos, sua indumentária diferente – os trajes de baiana que ela levara consigo –, seu charme, seu sex-appeal, seu olhar aceso e faiscante.
Talvez por tudo isso, Carmen tenha explodido no teatro e mais tarde no cinema, onde aparecia por inteiro, ao mesmo tempo em que deixaria no acetato, em solo estrangeiro, escassos registros de sua voz: apenas 16 discos de 78 rotações em pouco mais de dez anos, num total de 32 gravações, feitas entre dezembro de 1939 e janeiro de 1950. No dia 26/12/1939, há exatos 85 anos, Carmen entrou no estúdio da Decca, na Sétima Avenida, junto com o Bando da Lua, para gravar seis músicas de uma só vez. Quatro eram justamente as que ela mostrava em “Streets of Paris” em forma de pot-pourri – e que continuavam a ser, no final de 1939, grandes hits nos States: “O que é que a baiana tem?”, “Touradas em Madri”, “Bambu bambu” (como seria grafada no rótulo do disco a embolada “Bambo bambu”) e “South American way”. Completavam a seleção musical a “Marchinha do grande galo” e “Mamãe, eu quero”.
Conta Ruy Castro que Carmen, “Numa simples tarde, de uma só sentada, sem erros, sem repetições e sem takes rejeitados, gravou as seis músicas que comporiam os três discos, e nesta ordem: ‘Mamãe, eu quero’, ‘Bambu bambu’, ‘O que é que a baiana tem?’, ‘South American way’, ‘Marchinha do grande galo’ e ‘Touradas em Madri’ (na verdade, sete, porque foram feitas duas matrizes de ‘South American way’, uma só em inglês)”. De acordo com seu biógrafo, ela teria sentido algumas diferenças nessa sua primeira experiência de gravar nos Estados Unidos.
“No estúdio da Odeon, no Rio, tinha à sua disposição a enorme orquestra da gravadora, dirigida por Simon Bountman, que ainda podia ser enriquecida com regionais, solistas, coros e quem mais ela exigisse. Seus discos brasileiros tinham um som redondo, eufórico, extasiante. No estúdio da Decca em Nova York, Carmen só podia contar com o acompanhamento quase cool do Bando da Lua, agora já reforçado por Garoto (com crédito à parte) – e lambesse os beiços”. Mas havia contrapartidas, segundo Castro: “Em compensação, em matéria de fidelidade sonora, nunca tinha sido tão bem gravada – podia-se saborear cada mínima inflexão vocal. E já fora um milagre que pudesse ter gravado tudo em português, mesmo sendo os discos voltados para o mercado americano”.
A primeira gravação (com o número de matriz 67000) feita para a série da Decca ficaria eternizada como um dos mais retumbantes sucessos de Carmen Miranda nos Estados Unidos e no mundo todo a partir de 1940, graças a Hollywood – e a Carmen, lógico. “(...) ‘Mamãe, eu quero’ tem um estribilho de uma simplicidade mágica, que se tornou um verdadeiro hino à folia. Além de gravada por inúmeros artistas brasileiros (...), a marchinha ganhou o âmbito internacional, sob o título de ‘I want my mama’, através de Carmen Miranda que a lançou no filme ‘Serenata tropical’ (1940). Ainda no exterior foi gravada por Bing Crosby e pelas Andrews Sisters, entre outros, e apresentada em filmes de Mickey Rooney e Jerry Lewis”, destacam Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello no primeiro volume de “A canção no tempo” (Editora 34, 1997).
Carmen Miranda em ação: a Pequena Notável em três fotogramas do filme "Serenata tropical" (Reprodução da internet)
Um dos seus criadores, Vicente Paiva, tinha sido o coautor (ao lado de Nelson Barbosa) da marcha “Segura a chupeta” (“Quem não chora não mama, segura, meu bem, a chupeta...”), feita em 1935 para o Bloco da Chupeta e posteriormente adotada como hino, com algumas modificações, pelo Cordão da Bola Preta, ícone do Carnaval carioca, fundado em 1918 (leia a história aqui). Ao lado de Jararaca (José Luiz Rodrigues Calazans), Paiva iria compor a maliciosa “Mamãe, eu quero”, gravada em dezembro de 1936 por Almirante (com participação do próprio Jararaca) e lançada em janeiro de 1937.
No livro “A história do Cordão da Bola Preta” (Rio de Janeiro, 2005), Murilo Brasil levanta uma questão: “Chupeta... mamar... choro de bebê... cordão... formam conceitos que estão nos versos da música do Bola Preta (1935) e dois anos depois constituíram a base do grande sucesso de Jararaca”. Ou seja, a consagrada e debochada marchinha pode ter uma ligação umbilical com a versão primitiva do hino do mais famoso bloco do Rio de Janeiro – tendo ambas um autor em comum, Vicente Paiva.
Os versos de “Mamãe, eu quero” estão entre os mais safadinhos e gaiatos da nossa música popular: “Mamãe, eu quero mamar; dá a chupeta pro bebê não chorar / (...) Eu olho as pequenas, mas daquele jeito / E tenho muita pena não ser criança de peito / Eu tenho uma irmã que é fenomenal” – e fecha com um dos melhores trocadilhos da língua portuguesa: “Ela é da bossa e o marido é um boçal”.
“Com a marcha de Jararaca e Vicente Paiva, que acaba de ser editada nos Estados Unidos, não fazia fé nenhuma. Cheguei mesmo a ignorá-la, por algum tempo”, confessaria à Carioca de 20/01/1940 o editor Vicente Mangione. A música teria lugar, em 1943, até num desenho de Tom – devidamente paramentado como Carmen Miranda – e Jerry. Antes, para aproveitar o estrondoso êxito de sua composição, Jararaca – em parceria com Sátiro de Melo e Ricardo de Araújo – faria uma continuação, “Mamãe eu quero mais”, lançada em fevereiro de 1941.
A segunda gravação (de matriz 67001) acabou resultando num grande imbróglio – por causa de uma discussão sobre sua autoria. A embolada “Bambo bambu”, de Donga e Patricio Teixeira – J. Thomaz também reivindicaria seu quinhão nessa parceria –, foi levada ao disco em 1926, mesmo ano da edição da partitura impressa, onde aparece a letra original cantada por Patricio. No exemplar pertencente à Coleção José Ramos Tinhorão/IMS, há a informação de que este “coco de embolada da Bahia” foi oferecido por Donga e Patricio “ao querido vespertino ‘O Globo’”.
“Bambo bambu”, sucesso em “Streets of Paris”, ficaria ainda mais famosa por conta do filme “Serenata tropical” (“Down Argentine way”). Ali, a deslumbrante Carmen aparecia cantando a versão do seu disco, com uma letra completamente diferente. Os direitos autorais seriam entregues para Almirante (Henrique Foréis Domingues), cantor, compositor e seu amigo desde antigos Carnavais. J. Thomaz e Donga estrilaram – Patricio não chegou a entrar na briga.
Aí começou o que chamar-se-ia hoje de “guerra de narrativas”. Ao jornal O Radical de 01/06/1941, Thomaz afirmou que a embolada tinha sido composta por ele e Donga quando integrantes dos Oito Batutas e lançada em 1921 no Recife “com ruidoso sucesso”. Almirante, segundo seu biógrafo Sérgio Cabral, alegou que conhecera a música em 1924, como grito de guerra da torcida do São Cristóvão (“No tempo de Almirante: uma historia do rádio e da MPB” – Lumiar Editora, 2005, 2ª edição).
“Até o poeta Ascenso Ferreira se pronunciou, dizendo que conhecia a música há mais de 20 anos e que a letra entrou no seu livro ‘Catimbó’, de 1927. Na verdade, o que Almirante desejava era provar que ‘Bambu bambu’ era uma música folclórica”, escreve Sérgio Cabral, revelando que o próprio Donga admitiria que a tinha recolhido em Pernambuco. Cabral revela o final da contenda: “Prevaleceu, finalmente, o ponto de vista de que o estribilho é de domínio público e que qualquer pessoa poderia fazer dele o arranjo que desejasse (...). Concordou-se, enfim, que havia duas versões, mas que a gravada por Carmen Miranda era a de Almirante e Valdo Abreu”. Na verdade, já existiam outras, com letras que nada tinham a ver nem com a original nem com a de Almirante e Valdo, levadas ao acetato por Francisco Alves em 1927, por Berta Singerman em 1930 e por Jararaca e Ratinho em 1940. Mas precisou que a música estourasse internacionalmente para dar confusão...
“O que é que a baiana tem?”, a terceira da lista (matriz 67002), foi tema de post aqui nessa Discografia Brasileira. É a única das seis que Carmen já havia gravado antes, em fevereiro daquele mesmo 1939, ao lado do seu autor, Dorival Caymmi – que então estreava em disco como cantor e compositor. Antes, Carmen já mostrara o samba no filme “Banana da terra”, rodado em 1938 e lançado também em fevereiro de 1939. Foi a primeira vez que ela usou um traje de baiana – que, a partir daí, seria sua indumentária “oficial”.
Ela voltaria a cantar e dançar um trecho do clássico de Caymmi nas telas em “Serenata boêmia” (“Greenwich Village”), de 1944, num medley com “Quando eu penso na Bahia”, de Ary Barroso e Luiz Peixoto. Em “Banana da terra” – diferentemente do que acontece na gravação original em disco –, Carmen canta balangandangs (com “g”), o que se repetiria na versão feita para a Decca. Já em outra música da série, a pronúncia seria ainda mais esquisita.
“Em ‘The South American way’, Carmen Miranda deformou ‘balangandangs’ e o som lançado em onda curta, desde Nova York, numa irradiação especial para o Brasil, apresentou ‘belenguendens’. Desta vez, Carmen Miranda foi derrotada, pois ‘belenguendengues’ não chegou a ganhar adeptos, prevalecendo mesmo o termo ‘balangandangs’”, observava o anônimo redator de A Tribuna (26/07/1939), de Santos, meses antes de Carmen levar ao disco “South American way”, a quarta da série (matriz 67003). “E vende vatapá, e vende caruru, e vende mungunzá, e vende umbu / Seu tabuleiro tem de tudo o que convém, mas só lhe falta, ai ai, ‘belenguendens’”, canta Carmen neste que se tornaria um sucesso imediato até no Brasil, onde chegaria pelas ondas do rádio, pelas páginas das revistas especializadas... e também pela voz de outras intérpretes.
A revista Flamma, de Santos, destacava em sua edição de julho de 1939 a cantora Aracy Lima – pseudônimo de Maria da Conceição Costa Lima, mãe do multi-instrumentista Arismar do Espírito Santo –, que levou ao palco do Teatro Coliseu o samba-rumba “South American way”, “o grande sucesso de Carmen Miranda e do Bando da Lua, em Nova York, na revista ‘Ruas de Paris’”. A Tribuna, de Santos, afirmava (em 27/07/1939) que ela tinha sido a primeira a mostrar no Brasil o samba “ao microfone da PRG 5, logo após haver Carmen Miranda cantado esse número ante o público novaiorquino”.
Mas seria sua homônima carioca Aracy de Almeida a levar para o acetato – antes de Carmen –, em 25/07/1939, o samba/rumba importado dos EUA, com o título “Venha à América do Sul” e letra em português de Osvaldo Santiago, como informava a Carioca de 12/08/1939. O mesmo periódico (em 29/07/1939) já havia publicado a letra completa em inglês.
Jimmy McHugh e Al Dubin haviam feito a rumba com versos em inglês e espanhol para o ator Jean Sablon cantar em “Streets of Paris”, mas ela acabaria nas mãos – e na voz – de Carmen, recebendo, segundo Ruy Castro, “uma pequena transfusão de samba pelo Bando da Lua para disfarçar o rebolado rumbeiro”. Aloysio de Oliveira, integrante do conjunto – e na época namorando secretamente Carmen –, foi o responsável pela letra em português, mas derrapou na gramática: ele transformou o pregonero da letra original em “pregoneiro”, e não no correto “pregoeiro”. Em sua versão brazuca da letra, Aloysio manteve em inglês apenas a expressão que dava nome à música, “South American way”.
O que resultou num detalhe cômico: tanto nos palcos quanto nas telas como no disco, desde os ensaios de “Street of Paris”, Carmen cantava “Souse American way”, provocando sempre gargalhadas em quem a escutava, como explica Ruy Castro: “‘Souse’ queria dizer bêbado. Era uma piada tão natural que Carmen foi orientada a manter essa pronúncia durante toda a duração de ‘Streets of Paris’ – até muitos meses depois, quando já poderia, se quisesse, pronunciar ‘South’ perfeitamente”. O samba apareceria – com os versos de Aloysio – na primeira cena do filme “Serenata tropical”; já em 78 rotações, após uma primeira parte cantada em nossa língua, Carmen também mostrava alguns versos da música em inglês.
Os rótulos dos 78 rpm de 'O que é que a baiana tem' e 'Marchinha do grande galo' (Coleção Leon Barg/IMS) e, entre eles, o de 'Mamãe eu quero' (reprodução da internet)
A “Marchinha do grande galo” (matriz 67005), de Lamartine Babo e Paulo Barbosa, era velha conhecida do Bando da Lua, que a levara para o 78 rpm em 16/12/1935. Quatro dias depois do bando, em 20/12/1935, Almirante fez a sua versão; esta acabaria sendo lançada primeiro, em janeiro de 1936 – a do conjunto de Aloysio de Oliveira chegaria às lojas somente em novembro de 1937. “(...) é uma marcha de versos e melodia extremamente ingênuos e pouco elaborados, mas foi e continua sendo uma das mais populares canções de Lamartine”, afirma seu biógrafo, Suetônio Soares Valença, em “Tra-lá-lá: vida e obra de Lamartine Babo” (Funarte, 2014, 3ª edição). Também conhecida pela onomatopeia presente em seu estribilho (“Có có có có có có ró”), foi a vencedora, em sua categoria – recorda Suetônio –, do Concurso de Marchas e Sambas de 1936.
Por fim, a música de matriz 67006: “‘Touradas em Madri’ foi feita numa época em que, por causa da guerra civil, a Espanha era notícia em toda a imprensa, surgindo daí o tema da composição” de João de Barro (Braguinha) e Alberto Ribeiro, explicam Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. Gravada por – olha ele de novo – Almirante em novembro de 1937, chegou ao público em janeiro do ano seguinte. “É um dos três grandes sucessos de Braguinha no Carnaval de 38, ao lado de ‘Pastorinhas’ e ‘Yes, nós temos bananas’”, apontam os autores. A mesma orquestra que acompanhou Almirante – a Odeon, dirigida por Simon Bountman – faria, com coro, sua própria versão em 13/07/1938, lançada em setembro. Já Carmen regravaria a marcha (em inglês, sob o título “The matador”) com as Andrew Sisters em 1947; em 1961, Luiz Wanderley a transformaria num cha-cha-chá.
Jairo Severiano, em “Yes, nós temos Braguinha” (Funarte, 1997, 2ª edição), recorda uma das grandes consagrações da vida do compositor – e uma das maiores aclamações populares que uma música já teve no Brasil: em plena Copa do Mundo de 1950 – disputada em estádios brasileiros –, o Maracanã em peso (200 mil espectadores!) cantou a antiga marchinha “Touradas em Madri” na tarde de 13/07/1950, quando o Brasil venceu a Espanha por 6 a 1. A manifestação teve início após o quarto gol da seleção, aos onze minutos do segundo tempo. “Eu estava lá”, disse Braguinha a Jairo, “e lamentavelmente não pude participar do coral. A emoção não deixou”.
“Ao serem lançados, em março de 1940, os discos saíram num álbum (álbum mesmo, como os de fotografias) com uma gloriosa capa mostrando Carmen sob colares e pulseiras, a enseada de Botafogo com o Pão de Açúcar ao fundo, e o título, ‘Carmen Miranda – The South American way’”, escreve Ruy Castro. Depois dessas primeiras gravações estadunidenses, Carmen voltaria ao disco em setembro de 1940, quando, de passagem pelo Brasil, deixaria registradas dez músicas em cinco discos de 78 rotações – as suas últimas em solo brasileiro. Nos States, retomaria as gravações apenas em janeiro de 1941.
Ainda sobre o álbum de 1940, com os três discos inaugurais da discografia de Carmen Miranda na América do Norte, Castro segue informando que “Os créditos identificavam as canções como sendo da produção musical ‘Streets of Paris’ e do filme ‘Down Argentine way’ (que, no Brasil, se chamaria ‘Serenata tropical’), embora este ainda nem estivesse pronto”. O longa – que foi detonado em nossa terra pela maneira preconceituosa com que retratou o povo argentino em particular e o latino em geral – estreou em outubro de 1940 nos Estados Unidos. Nele, Carmen faz o papel dela mesma, cantando “South American way” na abertura e, no meio da película, “Mamãe, eu quero” e “Bambo bambu” (veja aqui o desempenho da Pequena Notável e aqui o filme completo).
A marchinha de Jararaca e Vicente Paiva reaparece mais para o final, na cena em que a pin-up Betty Grable dança “Mamãe, eu quero” num ritmo latino que nada tinha a ver com o nosso. “Down Argentine way” – que iria se chamar originalmente “South American way”, como noticiado à exaustão pelos jornais brasileiros da época – acabaria catapultando Carmen para o estrelato mundial. Ela aparece cantando por 1 minuto e 5 segundos no início e por cerca de 3 minutos e 10 segundos no meio da projeção. Se, em seis minutos de palco, ela arrebatou os Estados Unidos em “Street of Paris”, precisou de menos do que isso na tela para deixar Hollywood – e uma legião inteira de fãs no mundo todo – a seus pés.
Imagem principal: Capa do álbum “The South American way'”, lançado pela Decca em 1940 (Reprodução da internet)