“(...) Castro Barbosa é também um caso interessante de ‘mudança de rumo’. Castro apareceu na antiga Parlophon desejando apresentar, para gravação, um sambinha de sua autoria. Para exibir a sua produção, cantou, para o responsável, a melodia com a respectiva letra. Resultado: o homem não gostou do samba... mas gostou da voz do ‘maestro’. Castro Barbosa foi desde logo designado para gravar como cantor de primeiro time”. À época em que estas reminiscências foram recordadas por Paulo Alberto (no Jornal das Moças de 04/01/1940), Castro Barbosa realmente figurava entre os maiores cantores da nossa música popular. Graças a outra “mudança de rumo”, acabaria por se tornar um dos humoristas mais famosos e incensados da história do rádio brasileiro – função que chegaria mesmo a eclipsar sua brilhante trajetória na MPB.
De fato, Lúcio Rangel, há 50 anos, ao comentar na revista Manchete de 10/05/1975 sobre o desaparecimento do grande artista, escreveu: “A imprensa noticiou o falecimento de Castro Barbosa lembrando o humorista que, com Lauro Borges, fez sucesso durante três décadas. O Megatério e o Seu Ferramenta [obs: nomes de dois dos seus famosos personagens] foram enaltecidos, mas o cantor excelente que era Castro Barbosa foi quase esquecido. (...) O excelente humorista, justamente lembrado, não pode ofuscar o não menos excelente cantor que com mais de cem gravações espalhou sua voz por todos os recantos do Brasil”.
Nenhum exagero nisso. Seus registros fonográficos passariam de uma centena somente entre 1931 e 1940. A produção cairia exatamente por conta de sua atuação como humorista: de 1941 a 1954 – ano em que seu último disco de 78 rotações foi lançado –, gravou apenas 22 discos (pouco mais de 40 fonogramas). Mas atuaria como cantor até a década de 1960. Ao falecer no Rio de Janeiro, em 20/04/1975, contava com 65 anos de idade – ou 69, a depender de algumas fontes, que assinalam 1905 como o ano de nascimento desse mineiro de Sabará, batizado como Joaquim Silvério de Castro Barbosa. Ele próprio, no entanto, em entrevista concedida à revista Carioca de 20/04/1940, revelou ter vindo ao mundo no dia 07/05/1909. Não é o único fato impreciso em sua vida.
Há fontes indicando que ele seria filho do engenheiro homônimo nascido em Bananal (SP) em 1850 e falecido no Rio de Janeiro em 1918. Mas, no centenário de nascimento deste Joaquim Silvério de Castro Barbosa, ao menos dois periódicos – O Jornal e Jornal do Commercio – publicaram, em 02/02/1950, a lista dos nove filhos do engenheiro (cinco homens e quatro mulheres). Um deles realmente se chamava – como o pai – Joaquim Silvério, mas as matérias informam que este já havia falecido naquele ano de 1950, deixando viúva dona Alice – enquanto o nosso Castro Barbosa, vivíssimo em 1950, havia casado em 05/09/1932 com Guilhermina Dutra Mendes, mãe de seus três filhos, Artur, Nina Rosa e Gilberto.
Outra confusão diz respeito aos “irmãos” que ele teria tido no meio artístico. Em seu livro “Bagaço de beira-estrada” (José Olympio, 2012, 3ª ed.), Mário Lago deixa bem claro: “Os Barbosa do rádio e da música eram três: Barbosa Júnior, Luiz Barbosa e Paulo Barbosa. (...) Mas havia um quarto irmão Barbosa que o público não conhecia (...): Henrique, que todos preferiam chamar de Gaiola”. E ainda um quinto, Gustavo, como lembram João Máximo e Carlos Didier em “Noel Rosa: uma biografia” (Universidade de Brasília: Linha Gráfica Editora, 1990). Os cinco formavam uma das dinastias Barbosa que moravam em Vila Isabel. Da outra faziam parte os irmãos Haroldo Barbosa e Evaldo Rui. Nenhum pertencia à família de Castro Barbosa, que no entanto teve realmente um parente no show-business, seu irmão (este sim) Fernando de Castro Barbosa, também cantor e compositor. E continua tendo ainda hoje: sua sobrinha-neta, a talentosíssima atriz e comediante Renata Castro Barbosa.
Ex-guarda-livros e funcionário da Livraria Braga & Cia. entre 1926 e 1928, como informa Paulo Perdigão em “No ar: PRK-30! O mais famoso programa de humor da era do rádio” (Casa da Palavra, 2003), tornou-se “(...) bancário, comerciário e funcionário do Lloyd Brasileiro”, segundo a Revista do Rádio de julho de 1949. O jovem dava ainda expediente no banco em 1931 quando foram lançadas suas primeiras gravações: pela Parlophon, o samba-canção “Tu hás de sentir”, de Heitor dos Prazeres, e a marcha “Uvinha”, de André Filho; e, para o selo Brunswick, o samba “Que tal a vida?”, de Maércio de Azevedo e Mazinho, com Castro Barbosa acompanhado pelo Bando da Lua (no disco de estreia do conjunto). Neste mesmo período, debutaria em rádio, veículo através do qual alcançaria enorme popularidade – principalmente como humorista, anos depois.
Castro Barbosa em três cliques: em dois retratos sorridentes na revista O Malho (09/12/1937 e dezembro de 1942) e caracterizado como “noiva” na revista TV Radiolândia (novembro de 1962) / Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
Da época em que cantava com o Bando da Lua de Aloysio de Oliveira, levava boas recordações, como contou à Carioca de 20/04/1940: “(...) lembro-me que recebemos nosso primeiro cachê na Rádio Sociedade. Eram sessenta mil réis para todos nós. Fomos festejar o acontecimento num bar, gastando todo o dinheiro em chope. Tomamos chope até a plata acabar...”. Castro Barbosa passou pelo lendário Programa Casé e entoaria seu vozeirão nas principais emissoras do Rio, entre elas Educadora, Mayrink Veiga e Nacional.
Vozeirão muitas vezes confundido com o de um ícone da música popular, que ele e outros aspirantes a cantor celebravam de maneira bem curiosa ainda em 1930, segundo João Máximo e Didier: “(...) Francisco Alves, espécie de ídolo de todos os outros, respeitado, cultuado quase. Alguns de seus admiradores, como Paulo Netto de Freitas e Castro Barbosa, costumam fazer serenatas sob sua janela (...), como se ele fosse a musa de suas canções. É claro que Zélia, a mulher de Francisco Alves, aparece para agradecer com sorrisos a homenagem, talvez sem saber que é para o marido que eles cantam”.
“Jonjoca. Castro Barbosa. [Carlos] Galhardo. João Petra de Barros. São quatro acusados. O primeiro de copiador de Mário Reis. Os outros de carbono de Francisco Alves. (...) Não acho um crime a imitação de uma forma, quando ela é do gosto popular. Cantores de valor como Castro Barbosa, Galhardo e João Petra de Barros (...) não têm culpa do timbre de voz que a natureza lhes deu semelhante ao do sabiá urbano que é o encanto da população”, defendia Orestes Barbosa (nenhum parentesco com Castro) em seu livro “Samba: sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores” (Livraria Educadora, 1933).
Entre 1930 e 1933, Francisco Alves e Mário Reis formaram, na gravadora Odeon, uma dupla imbatível, de estrondoso sucesso. Para tentar fazer frente a ela, a Victor contratou o “carbono” Castro Barbosa e o “copiador” Jonjoca – o futuro vereador João de Freitas Ferreira, que se lançara como cantor em 1930. A nova dupla faria bonito nas gravadoras Victor, Parlophon e Odeon, com 11 discos de 78 rotações (22 fonogramas) lançados entre 1931 e 1934. No primeiro, gravado em junho de 1931 e distribuído às lojas no mês seguinte, estavam dois sambas do estreante compositor Jonjoca, “Sinto falta de você” e “A cana está dura”. Também de Jonjoca é o samba “Abandonado”, que ele e Castro levaram ao acetato a três vozes, com o auxílio do canto de Almirante.
Da parceria entre Ismael Silva, Noel Rosa e Francisco Alves são os sambas “Adeus” e “Já sei que tens novo amor”, que Jonjoca e Castro Barbosa registrariam em disco respectivamente em 1932 e 1933. Apesar da dupla, ambos continuavam gravando sozinhos: Castro, em 1931, lançou a valsa “Cantar”, do mano Fernando, com acompanhamento dos violões de Rogério Guimarães e Jacy Pereira. Tanto nesta valsa quanto na de Saint-Clair Senna e José Maria de Abreu, “Imagem perdida”, de 1939, Castro Barbosa mostrava outro de seus talentos incríveis: o de assobiador.
Dupla cantante: com Jonjoca (João de Freitas Ferreira), seu parceiro em gravações de sucesso. Na foto à esquerda, Castro Barbosa é o de trás (O Cruzeiro, 27/08/1932); na outra, é o da direita (reprodução do livro “Mário Reis: o fino do samba”, de Luís Antônio Giron / Editora 34, 2001).
O de compositor ficaria eternizado em 40 títulos gravados, 39 ainda em 78 rpm e um já na época dos long-playings. Sua primeira criação a chegar ao disco parece ter sido o samba “Como é diferente”, de 1931: o rótulo indica uma parceria de J. de Castro Barbosa (o “J” possivelmente significando Joaquim, seu prenome) com Samuel Segal, gravada por Jorge Fernandes. Castro Barbosa faria músicas sozinho e também com parceiros (entre eles Jonjoca, João de Barro, Nássara, Walfrido Silva, Kid Pepe, Dunga, Haníbal Cruz, Dilermando Reis, Pedro Caetano, Herivelto Martins, Benedito Lacerda, Dino 7 Cordas e Max Nunes), levadas ao 78 rpm por cantores e cantoras da pesada, como Gastão Formenti, Joel e Gaúcho, Aracy de Almeida, Silvio Caldas, Trio de Ouro, Arnaldo Amaral, Dalva de Oliveira, Jorge Veiga, Déo, Titulares do Ritmo, Ademilde Fonseca e Chocolate.
Não bastasse tudo isso, Castro Barbosa já teria seu nome assegurado no Livro de Ouro da MPB por conta dos clássicos que lançou. Um deles chegou a ser recusado por Francisco Alves. Seu autor, Lamartine Babo – que se apropriara do refrão do frevo “Mulata”, dos pernambucanos João e Raul Valença, e criara novas segundas partes –, num encontro fortuito na Cinelândia, Centro do Rio, ofereceu a composição à dupla Jonjoca e Castro Barbosa. Explica Ruy Castro (mais uma vez, nenhum parentesco) em “Carmen: uma biografia” (Companhia das Letras, 2005): “(...) Jonjoca tinha um samba, ‘Bandonô’, que achava pouco adequado para a dupla e que ele pretendia gravar sozinho. Mesmo assim, propôs a Castro que disputassem as duas músicas no cara ou coroa. Castro topou. Deu cara (...). Castro Barbosa, derrotado na moedinha, gravou ‘Teu cabelo não nega’”. Levada ao estúdio em dezembro de 1931 – tendo, no coro, o auxílio luxuoso de Jonjoca, Murillo Caldas (irmão de Silvio Caldas), Carmen Miranda e do próprio Lamartine –, a marcha estourou no Carnaval de 1932.
Hoje praticamente cancelada, por conta do teor racista do seu refrão, a música obteve um êxito enorme. “Com o dinheiro que o disco lhe rendeu, Castro comprou um apartamento em Copacabana e entrou para a história do Carnaval”, resume o xará Ruy Castro. Ao saber que “já havia na fábrica um pedido de cinco mil exemplares” – como contou à Carioca de 20/04/1940 –, o jovem bancário não teve dúvidas: “Corri ao banco e pedi minha demissão no mesmo instante”. Em fins de 1936, mais um triunfo: Castro Barbosa levou ao disco a “marcha chinesa” “Lig lig lig lé”, de Paulo Barbosa e Oswaldo Santiago, iniciando, segundo Edigar de Alencar em “O Carnaval carioca através da música” (Francisco Alves/Instituto Nacional do Livro, 1979), o ciclo da China na folia do Rio.
Os versos, diz Alencar, satirizavam “os populares restaurantes chineses, com uma porção de pratos, sobremesa de banana e ainda café, tudo por dez tostões” – ou vinte pratos por dez tões, como diz a letra. Na mesma linha oriental, em 1943 Castro lançou outro grande sucesso – com uma letra bem politicamente incorreta para os padrões de hoje –, a marcha “China pau”, de João de Barro e Alberto Ribeiro. Jairo Severiano, em “Yes, nós temos Braguinha” (Funarte/Martins Fontes, 1987), explica que os autores “focalizam a resistência dos chineses ante os invasores japoneses”, ocorrida durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945).
Não seriam as suas únicas experiências carnavalescas. Com Walfrido Silva, Castro compôs a marcha “Quero ser o teu Pierrô”, que ele próprio lançou para o Carnaval de 1937. Da parceria Benedito Lacerda-Roberto Martins veio, em janeiro de 1942, a marcha “Nós, os cabeleiras (Nosso cordão)”, uma “resposta” bem-humorada a “Nós, os carecas”, de Roberto Roberti e Arlindo Marques Júnior, lançada naquele mesmo mês pelos Anjos do Inferno. Três anos depois, ao lado do cantor Déo, Castro Barbosa eternizou no acetato a adaptação feita por Almirante para o famosíssimo “Frevo número 1” de Matias da Rocha e Joana Batista Ramos, também conhecido como “Frevo dos Vassourinhas” (leia mais sobre ele neste post sobre o Dia Nacional do Frevo).
“Torço pelo Flamengo. Como joga o Leônidas [da Silva], hein!?”, exclamou na entrevista à Carioca de 20/04/1940 – aqui há mais uma controvérsia, já que algumas fontes o classificam como tricolor. Melhor acreditar no próprio artista, que em 1937 gravou o “Hino rubro-negro” de Paulo de Magalhães (“Flamengo, Flamengo, sua glória é lutar / Flamengo, Flamengo, campeão de terra e mar”) e a marcha “Piranha”, de Armando Fernandes, homenagem a um famoso grupo de sócios do clube. Em 1938, lançaria ainda a marcha “Guarda rubro-negra” – com a letra já chamando o time de “o mais querido do Brasil”. Cantor de marchas, valsas e canções românticas, teve no samba um dos ritmos mais presentes em sua vasta discografia. São bons exemplos, além dos já citados, um de João da Baiana, “Seu pai não quer”, e outro de Saint-Clair Senna, “Morreu a batucada”.
Com o irmão gêmeo de voz, Francisco Alves, Castro Barbosa teve a oportunidade de dividir um disco de 78 rotações em 1933. Num dos lados, estava nada menos do que uma obra-prima da música brasileira, justamente a primeira parceria entre Vadico e Noel Rosa: “Feitio de oração”. No outro, o samba “Desacato”, de autoria de Wilson Batista, Paulo Vieira e Murillo Caldas – este último juntou-se a Castro e Chico na interpretação. Foram vários os cantores e cantoras com quem Castro Barbosa dividiria os microfones em disco: Chico, Murillo, Almirante, Carmen, Sônia Barreto, Dalva de Oliveira, Déo. Em duo com Aracy de Almeida, gravou o simpático samba “Eu e você”, de Raul Marques e Ernani Silva. Ao lado de Dircinha Batista, apresentou o maxixe “Baianinha” e o samba “Amor, vem raiando a aurora”, ambos de sua autoria. Também de sua lavra é o samba “Amei demais”, que ele mesmo levou ao disco em 1939.
Nessa época, uma nova etapa já havia começado em sua vida. Lá atrás, no Programa Casé, onde trabalhava como cantor, Castro havia conhecido o genial Lauro Borges, então locutor. Os dois voltariam a trabalhar juntos na Sociedade Radiotransmissora Brasileira (PRE-3), em 1936. A estreia de Castro no humorismo se deu por acaso, como ele mesmo contou em depoimento transcrito no livro de Paulo Perdigão: Arthur de Oliveira, que interpretava o sisudo português Seu Ferramenta no programa “Hora só... rindo”, ficou gripado. Corre daqui e dali, o produtor Renato Murce lembrou que Castro Barbosa imitava bem o sotaque lusitano. Ele substituiu Arthur, agradou e assumiu o Seu Ferramenta de vez. Adotando o pseudônimo de Vasco Ferreira, Castro Barbosa começava ali a fazer história.
Caricatura dos integrantes da PRK-20-Zoio D’Água: Del Mundo, Vasco Ferreira (Castro Barbosa), Renato Murce, Lauro Borges e Jorge Murad. Reprodução do livro “Bastidores do rádio – Fragmentos do rádio de ontem e de hoje”, de Renato Murce (Imago Editora, 1976)
Criado por Renato Murce, o programa “Sorrisos Colgate” possuía uma “emissora clandestina”, a PRK-20-Zoio D’Água, da qual faziam parte Murce, Del Mundo, Jorge Murad, Lauro Borges e Castro Barbosa. Seria o embrião de um “acontecimento no rádio que deixou os espectadores e nós mesmos, do meio, perplexos: PRK-30 era (e assim o considero até hoje) o melhor programa de humor que o rádio já transmitiu”, afirma categoricamente Murce no seu livro “Bastidores do rádio – Fragmentos do rádio de ontem e de hoje” (Imago Editora, 1976). Paulo Perdigão, em seu já citado livro sobre a PRK-30, faz coro:
“Lauro Borges (1901-1967) e Castro Barbosa (1909-1975) formaram, no consenso geral, a mais famosa e bem-sucedida dupla de humoristas da era do rádio no Brasil. O programa criado e escrito por Lauro, PRK-30, por ele e Castro interpretado, é tido pelos conhecedores como insuperável no gênero. Fez tanto sucesso que permaneceu nada menos que vinte anos no ar, de 1944 a 1964, por mais de 800 representações em diversas emissoras do país, sempre batendo recordes de audiência e conquistando entusiásticos elogios da crítica, além de exercer vasta influência sobre toda uma geração de comediantes brasileiros”. Por causa dele, Lauro e Castro ganhariam o Troféu Roquette-Pinto de melhores humoristas em 1953 e 1954.
Seria preciso um post inteiro para tentar dar um mínimo de noção do que foi o imenso sucesso da “emissora clandestina” PRK-30, retransmitida para vários estados do país – em São Paulo era chamada de “A Rádio Avoadora do Espaço” –, chegando inclusive à televisão. Na pele do português Megatério Nababo d’Alicerce, Castro Barbosa conheceu uma idolatria maior do que a música havia lhe proporcionado. Para saber por quê, basta escutar os registros do programa que sobreviveram aos dias de hoje: além dos dois CDs encartados no minucioso livro de Paulo Perdigão, há duas compilações em LPs lançadas em 1972 e 1973 – “Renato Murce apresenta Lauro Borges e Castro Barbosa na famosa ‘emissora clandestina’ PRK-30” – e diversos fragmentos que podem ser escutados no YouTube. Até hoje é difícil de se acreditar que apenas duas pessoas, Castro e Lauro (principalmente este último), pudessem dar vida a tantos personagens.
“Vou deixar de ser cantor para ser, apenas, o Vasco Ferreira, que faz diálogos com Lauro Borges”, anunciava à Carioca de 20/04/1940. Pois foi exatamente isso que a imprensa passou a noticiar: “(...) inteligente e maneiroso Castro Barbosa que o rádio-teatro humorístico monopolizou e tirou da nossa música popular...” (Revista do Rádio, setembro de 1948); “Castro Barbosa foi cantor popular muito festejado” (O Cruzeiro, 28/03/1953); “Companheiro de Lauro Borges há muitos anos, ele já foi cantor (...)” (Revista do Rádio, 11/08/1953). Quando regravou “Teu cabelo não nega” para o LP “Carnaval do Rio”, em 1955 – onde compareceu também com a marcha “Vai haver o diabo”, de Benedito Lacerda e Gastão Viana –, os jornais celebraram a sua “volta”.
Na verdade, Castro Barbosa nunca havia abandonado a indústria fonográfica. Só deixou de lançar discos de 78 rotações em três anos: 1947, 1950 e 1953 – sendo que, neste último, teve uma composição sua, um baião, levada à cera pelos Titulares do Ritmo. A própria regravação de “Teu cabelo não nega” em 1955 não era uma novidade: ele já havia feito uma nova versão da marcha em 78 rotações, em 1952. A atividade de humorista pode ter ofuscado sua carreira de cantor, mas de maneira nenhuma havia acabado com ela.
Dupla humorística: Lauro Borges (à esquerda) e Castro Barbosa, a dupla impagável da PRK-30, numa fotografia reproduzida do livro “No ar: PRK-30! O mais famoso programa de humor da era do rádio”, de Paulo Perdigão (Casa da Palavra, 2003), e numa caricatura publicada n'O Pasquim (5 a 11 de dezembro de 1972 / Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional).
Um exemplo disso é que em 1942, já atuando como comediante, Castro lançaria um clássico absoluto da MPB, o samba “Praça Onze”, de Herivelto Martins e Grande Otelo (leia mais sobre ele neste post), acompanhado pelas vozes do Trio de Ouro em sua primeira formação (Herivelto, Dalva de Oliveira e Nilo Chagas). A própria parceria com Lauro Borges não se limitaria a programas humorísticos: em 1948, a dupla dividiu a interpretação do samba “Dagmar”, de Paulo Barbosa e Otávio Filho. Em 1954, chegou às lojas o último disco em 78 rpm de Castro Barbosa, com duas músicas de sua autoria, o samba “Adeus nunca” e o samba-canção “É amor”.
A última participação de Castro Barbosa na PRK-30 foi no dia 28/12/1961, com Daniel Guimarães permanecendo em seu lugar. Nesta década, bateu ponto na televisão, fosse no programa “Só tem tantã” – criado por ele, com Chico Anysio de partner cômico –, fosse no “Coral dos bigodudos” idealizado por Sérgio Porto, ou ainda em programas como “O homem e o riso”, “O riso é o limite”, “Teatro psicotécnico” e “Chico Anysio show”, entre outros. Antes de largar definitivamente a carreira artística, por causa de um aneurisma no estômago – que acabaria causando sua morte em 1975 –, participou do LP “Carnaval Excelsior quatrocentão” (1965) como cantor – na faixa “Tem navio pra chegar” – e compositor – com a marcha “Fantasia do peru”, parceria com Castrinho (novamente, nenhum parentesco), gravada por este último. “Hoje com 59 anos, avô de quatro netos, está aposentado”, dizia a matéria da revista InTerValo de maio de 1969. “Mas se me convidarem, eu volto”, afirmou ele.
“Acho que o outro lado de minha carreira compensou mais, principalmente porque hoje existem grandes cantores e se eu continuasse cantor seria um dos pequenos”, disse em entrevista a Emilio Colella publicada n’A Gazeta Esportiva de 14/12/1958. Modéstia de um intérprete de voz extraordinária que deixou como legado não só o riso provocado em três décadas de humor – no rádio e na televisão –, mas sobretudo os grandes clássicos que ajudaram a enriquecer a nossa música popular.
Na imagem principal: Castro Barbosa na edição de 22/01/1938 da revista Carioca (Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional)