O compositor Vadico estava a 13 dias de completar 52 anos quando a morte o alcançou dentro de um táxi. Naquela segunda-feira, 11 de junho de 1962, ele participava de uma gravação no estúdio da Columbia quando, logo após sentar-se ao piano, sentiu-se mal. Era pouco mais de nove da manhã ainda quando entraram às pressas no carro – ele e o baterista Wilson das Neves, que se dispôs a acompanhá-lo – e pediram ao motorista que dirigisse o mais rápido possível até o Hospital Souza Aguiar. Na chegada, não havia mais o que fazer: Vadico havia sido fulminado por um infarto do miocárdio, o terceiro sofrido por ele.
Estava morto “o parceiro de Noel Rosa”, como destacaram, em uníssono, os poucos obituários que os veículos de imprensa dedicaram a ele. Alguns informaram também os trabalhos que fez nos Estados Unidos, acompanhando Carmen Miranda em Hollywood ou a bailarina estadunidense Katherine Dunham em turnês internacionais como a que passou pelo Brasil em 1950. Mas tudo bem discreto e comedido, como o próprio Vadico, artista “esquecido”, como a imprensa costumava adjetivá-lo, ela própria se esquecendo das orquestras com que havia tocado, dos anos a fio que trabalhou na noite, das parcerias com Vinicius de Moraes e Marino Pinto.
Sorte a nossa que, seis décadas depois, a cortina do passado foi reaberta por meio da pesquisa musical. Ou melhor: graças aos esforços de Franco Galvão, músico e pesquisador que dedicou os últimos cinco (de seus 37) anos a desvendar o legado de Vadico para além da dobradinha histórica com Noel Rosa. “Quando conheci os choros dele, num disco trazido por um amigo, quase não acreditei, de tão lindos”, recorda. “Fui aos meus mestres para saber mais sobre ele e todos disseram que Vadico era um craque. Mas não sabiam muito a respeito, além dos sambas com Noel.”
A curiosidade o levou a correr atrás das pistas iniciais que lhe apareceram, a começar por sua trajetória nos Estados Unidos, especialmente o trabalho — pouco ou nada estudado — com Katherine Dunham. Assim que identificou o paradeiro do acervo de partituras da bailarina, na Southern Illinois University, abriu conversas com a instituição e chegou a novas pistas, graças à disponibilidade de um “verdadeiro herói” que trabalhava na biblioteca de lá — Matthew Gorzalsky é o nome dele — que logo passou a escanear os achados de Vadico e remeter para o Brasil. “A cada novo e-mail que chegava, via que tínhamos novidades”, relembra, ainda sem antecipar o final feliz.
“Primeiro foi aquela angústia, né? Eram mais de 500 páginas desorganizadas, com caligrafias diferentes, tinha grade de orquestra incompleta, partes cavadas... Foram cinco meses transcrevendo tudo, entendendo o que era choro, o que eram outros gêneros musicais”, detalha o músico-pesquisador, que acabou indo até a Southern Illinois University, na cidadezinha de Carbondale, em setembro de 2022, para fazer seus últimos achados in loco. “E aí veio a hora de organizar tudo, como quem remonta um dinossauro. Esse ossinho é daqui, esse é do rabo, aqui está a cabeça, até formar um esqueletão.”
Uma das partituras de Vadico encontradas em Illinois (reproduzida de uma matéria do ICL Notícias) entre fotos de Franco Galvão (pela fotógrafa Laura Françozo) e do próprio compositor (Revista Manchete, 19-12-1953)
Ao todo, foram oito composições de Vadico remontadas do acervo estadunidense que, somadas a outras músicas e informações coletadas em fontes diversas (entre elas o acervo musical deste site), compõem o quebra-cabeças montado por Franco Galvão, paulista da cidade de Caçapava. O resultado da pesquisa — viabilizada com recursos do Edital ProAC Expresso Lei Aldir Blanc, promovido pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo — pode ser conferido num site todo dedicado a Vadico produzido por Franco Galvão, com uma linha do tempo, a discografia completa do compositor, a história da pesquisa e matérias de jornais e revistas encontradas na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Também da pesquisa resultou um álbum triplo com 37 composições de Vadico – entre elas as oito descobertas em Illinois e nenhuma parceria com Noel – gravadas por Ná Ozzetti, Zé Renato, Guinga, Renato Braz, Luísa Lacerda e outros grandes artistas da música popular brasileira. Produzido pelo Selo Sesc SP, o disco tem direção musical de Franco Galvão e está previsto para ser lançado no primeiro semestre de 2026, numa caixa com um libreto que esmiuça, em textos, a história do artista.
Era uma vez, no Brás
História iniciada no dia de São João (24 de junho) de 1910, quando nasceu Oswaldo de Almeida Gogliano, filho de Maria Adelaide de Almeida e Erasmino Gogliano, este funcionário público e um dos proprietários do Braz Bijou, cinema referencial do Brás, bairro paulistano onde viviam com os quatro filhos, todos chegados à música. Carlos, o primogênito, tocava flauta e saxofone; Dirceu se formou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, e virou professor de música; e Ruth era pianista – foi com ela que Vadico, assim apelidado desde as fraldas, aprendeu as primeiras noções de piano, depois aprofundadas com a professora Jesuína do Carmo Ribeiro.
E assim, embora tenha deixado a música em segundo plano na adolescência, ainda mais depois que passou a receber 100 mil réis mensais pelo emprego de datilógrafo, não pensou duas vezes quando se viu diante da possibilidade de voltar ao outro teclado. Isso quando foi convidado a atuar como pianista num hotel em Poços de Caldas (MG), ganhando 40 mil réis por noite. “Me sentia como se tivesse descoberto a América!”, contou depois ao Correio da Manhã (08-08-1954). “Larguei o tal emprego e virei profissional. Profissional ruim, tocando mal, quase de ouvido.” Ficou ainda mais feliz quando, em 1928, venceu um concurso de músicas carnavalescas em São Paulo com a marcha “Isso mesmo que eu quero”.
Apresentando-se em estabelecimentos comerciais de São Paulo como a Confeitaria Fazzoli (ponto de encontro de Sérgio Buarque de Hollanda e Mário de Andrade, entre outros intelectuais), aos poucos seu nome foi se tornando conhecido na cena musical paulistana. Ainda mais depois que o samba “Deixei de ser otário”, de sua autoria, foi parar no cinema, como número musical da comédia “Acabaram-se os otários” (Luís de Barros, 1929), primeiro filme sonoro brasileiro, sendo lançado em disco no mesmo ano, pelo comediante Genésio Arruda.
Palcos cariocas
Já no teatro, passou a trabalhar como pianista da recém-criada Companhia Mulata Brasileira, novidade de 1930, não só nos palcos de São Paulo. Pois com esta trupe Vadico se apresentou pela primeira vez no Rio de Janeiro, então capital (e centro da produção cultural) do Brasil, para onde se mudou em seguida, nesse mesmo ano. Acolhido pelo maestro Eduardo Souto, então diretor artístico da Odeon, empregou-se na gravadora como pianista e orquestrador e, de quebra, ainda teve uma composição sua lançada em disco – o samba “Arranjei outra” (com Dan Málio Carneiro) – por Francisco Alves, cantor mais popular da época.
Já no ano seguinte outros dois sambas de sua autoria foram para o disco: os espirituosos “Por amor ao meu mulato”, choramingado por Otília Amorim, e “Silêncio”, dialogado entre Luiz Barbosa e Vitório Lattari, reproduzindo o quadro cômico da revista “Bibelô” para o qual foi composto. Para o sucesso deste último – suprassumo do machismo – contribuiu sua vitória no concurso promovido pelo jornal Correio da Manhã para eleger as melhores músicas do carnaval de 1932, derrotando a não menos machista “Mulher de malandro” (Heitor dos Prazeres) e “Na Piedade” (Ary Barroso).
A safra de 1931 teve também lançamentos fonográficos de composições instrumentais de Vadico, como os choros melodiosos “Glorinha” e “Não sei”, ambos gravados pelo saxofonista José Guelli. Já em 1932 saiu em disco “Onde estás, melodia?”, fox dançante com jeito de vaudeville gravado pela Orquestra Columbia. Outros bons exemplares de sua obra instrumental são o choro “Maestro Marmelada”, de 1934, e “Natália”, valsa gravada em 1935 por Luiz Americano, com acompanhamento do próprio Vadico ao piano – os dois trabalharam juntos no Lido, casa noturna de Copacabana onde, após a saída do saxofonista, Vadico formou seu próprio quinteto.
Ninguém aprende samba no colégio
Aparecia para o grande público, assim, o grande melodista Vadico, cujo talento já não era novidade para a gente do meio musical, a começar por Eduardo Souto. E aqui o maestro volta à história com um papel central no capítulo mais conhecido da biografia do pianista paulistano. Foi Eduardo Souto que, certo dia em fins de 1932, entrou pela sala de ensaios da Odeon de braço dado com Noel Rosa para mostrar-lhe a composição instrumental que Vadico dedilhava ao piano. Apresentou um ou outro e, deste primeiro encontro, nasceu o samba “Feitio de oração”, marco inicial da parceria histórica, como já contamos em outro texto aqui neste site.
Se a dobradinha com Vadico não foi a mais produtiva de Noel (dela resultaram 11 composições, contra 18 feitas com Ismael Silva), certamente foi a que rendeu mais clássicos do samba. Depois do marco inicial, o Poeta da Vila e seu melodista preferido fizeram juntos também o hino “Feitiço da Vila” (1934), as crônicas cariocas “Conversa de botequim” (1935), “Tarzan, o filho do alfaiate” e “Cem mil Reis” (estas duas de 1936) e os românticos “Provei” (mais uma de 1936), “Último desejo” (1937) e “Pra que mentir” (1938), entre outras parcerias.
Noel não chegou a ver as últimas duas músicas – ambas dedicadas à jovem Ceci, grande amor de sua vida – lançadas em disco. Vitimado por tuberculose, tinha apenas 26 anos em 04-05-1937, quando pifou de vez seu “coração sofredor”, como dizia a letra de uma homenagem musical ao Poeta da Vila, o samba “Noel Rosa”, composto justamente por Vadico, aqui em parceria com o jornalista David Nasser. Mas o pianista seguiu na lida, fosse tocando na noite carioca ou lançando novas composições, como o bom samba “Seja o que Deus quiser” (com Mário Moraes), gravado por Nuno Roland pro carnaval de 1938.
Outras bandas
Até que, em 1939, abre-se outro capítulo importante na trajetória de Vadico. A longeva fase estadunidense, iniciada na Feira Mundial de Nova York, para onde viajou inicialmente como pianista da Orquestra Romeu Silva, grande atração do restaurante do pavilhão brasileiro no evento. Terminada a feira, decidiu simplesmente não voltar com o conjunto, apostando nas possibilidades profissionais que porventura surgissem por lá. É provável que, nesta aposta, não fizesse ideia dos 15 anos que estava por viver nos Estados Unidos.
Primeiro em Los Angeles, como integrante do Bando da Lua, que acompanhava Carmen Miranda em shows e filmes. Na falta de um piano nas cenas em que o conjunto requebrava em torno da cantora, Vadico se defende no pandeiro, como se vê em longas como “Uma noite no Rio” (1941), “Aconteceu em Havana” (1941) e “Minha secretária brasileira” (1942). Mas a colaboração mais efetiva com a Pequena Notável era mesmo como arranjador – uma das atividades a que se dedicou nos Estados Unidos, especialmente após estudar teoria musical no Conservatório de Los Angeles, com o italiano Mario Castelnuovo Tedesco.
Outras atuações no cinema se deram em duas produções da Walt Disney Pictures ambientadas na política da boa vizinhança: as animações “Alô, amigos” (1943) e “Você já foi à Bahia?” (1944), esta contracenando com Aurora (irmã mais nova de Carmen) Miranda.
Divas de Vadico: Carmen Miranda e a estadunidense Katherine Dunham (reproduções da internet)
Pois é aqui que a história de Vadico se cruza com a da bailarina Katherine Dunham, com quem trabalhou como pianista e diretor musical em shows e turnês internacionais. Ao contrário da maioria das fontes, que fixam o ano de 1949 como início desta nova etapa profissional, o jornalista João Máximo informa – no imprescindível documentário “O feitiço e o feitio de Vadico”, produzido na Rádio Batuta – que já em 1944 Dunham tinha composições dele no repertório de seus espetáculos: do “Choro nº 1” ao “Choro nº 5”.
Assim, as composições para a companhia da “rainha e matriarca da dança negra”, como era conhecida a artista (também formada em antropologia), já estavam entre os trabalhos de Vadico quando, em 1945, o Bando da Lua se desfez e foi-se o emprego com Carmen Miranda. A colaboração com Katherine Dunham foi, desta maneira, a principal das frentes profissionais abertas por ele na segunda metade dos anos 1940, como arranjador e pianista de orquestras diversas e músico residente de nightclubs como o Ruban Bleu, em Nova York, cidade onde passou a residir em 1948, após voltar de um frila em Londres, ao lado de Carmen Miranda.
Em 1950, quando partia em turnê internacional, Katherine Dunham deu entrevista ao cronista Rubem Braga, a quem fez questão de elogiar Vadico: “Gogliano tem me ajudado muito, ele tem composições lindas”, disse a bailarina, como se viu no Correio da Manhã (05-03-1950), no qual se lia também que a turnê passaria pelo Brasil em junho. Vadico, entusiasmado com a perspectiva de matar a saudade da terra natal, aproveitou a matéria para dar um alô para a cantora Aracy de Almeida: “Diga que quando eu chegar lá vou fazer ela cantar todos os sambas desses carnavais que eu perdi.”
De volta ao samba
Quando voltou de vez ao Brasil, em agosto de 1954, além de matar a saudade acumulada em 15 anos Vadico tinha contas a acertar. Isso depois de constatar que seu nome havia sido omitido de parcerias com Noel Rosa – “Feitiço da Vila” e “Conversa de botequim” – num dez polegadas de Aracy com que a gravadora Continental resgatava a obra do Poeta da Vila. Além da omissão, o pianista constatou que também não vinha recebendo os direitos pelas execuções de seus sambas com Noel, o que o levou a buscar auxílio jurídico e procurar a imprensa, que não se fez de rogada.
“Vadico (o companheiro de Noel) está sendo roubado no Brasil!”, estampou em letras garrafais a Ultima Hora (14-09-1954), na mesma linha do que já havia sido noticiado n’O Jornal (06-11-1953), segundo o qual o pianista pleiteava indenização de 500 mil cruzeiros, e na revista Manchete (07-11-1953), que publicou uma carta de Vadico com queixas diversas, inclusive, às emissoras de rádio: “Já estou acostumado a ser ignorado pelos locutores brasileiros”, ralhou o pianista, que, como numa resposta, tratou de desarquivar uma inédita com Noel Rosa tão logo desembarcou no Brasil: “Mais um samba popular”, gravado pela cantora Ana Cristina.
Já as questões autorais foram contornadas, segundo João Máximo em seu documentário sobre o pianista, com o ressarcimento dos devidos direitos e uma segunda edição do disco da Continental, com os créditos corrigidos. Vadico também foi contratado pela gravadora, então dirigida por seu amigo Braguinha, como pianista e arranjador. Foi pela Continental que lançou em 1955 o choro inédito “Duvidoso” (no lado B de "Conversa de botequim", aqui em ótimo arranjo instrumental de Vadico) e, no ano seguinte, o dez polegadas “Dançando com Vadico”, interpretando oito sambas (nenhum de sua autoria).
E não faltaram novos trabalhos na volta ao Brasil: gravou discos com o conjunto Os Copacabana, dirigiu programas na Rádio Mayrink Veiga e na TV Rio e escreveu arranjos para o dez polegadas “Canções de Noel Rosa com Aracy de Almeida” (outro da Continental no mesmo tema e com a mesma cantora) e para o espetáculo “O samba nasce no coração”, atração de sucesso na boate Casablanca, na Urca, com Ismael Silva, Ataulfo Alves, Pixinguinha e a Velha Guarda. No fim de 1955, foi eleito melhor arranjador do ano pelo jornal O Globo.
Mas quando, no ano seguinte, o amigo Vinicius de Moraes convidou-o para compor as músicas da peça “Orfeu da Conceição”, preferiu declinar, segundo o poeta, por não sentir-se à altura do desafio – para seu lugar, Vinicius convidou o jovem Tom Jobim, inaugurando uma das grandes parcerias da música brasileira. Mas Vadico seguiu lançando novas composições em 1956: Aurora Miranda deu voz a “Guanabara”, sua com Aloísio de Oliveira, e Helena de Lima a “Prece”, feita com Marino Pinto – seu parceiro mais constante (12 composições) desde Noel Rosa.
Treta retrô
Já em 1957, viu-se no meio de uma polêmica depois que o apresentador Flávio Cavalcanti, supostamente em sua defesa, usou o programa “Um instante, maestro”, que comandava na TV Tupi, para acusar Noel Rosa de “esconder o parceiro”. Foi o que bastou para admiradores e amigos do Poeta da Vila, a começar pelo radialista, pesquisador e cantor Almirante e o cronista Lúcio Rangel, ocuparem as páginas de jornais e revistas em contra-ataque a Flávio, que tentou sustentar sua polêmica e, no fim, capitulou.
Alheio ao chumbo cruzado, mas não sem escoriações, Vadico seguiu na labuta, escrevendo arranjos para intérpretes diversos, como Ademilde Fonseca, Peri Ribeiro e Agostinho dos Santos – que lançou, de sua autoria com Edson Borges, o samba-canção “Dói muito mais a dor”, em 1958. Já de 1961 é o choro-canção “Vamos brincar de amor” (com Herberto Sales), lançado por Rossini Pinto em arranjo totalmente ambientado na bossa nova.
Vadico em long-playing: 'Dançando com Vadico' (Continental, 1955), 'Festa dentro da noite' (Festa, 1959) e o póstumo 'Vadico - Evocação III' (Eldorado, 1979) / Capas reproduzidas da internet
Também seguiu encorpando sua própria discografia, com LPs como os dois que fez no selo Festa, em 1959, interpretando repertório predominantemente de outros compositores: “Festa dentro da noite”, volume 1 e volume 2. A noite, aliás, seguia firme em sua rotina de pianista – fosse no dancing Avenida ou em boates como o Sacha’s, o Fred’s e o Plaza, onde chegou a acompanhar um imberbe Roberto Carlos, então aspirante a crooner de bossa nova.
Cansado de sambar
Até que, em meados de 1961, Vadico, então comandando as noites no Sacha’s, anunciou que não aguentava mais as madrugadas em claro. “Estou cansado de dormir às 7 da manhã”, desabafou à Ultima Hora (10-06-1961). “Vou ver se assim tenho tempo de fazer outras composições e me dedicar mais a orquestrações e gravações.” Com a saúde fragilizada, Vadico sobrevivera a dois infartos, o segundo deles sofrido em 1953, a alguns meses da volta ao Brasil, quando o médico determinou – em vão – que fizesse dieta e maneirasse na bebida, prevendo mais cinco a dez anos de vida para ele.
Estava certo o vaticínio: passaram-se quase oito anos até a fatídica manhã de 11 de junho de 1962, data do terceiro e último infarto, justo quando a atividade profissional parecia ganhar novo fôlego. A imprensa informou que o corpo de Vadico foi sepultado no cemitério da Vila Mariana, em sua São Paulo natal, e que não deixou bens materiais – só uma cama e um piano-armário, únicos móveis do quarto-e-sala em que vivia, na Rua Ministro Viveiros de Castro, em Copacabana, segundo relato do desenhista e compositor Antônio Nássara ao pesquisador Carlos Didier.
Pois somente em 1979, por iniciativa do produtor Aluísio Falcão, saiu o primeiro – e até hoje único – LP com o repertório inteiramente formado por composições de Oswaldo Gogliano, “Vadico – Evocação III”, com suas obras interpretadas por Dominguinhos, Raul de Barros, Márcio Montarroyos e Edu da Gaita, entre outros instrumentistas. “Um álbum historicamente da maior importância”, na opinião do crítico Aramis Millarch n’O Estado do Paraná (27-01-1980). “Uma justiça que se faz a este excelente compositor, cujo nome foi, infelizmente, eclipsado, por tantos anos, pela fama de seu parceiro, Noel Rosa.”
Precisa e justa, a observação do crítico paranaense segue em vigor 46 anos depois: que o velho eclipse sobre a obra de Vadico se desfaça de uma vez por todas com o projeto capitaneado por Franco Galvão.
Foto principal: Vadico em reprodução de foto da revista O Cruzeiro (05-09-1954) na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional