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    Nirez, 90 anos – parte 3: a Discografia Brasileira, o Arquivo de Cera e outras memórias numa entrevista exclusiva com o decano da pesquisa musical no Brasil

    Pedro Paulo Malta

    Noventa anos de idade não é uma marca qualquer. Com lucidez, memória e senso de humor, então, é para muito poucos. Um bom exemplo está na entrevista que a leitora ou o leitor pode ver abaixo: quase 50 minutos de histórias bem contadas – algumas em detalhes – pelo decano da pesquisa musical no Brasil, o cearense Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez. Com esta entrevista exclusiva, concedida ao também colecionador e pesquisador Sandor Buys, completamos nossa série de postagens dedicada a Nirez por sua recente chegada aos 90 anos, no último dia 15 de maio. (*)

    Depois de um relato sobre as relíquias de seu acervo e outro sobre o cotidiano da casa-museu onde ele vive, em Fortaleza, trazemos aqui o próprio Nirez, em primeira pessoa, relembrando sua trajetória de colecionador, pesquisador e radialista. O depoimento é também o segundo da série “Colecionadores”, que abrimos aqui na Discografia Brasileira em fevereiro, trazendo o registro de uma conversa de Sandor Buys com o colecionador Paulo Mathias, do Instituto Glória ao Samba, de São Paulo, em atividade desde 2007.

    Série 'Colecionadores': Sandor Buys entrevista Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez

    Pois as memórias de Nirez remontam a 15 de maio de 1954, quando completou 20 anos de idade e ganhou de presente um toca-discos. Foi aí que ele, fascinado desde a infância pelo gramofone e os discos do pai, começou aos poucos sua coleção, já então descolado do presente: “Descobri que a música da minha época não era muito a minha área, então comecei a procurar os discos antigos.”

    O plano inicial era colecionar discos que compreendessem os primeiros 50 anos de fonografia no Brasil (1902-1952), escopo que acabou sendo ampliado para a época completa dos discos de 78 rotações quando estes deixaram de ser fabricados, em 1964. A relação entre os colecionadores – nem sempre harmoniosa – também veio à tona na entrevista a Sandor Buys.

    “Naquela época, o colecionador era praticamente inimigo do outro, pois queriam chegar primeiro numa fonte. Brigavam, se intrigavam”, recorda Nirez. “Hoje são amigos, fazem questão de ajudar uns aos outros.” Ele fala por experiência própria: graças à boa relação de colaboração mútua que travou com outros três colecionadores, chegou-se à “Discografia Brasileira”, primeiro levantamento completo de discos de 78 rpm, que originou um livro fundamental, que por sua vez é a base deste site.

    O primeiro parceiro de quem se aproximou foi Grácio Barbalho, médico potiguar que, sabendo da coleção de Nirez, correu a Fortaleza para visitá-lo na casa-museu, no fim da década de 1960: “Vim aqui propor algumas trocas.” A amizade deu match quando Grácio percebeu que o novo amigo anotava informações dos discos em cadernos escolares: “Também faço isso.” A história se repetiu em 1970, quando juntou-se à dupla Alcino Santos, colecionador de Taubaté-SP que chegou à casa de Nirez com cadernos cheios de informações sobre discos antigos.

    O quarteto se completou com o cearense Jairo Severiano, que passou a colaborar do Rio de Janeiro, onde vivia desde o início dos anos 1950 e trabalhava como funcionário do Banco do Brasil. Além de novas informações sobre discos de 78 rpm, o novo integrante da turma trouxe incrementos tecnológicos à obra em progresso: “Ele tinha um xerox à disposição”, sublinha Nirez, que a partir dali passou a receber – assim como Grácio e Alcino – fotocópias de todas as atualizações do levantamento que faziam a oito mãos.

    Em fevereiro de 1975, quando voou até Curitiba para participar do I Encontro de Pesquisadores de Música Popular Brasileira, levou na bagagem a versão mais recente do calhamaço: “Eu tinha um amor danado!” Foi no evento que conheceu pessoalmente alguns pares importantes em sua atividade de colecionador-pesquisador, como Lucio Rangel, Ary Vasconcellos, Paulo Tapajós e Ariovaldo Pires (o Capitão Furtado), entre outros.

    Mas o encontro mais decisivo que teve na capital paranaense foi com Maria Alice Siaines de Castro, assessora do Departamento de Assuntos Culturais do Ministério da Educação, que se entusiasmou imediatamente ao saber da pesquisa dos discos de 78 rpm. “Vamos publicar!”, exultou Maria Alice, ouvindo de Nirez que o trabalho, por ter lacunas, ainda não podia virar livro.

    A dirigente federal, então, municiou o quarteto com cartas de recomendação às gravadoras brasileiras para que disponibilizassem seus catálogos a eles, para que pudessem preencher as lacunas do levantamento. Só então, passados mais sete anos, veio a público a “Discografia brasileira em 78 rpm (1902-1964)”, impressa em cinco volumes com apoio da Funarte e da Xerox Brasil, em 1982.

    Àquela altura, já corria há quase duas décadas outra atividade de Nirez originada de sua paixão pelos discos antigos: a de radialista. O programa “Arquivo de Cera”, referência para quem gosta da música brasileira do começo do século 20 e que atualmente pode ser ouvido pela Rádio Universitária FM e pela Rádio Cabirote, começou a ser produzido e apresentado por ele há mais de 60 anos, precisamente em 16 de junho de 1963. Da Rádio Uirapuru, onde começou a ser veiculado, passou depois pela Ceará Rádio Clube, pela Rádio Dragão do Mar e pela Rádio Cidade antes de chegar à Universitária, ainda na década de 1990.

    Desde os primeiros anos, o roteirista de rádio Nirez tira proveito dos recortes temáticos que o pesquisador Nirez vem fazendo desde o início da coleção de discos, anotando os assuntos presentes nas músicas de cada uma das 22 mil bolachas de 78 rpm de sua coleção. “Todos os discos que caíram na minha mão eu ouvi. E anotei: esse fala disso, esse fala daquilo...”, conta o nonagenário pesquisador, orgulhoso de seu trabalho em prol da divulgação da música brasileira.

    Na entrevista a Sandor Buys ele também diz que está na torcida para que outros acervos de discos — como os dos musicólogos Mozart de Araújo e Oneida Alvarenga — sejam mais conhecidos pelo grande público. E se diz satisfeito com a maneira como os internautas vêm acessando o conteúdo de sua pesquisa aqui na Discografia Brasileira, onde o resultado de seu trabalho está “ao alcance do consulente", como define. “O serviço público não é tão eficiente quanto tem sido até agora o Instituto Moreira Salles”, sublinha Nirez. “É um local onde o disco cai e a gente sabe que há um resultado.”

    (*) Ao longo deste ano publicaremos outros vídeos com entrevistas de Nirez a Sandor Buys, abordando diversas questões relacionadas à Discografia Brasileira em 78 rpm. Aguardem!

    Foto:  reprodução da tela da entrevista de Nirez a Sandor Buys