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    Bate, coração! Os 90 anos da arretada Marinês, Rainha do Xaxado, do Forró e de sua gente nordestina e brasileira

    Fernando Krieger

    tocar fonogramas

    Luiz Gonzaga já andava cabreiro. Que diacho era aquela tal Patrulha de Choque do Rei do Baião que estava sempre se apresentando antes dele em todos os lugares por onde ele passava? “Sua patrulha já esteve por aqui”, diziam, aumentando ainda mais a curiosidade do sanfoneiro. Era formada por dois jovens e uma mocinha de 19 anos. Esta, mais tarde, já famosa, iria inúmeras vezes repetir a história que seria publicada no livro “Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga” (Editora 34, 1996), de Dominique Dreyfus: “Onde Luiz Gonzaga ia tocar, a gente chegava uma semana antes e se apresentava cantando o repertório dele, e também de Jackson do Pandeiro, de Ivon Curi. Ele sabia da existência da Patrulha de Choque, mas não sabia quem era que estava fazendo isso”.

    “Quando o Luiz Gonzaga soube que havia um conjunto, no qual havia uma menina novinha cantando as músicas dele, tratou de nos conhecer”, diria futuramente a mesma mocinha à Tribuna da Imprensa (28/08/1998). O encontro finalmente se deu em 24 de maio de 1955, dia da inauguração da Praça Luiz Gonzaga na cidade de Propriá, no norte de Sergipe, com direito a show do homenageado. O prefeito Pedro Chaves teve a ideia de chamar a Patrulha de Choque para abrir o evento. Foi quando o Rei do Baião pôde se impressionar com a performance e a voz potente da garota Marinês, cantora e triangleira do trio, do qual também faziam parte seu marido, o sanfoneiro paraibano José Abdias de Farias – que faria fama como Abdias dos Oito Baixos –, e um zabumbeiro (Chiquinho, cunhado de Marinês, ou Cacau: há divergência entre as fontes).

    “Ele era um deus pra mim, eu não acreditava que existisse”, confessaria Marinês ao Diário de Notícias de 11/04/1973. Por isso ela ficou atônita com a iniciativa de Luiz Gonzaga: “Convidou a gente para almoçar na mesa dele, foi coisa do outro mundo. Fiquei gaga, muda, nem comi de vergonha”, diria ao Jornal do Commercio de Manaus de 15/06/1999. Hospedados no mesmo hotel, de tarde Gonzaga chamou o trio para tocar em seu quarto e ensinou Marinês a dançar o xaxado. “Ele disse que daria uma força pra gente, que me botava pra gravar. Na conversa, ele me disse que estava precisando muito de uma rainha para o xaxado. Porque o reinado dele tinha Rainha do Baião, que era Carmélia Alves, tinha Princesinha, a Claudette Soares, mas estava faltando a Rainha do Xaxado”, contaria ela a Dominique Dreyfus. Após o jantar, naquela mesma noite, Gonzaga incentivou os artistas a irem para o Rio de Janeiro.

    O que de fato aconteceu em fins de 1955. Por cerca de um ano, Marinês e Abdias “ficaram hospedados na casa de Luiz Gonzaga e Helena”, explica Dominique Dreyfus, que prossegue: “(...) o apoio mesmo de Gonzaga foi no nível profissional. Começou cumprindo a promessa feita em Propriá, e coroou Marinês ‘Rainha do Xaxado’, numa apresentação na Mayrink Veiga. Depois, levou-a para o ‘Kaleidoscópio’, o programa da Tupi no qual se apresentava aos domingos e, enfim, integrou-a na sua banda. O novo conjunto do sanfoneiro passou a se chamar ‘Luiz Gonzaga e Seus Cabras da Peste’. Compunha-se de Marinês, Abdias, Zito Borborema e Miudinho. (...) Apesar do sucesso da banda, ela se desfez no final do ano, provavelmente por conta do ciúme doentio que Helena tinha de Marinês, como de qualquer mulher que chegasse perto do marido”.

    Marinês com Luiz Gonzaga: na foto à direita, os dois na companhia de Abdias dos Oito Baixos (do outro lado dela) e outros dois músicos / Reproduções de fotos de Luiz Alfredo para O Cruzeiro (25-08-1956)   

    Não tinha problema: no final de 1956, Marinês já era um nome bastante conhecido na então capital federal, graças ao apoio fundamental do Rei do Baião. Em fevereiro, havia entrado pela primeira vez num estúdio para soltar a voz, ao lado de Luiz Gonzaga, no baião “Mané e Zabé” (de Gonzaga e Zé Dantas), lançado em maio. Neste mesmo mês, participou (sem crédito no disco), novamente ao lado do Lua, da gravação do xote “O chêro da Carolina”, de João do Vale e Zé Gonzaga (irmão de Luiz, que assina a composição ao lado de Amorim Roxo). É dela a voz feminina que personifica Carolina, dialogando com Luiz Gonzaga.

    A música tem uma história curiosa. Segundo Dominique Dreyfus, quem cantava uma melodia falando de Carolina, que Zé Gonzaga escutava desde menino, era o pai deste, Januário. A mãe, Santana, sugeriu que o filho a gravasse. Zé Gonzaga pediu então a João do Vale que criasse uma outra letra. Ele fez, mas, precisando de dinheiro, vendeu sua parte para Amorim Roxo, que acabou entrando como parceiro de Zé Gonzaga, seu intérprete original. O xote estouraria mesmo na versão (com letra ligeiramente diferente) do Rei Luiz, com o auxílio vocal de Marinês, que através desta canção começava sua história com o maranhense João do Vale, de quem se tornaria amiga e uma de suas principais intérpretes.

    Ele estaria presente no primeiro disco de Marinês e Sua Gente, grupo formado por ela depois do fim dos Cabras da Peste de Luiz Gonzaga. O nome do conjunto foi ideia de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, apresentador da TV Tupi, emissora onde Marinês tocava com seu trio. Lançado em abril de 1957, o 78 rotações de número 538 da Sinter trazia num lado “Quadrilha é bom”, de Zé Dantas, e do outro “Quero ver xaxar”, de João do Vale, Antônio Correia e Leopoldo Silveira Jr. Era a rainha do gênero se apresentando e pedindo passagem: “Agora eu tô xaxando, tô abafando, já tô ensinando quem quer xaxar”.

    O segundo 78 rpm da trupe, o Sinter 568, chegou às lojas em setembro de 1957 contendo dois xotes de João do Vale com parceiros diversos – um disco que faria história, como contamos neste post. “Peba na pimenta” (peba é um tipo de tatu) e “Pisa na fulô” (fulô é corruptela de flor) se tornariam clássicos instantâneos da música brasileira. Dizia a letra do primeiro: “Seu Malaquia preparou cinco peba na pimenta / Só o povo de Campina, seu Malaquia convidou mais de quarenta”...

    O povo de Campina era um velho conhecido da menina Inês Caetano de Oliveira, nascida na cidade pernambucana de São Vicente Férrer no dia 15 ou 16 (as fontes divergem) de novembro de 1935, mas criada em Campina Grande, no interior da Paraíba, onde também seria sepultada após seu falecimento no Recife em 14/05/2007, aos 71 anos, após passar oito dias internada na UTI por conta de um acidente vascular cerebral. Foi em Campina Grande que a garota, educada em colégio de freiras, saiu um dia escondida dos pais, Manoel Caetano de Oliveira e dona Donzinha (Josefa Maria), para participar de um programa de calouros numa rádio local. O início da carreira, ainda criança, foi lembrado por ela em diversas ocasiões, como no programa “Ensaio”, da TV Cultura, em 1996, quando ela falou também sobre o surgimento do seu nome artístico.

    Disse que começou a cantar aos 10 anos, tentando a sorte num concurso de calouros promovido por um serviço de alto-falantes instalado em seu bairro. Foi “gongada” umas três vezes. Até que um dia cantou uma música do repertório de Dalva de Oliveira e arrebatou o prêmio. Resolveu então arriscar um voo mais alto, na Rádio Cariri. Em sua casa não havia rádio, seus pais nem desconfiariam da peripécia da garota, mas por precaução ela resolveu trocar o nome. “Lá em casa todo mundo é Maria, menos eu. Aí eu coloquei na inscrição: ‘Maria Inês’”. Mas o locutor se confundiu e anunciou: “Marinês”.

    “Eu olhei pra todo mundo, todo mundo tinha cantado, eu digo: ‘Sou eu! Eu vou’. Fui. Cantei, de Emilinha Borba, ‘Dez anos’. (...) Ganhei o prêmio”, dividido com o também vencedor Genival Lacerda. Nessa parte da história, Marinês se diverte: “Ele até hoje me cobra, que ele disse que eu fui-me embora com o dinheiro e nunca mais eu apareci pra dar a outra metade dele. E eu acredito que tenha sido feito mesmo, viu? (...) A euforia foi muito grande. Era tanto dinheiro nesse tempo, menino... Cem-mil réis era dinheiro demais!”. Com grana no bolso, criou coragem e contou a façanha para o pai. Que fez uma boa feira com o prêmio, deu sua bênção à filha, mas disse que nem ele nem sua mãe acompanhariam sua vida artística.

    Na Cariri, estrearia como locutora, mas logo conseguiria se firmar como cantora romântica. Foi o marido, Abdias – com quem se casou ainda menor de idade, prática não tão incomum na época – quem a apresentou ao repertório nordestino, do qual ela jamais se separaria. De Abdias, iria se separar após quase duas décadas de casamento. A união lhe daria um filho, o futuro músico, professor e pesquisador Marcos José de Oliveira Farias, nascido no Rio em 14/09/1963 (cuja chegada já era festivamente anunciada pela Radiolândia de julho deste ano), que teria como padrinho o próprio Luiz Gonzaga. Aos 50 anos, já separada de Abdias, Marinês adotaria o filho caçula, Celso Othon de Oliveira.

    Marinês e Abdias formaram, em 1949, o Casal da Alegria; em seguida vieram a Patrulha de Choque, o encontro com Gonzaga e o sucesso na Cidade Maravilhosa. “Marinês, o marido, Abdias, e o cunhado, Chiquinho, mais a sanfona, o triângulo, o zabumba, ritmo e simpatia, formam o conjunto que vai de vento em popa”, escrevia Oswaldo Miranda na Radiolândia de 21/12/1957. Neste mesmo ano, ela e sua gente lançariam ainda dois 78 rotações pela Sinter: um com “Xaxado da Paraíba” (Reinaldo Costa e Juvenal Lopes) – onde ela não deixava dúvidas: “Vim da Paraíba e sou Rainha do Xaxado” – e o xote “O arraiá do Tibiri” (João do Vale e Silveira Jr.); outro contendo os xotes “Xem nhem nhem” e “Muié feia”, ambos de Zé Dantas. O sucesso da moça, segundo Oswaldo Miranda na mesma Radiolândia de 21/12/1957, “animou a Sinter a editar rapidamente um long-playing com a voz brejeira de Marinês e os acompanhamentos e o ritmo de sua gente”.

    Marinês com Abdias dos Oito Baixos em foto de Alberto Rego (Coleção José Ramos Tinhorão/IMS)

    O LP de 10 polegadas “Vamos xaxar com Marinês e Sua Gente” (1957) foi o primeiro de mais de 30 álbuns de carreira (entre LPs e CDs) editados até 2006, fora inúmeras participações da cantora em coletâneas de forró, São João e música nordestina em geral. Também se arriscaria como compositora: há 11 músicas suas catalogadas no banco de dados do Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB), todas gravadas por ela entre 1974 e 2001. Três são de sua única autoria: “Flor de laranjeira”, “Frevo segredo” e “Padroeira do Brasil”. As outras foram feitas com parceiros diversos: Nino, Aracílio Araújo, Carmelo da Costa, Cecéu, Ivan Santos, Juarez Santiago e Nodgy Andrade.

    Em 78 rotações, são 40 gravações entre 1956 e 1963: 37 feitas sob o nome Marinês e Sua Gente, uma em duo com Luiz Cláudio e mais as duas primeiras de 1956, ao lado de Gonzagão. Com um repertório bem escolhido, interpretações irretocáveis e uma atitude arretada, a rainha defendia sua coroa em grande estilo, recebendo elogios da imprensa especializada. A Radiolândia de julho de 1961 destacava “Marinês, intérprete de cocos, rancheiras, baiões, rojões, toadas, xotes etc. Nascida em Pernambuco, criada na Paraíba, Marinês é a única mulher que conseguiu atingir o estrelato na qualidade de intérprete da música popular nordestina”. Dominique Dreyfus faz coro: “Marinês atuou na segunda metade da década de 50 com real projeção nos palcos brasileiros”.

    Nos palcos, nas vitrolas, nas rádios... Até no cinema ela deu pinta, aparecendo no filme “Rico ri à toa” cantando “Peba na pimenta”, xaxando com vontade enquanto toca triângulo. Deixando a “Saudade de Campina Grande” de lado, Marinês deu uma bela sacudida na música popular dos anos 1950 e 1960. Como diria anos depois o então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, em nota sobre o falecimento da artista – reproduzida parcialmente no Jornal do Brasil de 15/05/2007 –, foi ela “a primeira grande cantora nordestina que aparece nos anos 50, inaugurando um ciclo de ouro da voz feminina na música do Nordeste. (...) Fez do forró sua alforria para a criação plena, enfrentando todos os preconceitos com sorriso largo, intenso, firme e verdadeiro”.

    E com sua característica roupa de cangaceira. Vez por outra, deixaria a indumentária de lado, como no início dos anos 1970, quando declarou: “Acho que esse negócio de cantar de chapéu de vaqueiro fica bem para o Luiz Gonzaga. (...) Eu não. Quero agora representar a mulher nordestina, de hoje, atualizada, em dia com a moda e progressista em seus conceitos” (Diário de Notícias, 11/04/1973). Mas sempre acabaria voltando à roupa que a identificava desde os primeiros tempos, sobre a qual falou no depoimento a Dominique Dreyfus: “(...) não era coisa de mulher essa roupa de couro que eu usava. As cangaceiras não botavam roupa e chapéu de couro. Elas usavam chapéu de massa, que foi popularizado por Jackson do Pandeiro, com a abinha estreita, e vestido de melindrosa, que era moda na época. Por isso é que o Gonzaga me chamava de ‘Luiz Gonzaga de saia’”.

    Fosse em músicas de teor filosófico – “Velho ditado”, feita por Silveira Jr. e Antônio Barros (este, falecido em 6 de abril deste ano, teria dezenas de músicas gravadas por Marinês) –, de protesto – como a “Aquarela nordestina” de Rosil Cavalcanti, o baião “Perigo de morte”, de Gordurinha e Wilson de Moraes, e “Mais um pau de arara”, também de Antônio Barros e Silveira Jr. – ou ainda festivas – como “Chegou São João”, polca de Zé Dantas e Joaquim Lima, e “Lá choveu”, baião de Reinaldo Costa –, Marinês era a própria voz do povo nordestino, dos retirantes que, “Depois da asa branca”, partiram para o Sul/Sudeste, onde sentiam “Saudade do Nordeste” e para onde levaram as curiosas “Gírias do Norte” (que Marinês cantariou neste sensacional coco trava-língua de Jacinto Silva e Onildo Almeida).

    Sem deixar de lado o seu querido xaxado – através do qual Onildo contou a “História de Lampião” –, Marinês atacou de coco – “No terreiro da usina”, “Gavião” –, de baião – “Corina”, “Macaco véio” – e ritmos diversos, como quadrilhas e marchas de roda, entre estas “Pisei no liro” (corruptela de lírio). E iria também se destacar, durante um bom tempo, pelas músicas de duplo sentido, do tipo “Cadê o peba?” – “Tá no buraco. Tá no de cima? Não, tá no de baixo” –, coco de Zé Dantas, e “Chote melubico” (trocadilho com “mela o bico”), de João do Vale e J. B. Aquino, presente em seu último disco de 78 rotações, de 1963.

    “Fora do Carnaval, (...) falar de temas mais picantes com duplo sentido era complicado. Contudo, aos poucos outros gêneros aderiram à malícia. É o caso do baião e seus derivativos”, explica Rodrigo Faour na sua “História sexual da MPB” (Record, 2006). Também aqui Marinês foi pioneira, desde que gravara “O chêro da Carolina”, “Pisa na fulô” e “Peba na pimenta” – sobre esta última, ela se defendeu no livro de Faour: “acho que é um duplo sentido inteligente, pois a pimenta arde mesmo (risos). Não é tão safada, é cultura”.

    Marinês não chegaria nem perto de Clemilda, sua sucessora neste gênero, com “Prenda o Tadeu”, “Forró cheiroso” (aquele do “talco no salão”) e outras que iriam beirar a pornografia. Mas também deixaria sua marca, interpretando inúmeras composições “safadinhas”: “Forró do beliscão”, “Esse boi não tá com nada”, “Mulher de um”, “Cadarço de sapato”, “Estaca nova” (resposta de Tarcísio Capistrano ao “Capim novo” de Luiz Gonzaga e José Clementino), “Xote da pipira”, “Viúva nova”, “Pimentão não!”, “Crochê”, “Maria Coisa”, “Buraco no tamanco”... A própria Marinês faria “Só gosto de tudo grande”, oficialmente de autoria de Adolpho de Carvalho e Adélio da Silva.

    Em depoimento a Rodrigo Faour, Marinês contou que essa música, que gravou em 1980, era dela mesmo, “mas não botei no meu nome porque na época não poderia explicar. Ia pegar mal pra mim. Mas a verdade é que fiz uma casa enorme no Rio de Janeiro, mas era só para eu e meu filho morarmos. E as pessoas perguntavam: ‘Mas, Marinês, como é que você faz uma casa enorme dessas?’. E eu respondia: ‘Pequenininha só eu!’. Aí, numa madrugada me veio a inspiração. Hoje em dia não me perdoo de ter vendido essa música só por vergonha de botá-la no meu nome”. Depois abandonaria de vez o gênero, como explicou a Carlos Araújo (Correio Braziliense, 21/12/1982): “(...) hoje eu não quero mais cantar esse tipo de música, porque sou um patrimônio da música regional brasileira e prefiro mostrar trabalho. Entretanto, é preciso notar que a música de duplo sentido, quando é bem feita, é válida. (...) ‘Por debaixo dos panos’ é um duplo sentido, mas é a vida. Todos fazem as coisas hoje por debaixo dos panos”.

    Foi Marinês quem lançou, em 1978, “Por debaixo dos panos”, de Antônio Barros e Cecéu, mais tarde um grande sucesso de Ney Matogrosso. Também foi a primeira a gravar dois outros clássicos: em 1973, “Eu só quero um xodó” – identificada no LP “Só pra machucar”, de Marinês, como “Eu quero um xodó” –, feita para ela por Anastácia e Dominguinhos (segundo este contou no Correio Braziliense de 08/06/2007, em entrevista a Irlam Rocha Lima); e “Bate, coração” (outra de Antônio Barros e Cecéu), em 1980, que explodiria dois anos mais tarde na voz de Elba Ramalho, “espécie de clone pop mais jovem da forrozeira”, nas palavras de Rodrigo Faour (Tribuna da Imprensa, 11 e 12/09/1999). “Herdei muito de Marinês, a determinação, a agilidade, uma certa malícia brincalhona típica do nordestino (...)”, confessou Elba em entrevista a Lena Frias (Jornal do Brasil, 27/08/1998).

    Marinês com Abdias e a cantora Wanderléa / Foto reproduzida da revista Cinelândia nº 320, 1967 (Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional)

    Sua carreira renderia a ela dois troféus Euterpe, um em 1959 como melhor cantora regional e outro em 1961, pelo LP “Outra vez Marinês”. Mais tarde, receberia o Prêmio Sharp de Melhor Cantora de Música Regional de 1988. Também atacaria de atriz (e cantora, claro) pelas mãos do velho amigo João do Vale, que a levaria para o musical “Eu chego lá”, estreado no Teatro de Arena em março de 1967. Três anos depois, em outubro de 1970, no 5º Festival Internacional da Canção, no Rio, quem acompanhava a estreante em festivais Wanderléa na defesa do “xaxado-soul” “A charanga” (de Wandeca em parceria com Dom, pseudônimo de Eustáquio Gomes de Farias) era justamente Marinês e Sua Gente. “Minha gente não é uma banda, são meus fãs, meu público. Todo mundo”, explicaria exaustivas vezes, como fez ao Jornal do Commercio de Manaus (15/06/1999), sobre este complemento que carregou consigo até o fim da vida e que se tornaria uma espécie de extensão do seu próprio nome.

    A “Rainha do Xaxado” – título de uma composição de Antônio Barros que Marinês gravou em 1964 – foi sempre reverenciada não só por seu público, mas por artistas diversos. Cláudio Ferreira, no Correio Braziliense de 10/09/2002, contou que Marinês “(...) coleciona admiradores como Gilberto Gil, Gonzaguinha, Djavan e Lulu Santos, de quem ela, com espanto, leu certa vez nos jornais uma referência elogiosa”. Gil, que a apelidou de “Dama do Nordeste”, fez para ela “Doida por uma folia”, gravada por ambos no LP “Tô chegando” (1986), de Marinês.

    Neste mesmo álbum, ela repetiria a dobradinha com o compadre Luiz Gonzaga, na faixa “Tá virando emprego”, de Gonzagão com o parceiro mais importante de sua última fase, João Silva – apresentados um ao outro pela própria Marinês num estúdio da Rádio Mayrink Veiga em 1962. Um dueto célebre foi com Zé Ramalho, que a chamou para cantar com ele o seu “Banquete de signos”, do LP “Força verde” (1982). Em 1999, Elba Ramalho produziu o CD “50 anos de forró”, onde Marinês recebeu convidados especiais: seu filho Marcos Farias, Antônio Barros e Cecéu, Lenine, Dominguinhos, Genival Lacerda, Alceu Valença, Ney Matogrosso, Margareth Menezes, Chico César, Moraes Moreira, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e a própria Elba. “(...) mesmo sendo repleto de convidados, quem brilha mesmo neste disco é a matriarca do forró”, afirmava Rodrigo Faour na Tribuna da Imprensa de 18/05/1999.

    Matriarca que tinha plena consciência de sua importância para a história da MPB e da música nordestina, do seu pioneirismo, das portas que ajudou a abrir. Sabia exatamente onde se encaixar, como revelou a Lena Frias (Jornal do Brasil, 07/05/1999): “Luiz Gonzaga é a influência de toda a minha carreira e todas as cantoras regionais que vieram depois de mim beberam na minha fonte”. Na mesma ocasião, disse uma frase que pode ser considerada a essência de sua vida e de sua arte: “Feliz de quem canta forró, que tem a energia do nosso povo. Eu cantaria tudo de novo, faria tudo outra vez”.

    Imagem principal: Marinês em reprodução de foto de Jefferson Rudy para o jornal Correio Braziliense (10-09-2002)

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